Que vou fazer para o jantar?
Hoje vou falar de um outro tipo de escrita. Até estou a fazer canja de letras! Há uma pergunta que toda a mulher (do antigamente e a de hoje) sempre se colocam com a mesma ansiedade. “Que vou fazer para o jantar?”
Não posso falar de mim, atualmente aposentada, com um filho que, neste momento, já não espera que o jantar esteja feito. Porquê? “Onde é que está escrito que tenho de ser eu a fazê-lo, aposentada ou não, se a maior parte das vezes só como sopa?” Eu aviso e ele desenrasca-se. Fui fazendo das tripas coração, enquanto ainda não era maior e o mais velho, ainda solteiro, de vez em quando, lá ia para a cozinha, pois eu é que trabalhava. E cozinham ambos muito bem, mas o mais novo só agora se meteu a cozinhar para não ser alvo de críticas.
Tradições, hábitos até hoje imutáveis estão a obrigar a sociedade a mudar não sei se para melhor…. Não se deve generalizar, mas já o fazendo, a mulher de hoje, a jovem, para o bem e para o mal, não faz concessões nem se sacrifica. Ela é uma nulidade na cozinha, tal como ele. Que fazer? Recorrer à mãe, à sogra, ir aos pré-cozinhados ou… começar aos poucos a entender-se com os tachos e as panelas. (Que remédio!). Para a mulher trabalhadora, ser dona de casa é, sem dúvida, a tarefa mais desgastante, por não se lhe reconhecer o valor. Depois de um dia de trabalho, quem pode gostar de se agarrar ao pano do pó e ao aspirador, quem deseja enfrentar a pergunta “Que vou fazer para o jantar?” que leva à confeção de uma refeição quantas vezes alvo de críticas- “está salgado”, “está insosso”, “nem parece teu”…? Se juntarmos a isto o facto de não podermos agradar a gregos e troianos, a angústia duplica. Quando em casa existe um marido dos que pensam que o lugar dela é na cozinha, então a coisa pode complicar. Ora, se fosse ele a fazer o jantar, o que vai acontecendo aqui e ali a passo de caracol, não haveria problema nenhum, já que, normalmente, diga-se em abono da verdade, as mulheres comem de tudo (embora conheça algumas bem esquisitoides) ou não comem nada (com a mania das dietas!).
Até nem seria difícil equilibrar o orçamento familiar, se eles, regra geral, não gostassem de dar ao dente forte e feio, de comer de garfo e faca, com as pernas debaixo da mesa. Nem o colesterol, o ácido úrico, a pressão arterial, a diabetes lhes põem travão, pois há sempre uma boa desculpa para deitar o dente a um bom naco de carne (literalmente e não só; mas isso é outra conversa!).
Os prazeres da mesa são, essencialmente, masculinos. De uma forma geral, volto a cair na mesma tentação, sempre às voltas com os tachos e as panelas, elas não têm prazer nenhum. Estarei a exagerar… Contudo, não vejo alegria nenhum nos rostos femininos quando a famigerada frase vem à baila “Que vou fazer para o jantar?” e nunca a ouvi dita por uma boca masculina. E atenção! Já não falo do almoço, que esse é na empresa, na instituição, no café… em pé (quantas vezes) e à pressa…
Ainda me lembro dos rituais de domingo, com refeições sem pressas, mas a minha mãe teve empregada até sermos adolescentes e decidir que era hora de ensinar as filhas a cozinhar. Sendo uma mulher tão à frente da sua época, nunca entendi porque é que não havia a semana do meu irmão na cozinha, quando, ao domingo, era o meu pai que “olhava” pelo assado. Nessa altura, vivia-se de uma forma muito mais contida, dando-se ao dinheiro o valor que, realmente, tinha. Não sobrava mas chegava. Ginásticas em economia doméstica, em que as mães pareciam doutoradas. Hoje, não chega… mas gasta-se na mesma. Se não for o dinheiro sonante é o “plástico”. Gasta-se mais do que o que se tem e se pode angariar. E depois acumulam-se dívidas e a bola de neve “individual” transforma-se na coletiva e vem a bancarrota para o país.
Nem as medidas económicas nos salvam, talvez porque são sempre os mesmos a pagar a fatura. E vêm aí tempos duros com esta pandemia; porém, todos continuam a gastar. Vou abstrair-me de politiquices nestes tempos tão conturbados. A função pública está tramada como sempre esteve. Não entendo nada de economia ou finjo que não entendo; porém, qualquer um sabe que não pode tirar moedas de um saco que as não tenha. Malabarismos e magias são truques para passar o tempo, não para resolver problemas. No entanto, os nossos governantes continuam a fazê-los para nos darem a ilusão de que tudo se vai resolver.
A viagem já vai longa e uma pergunta impõe-se “Que vou fazer para o jantar?” não fosse eu uma mulher exatamente igual às outras. E, se você que me lê é homem “Levante-se e vá ajudar a sua mãe/ mulher/ companheira/ filha”; se é mulher “Tenha paciência e vá soltando os seus gritos do Ipiranga, aos poucos, ou faça como eu e diga “Come sopa, como eu comi ou então vai para a cozinha!… Para já, tem a minha solidariedade”.