Ouça o silêncio - Boas Festas
Vivemos num mundo repleto de ruídos — as rotinas dos que passam por nós, o barulho incessante do tráfego, as notificações das redes sociais (telemóveis, tabletes) dos que nos rodeiam, as conversas que se sobrepõem nos cafés e nos transportes públicos.
Sempre tive uma capacidade inata: fazer várias coisas ao mesmo tempo e, em simultâneo, ouvir várias pessoas, mesmo quando me finjo de surda. É a melhor maneira de dizermos que estamos ou queremos estar a trabalhar. Porque há quem não faça nada e não deixe os outros fazer ou, pior ainda, têm raiva de quem faz.
Confesso que é no silêncio que encontramos uma oportunidade rara de nos ouvirmos a nós mesmos. Mas esse silêncio, para mim, tem de ter uma música que me relaxe, calma ou em altos brados como as óperas. Uma determinada ária de uma ópera, para mim, tem de ser ouvida alto, para que me faça vibrar todas a minha rede nervosa dos pés à cabeça, para que me faça repousar, efetivamente.
Ouvir música clássica, ver bailado ou ópera levam-me para outras esferas. Ainda foi hoje que postei a Orquestra Filarmónica de Filadélfia a tocar para bebés. Que maravilha! E nenhum chorava. Ensinar o sentido estético vem de criança.
O silêncio, muitas vezes subestimado, confundido com depressão. Nada disso. É um espaço fértil para a reflexão e estar em sintonia consigo próprio. No meio da agitação frenética do mundo que nos rodeia, é fácil perdermos o nosso eu, sentirmo-nos sozinhos. A correria faz-nos tomar decisões impulsivas e apressadas e, em muitos casos, afastar-nos dos nossos desejos. Porém, quando estamos em silêncio, mesmo que seja apenas por breves momentos, começamos a ouvir a voz interior abafada no meio do caos.
Com frequência, imagino-me num lugar tranquilo, longe das distrações. Fecho os olhos e respiro fundo. E esforço-me por esvaziar a mente. Nada me preocupa. Não penso em nada. Apenas me deixo ir e, à medida que me entrego a essa calmaria, a barulheira interna começa dissipa-se e, sem querer, pego numa esferográfica e escrevo… poesia.. É nesse espaço que avalio as minhas emoções, os meus fantasmas e, principalmente, revejo as minhas aspirações. O que é que eu quero?
À medida que envelheço, aprendi que andei toda a vida a «Dar de mim antes de pensar em mim», o lema rotário que foi sempre o meu lema, sob uma outra forma «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei».
Sinto-me vazia, por vezes. Sempre confortei, quem me conforta? Talvez vos escandalize se disser que, antes dos filhos, vêm os irmãos, quem tiver uns ou outros. Sou uma felizarda, porque tenho ambos, mas são os irmãos que mais ouvem, porque da mesma geração.
Para além disso, nomeu caso, o papel. Sempre o papel, meu conselheiro, meu amigo, que nunca me falta.
Quantos amigos verdadeiros tem cada um de vocês que me lê? Uma mão chega e sobra e, se tiver, cinco amigos verdadeiros, é um felizardo.
Estamos rodeados de pessoas que nos usam, enquanto servimos para os seus interesses e depois nos descartam como lixo. Um verdadeiro amigo está lá, mesmo que não esteja a todos os dias e em todas as horas. Está em pensamento e, na primeira hora, oferece o ombro amigo.
O silêncio é, pois, um conselheiro sábio. Ele convida-nos a ponderar sobre as nossas escolhas e ajuda-nos a entender o que importa. Muitas vezes, a resposta que buscamos está dentro de nós, e o silêncio é a chave que abre essa porta.
Além disso, o silêncio ensina-nos a escutar o outro de maneira mais atenta e ajuda-nos a captar nuances, sentimentos e significados que possam ter passado despercebidos no meio do barulho, durante algum/ muito tempo.
Não é possível arranjar momentos de silêncio? Claro que é, basta querer: um momento de meditação, um simples passeio a falar com os seus botões, ou simplesmente alguns minutos de pausa durante o trabalho. Essas breves interrupções são transformadoras e levam-nos para outras esferas.
Da próxima vez que se sentir sobrecarregado ou indeciso, considere o poder do silêncio. Ele não é apenas a ausência de som. No meu caso tenho a música clássica, a maior parte das vezes, mas é um espaço para a clareza, a introspeção e o autoconhecimento. Valorize esses momentos e permita que o silêncio o guie nas decisões que moldam a sua vida.
Afinal, às vezes, ouvirmo-nos a nós mesmos é o primeiro passo para encontrar o caminho certo.
E como estamos no Natal e já só vos vou encontrar em janeiro, desejo a todos quantos me leem um Santo Natal e umas Boas Entradas em 2025 e, sendo escritora, ofereçam livros. Podem começar pelos da casa, os meus. Estou perto e sempre os oferecem autografados.