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Quais são os seus sabores familiares?

Teresa Portal
Opinião \ quinta-feira, abril 14, 2022
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Leiam histórias aos vossos filhos. Façam-nos e fiquem felizes.

Era uma vez… dizem as histórias. Como é bom continuar a refugiar-me nos contos maravilhosos, nos contos de fadas, nas fábulas e nas lendas, todo um mundo fantástico e fabuloso que fica lá pra trás, mas que eu tive a felicidade de revisitar constantemente no duplo papel de mãe (com filhos com diferença de mais de onze anos) e de professora. Sou, pois, mais feliz que os outros mortais, na medida em que o elemento catártico dos contos foi e é uma constante da minha vida.

Que bom começar a ler um conto (a propósito, escrevi este texto no dia 1 de fevereiro- Dia Internacional da Leitura em Voz Alta) e ver os olhinhos das crianças ou jovens a brilharem, o silêncio a instalar-se bem ao lado daquele menino ruivo e o aconchego como um cobertorzinho bem felpudo a fazer-se sentir.

E a história continua e as personagens enrolam-se, cruzam-se, entrecruzam-se e, no fim, vem a fórmula mágica “Vitória! Vitória! Está acabada a história!” nos contos tradicionais e “Viveram felizes para sempre” nos contos maravilhosos e nos contos de fadas.

Como é bom sentir que somos crianças! Como é bom sentir que elas nos transmitem novas energias!

E voltei a sentir isso quando, a 26 de novembro de 2021, fui apresentar o meu livro “Bruxas Bruxinhas” à turma do 5ºF da EB 23 de Caldas das Taipas e a 11 de abril fui ao Centro Social Pe Manuel Joaquim de Sousa, onde andaram os meus dois filhos, não nas instalações maravilhosas que agora têm.

Lecionar estas idades tem o sabor da infância! É como quando repetimos gestos que nos remetem para tempos passados e que é tão bom recordar! Por exemplo: as tostas têm o sabor da minha avó materna; o chá e torradas barradas com manteiga derretida em xícaras de porcelana e toalha bordada sabem à minha mãe (de quem herdei, talvez, esse toque de ser “d’autre époque”); a recordação de uma festa de garagem tem o sabor da juventude; um olhar silencioso e envolvente tem o sabor do meu pai; “Come arroz, rapariga, que o arroz vai-te para as pernas” tem o sabor do meu avô paterno que gostava delas roliças e bem torneadas; o desenho de um animal em três penadas tem o sabor do meu avô materno (se tivesse herdado o seu talento não precisava de ilustrador para nada... fazia e ilustrava os meus próprios contos e histórias); o cerrar a boca e enfrentar a matriarca (o meu irmão era levado da breca) tem o sabor da união fraterna… a que se juntam os sabores atuais: o melhor abraço do mundo tem o sabor do meu filho mais velho; um olhar cinza-esverdeado, desafiador e tão meigo e envolvente tem o sabor do meu filho mais novo; um anjinho adormecido tem o sabor da minha neta…

Como é bom recordar os sabores da infância e não só quando neles mergulhamos todos os dias ou quando nos forçamos a mergulhar, como faço agora.

E … atrevo-me a dizer que é com um arrepiozinho bem gostoso (à boa maneira dos nossos irmãos do outro lado do oceano!) que me sinto uma vampira pronta a sugar não o sangue mas a energia dos pequeninos quando me rodeiam. Eles extravasam-na a cântaros, oferecem-na grátis. É só colhê-la, fazê-la frutificar, dar-lhe asas através das palavras em novas histórias que os desafiam pois não as conhecem ou nas velhas que os embalam e lhes dão segurança.

É tão bom escrever como contar histórias. Eu passo a vida a contar quanto mais não seja vivências com base em recordações da minha vida e da de outros com quem me cruzo.

Tenho memória de elefante, o meu animal favorito, e não esqueço, principalmente o que magoou e me fez crescer ou um elogio (tão raros!) feito na hora H que me elevou a autoestima até ao astro-rei.

A vida é cheia de momentos bons e ciclos maus mas o tempo das histórias (com os alunos ou com os meus filhos e espero que com a neta) é um dos mais saborosos para usufruir, calmamente, para que não fuja o arrepio nem o suspiro nem o riso nem a gargalhada e se fique feliz.

Leiam histórias aos vossos filhos. Façam-nos e fiquem felizes.