Uma “bazuca cinzenta”
A pandemia já está entre nós há mais de um ano. E com ela, profundos impactes a vários níveis que levaram a repensar políticas e prioridades e a questionar o atual modelo sócio-económico.
Desde essa altura que tenho aqui escrito sobre as oportunidades de mudança que estas crises proporcionam e sobre os oportunismos que também habitualmente se revelam, alertando para a necessidade de estarmos vigilantes e ativos.
Também tenho aqui dito que a crise mais grave que enfrentamos não é a provocada pelo vírus mas a tem como principal promotor o Homem: a crise climática.
Lidar com as alterações climáticas era já, mesmo antes da pandemia, o foco da União Europeia através do Pacto Verde Europeu, e continua a ser na “bazuca” para recuperar a Europa ao exigir que esta seja “verde”, pelo contributo para a transição climática e pela exclusão de projetos que causem danos ao ambiente.
A mesma orientação é feita a nível mundial, e pela voz do Secretário Geral da Nações Unidas, o português António Guterres, ao alertar que “não podemos voltar aos modelos do costume, temos de reconstruir melhor, mais verde. O crescimento não pode ser com o sacrifício do ambiente.”
E também aqui fui escrevendo que nesta fase em que os recursos são escassos, e devem ser aplicados com parcimónia e sempre na perspetiva da recuperação sustentável e resiliente, a Via do Avepark tinha motivos extra para ser cancelada.
Foi, portanto, com surpresa que vi este investimento ser incluído no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Surpresa não pela persistência (teimosia) que cega o município, mas por ser um projeto contrário aos objetivos do PRR e das políticas europeias.
De que serve à recuperação e resiliência de Guimarães (ou da região, ou do país) um investimento de milhões com enormes impactes sociais e ambientais, que tem como principal foco aumentar a atratividade de um Parque de Ciência e Tencologia pela construção de acessos rodoviários para uso de automóvel próprio, sabendo que a acessibilidade do futuro está nos transportes públicos?
Ao invés da ponderação, parcimónia, racionalidade, resiliência, transição climática e respeito pelo capital natural que enforma a “bazuca verde”, em Guimarães temos a persistência dos “modelos do costume”, da ocupação e fragmentação do território para dar espaço ao automóvel, temos uma “bazuca cinzenta”. Cinzenta de alcatrão, cinzenta do pensamento de quem nos governa e cinzenta do horizonte que perspetiva.
Na prática da vigilância e ativismo que advogo, e na falta de racionalidade e bom senso do município que a persistência (teimosia) na execução da Via do Avepark revela, devem os vimaranenses responder com energia e determinação para impedir este investimento sem sentido que agrava significativamente o passivo ambiental local que legamos às próximas gerações. Podem desde já contar comigo!