Maus Tratos a Cônjuge
São já incontáveis os dias, e até as noites, em que o álcool sobe à cabeça do marido e para ela sobram agressões físicas... móveis destruídos... violência. A vergonha é tanta que a Sra. F..., desesperada, não consegue compreender a passividade da G.N.R. perante os seus apelos...? ...Como resolver os seus problemas?
Em primeiro lugar gostaria de referir que a integridade física (e não só) de qualquer pessoa se encontra tutelada penalmente. Significa isso que o comportamento do marido da nossa leitora constitui desde logo, um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º do Código Penal, cuja pena abstracta é de prisão de 1 mês a 3 anos ou multa. Desengane-se, por isso, quem eventualmente pudesse pensar que o descrito comportamento seria impune, só porque ocorrido entre marido e mulher.
Todavia, estamos perante um tipo de crime específico, mais grave que aquele, tendo em conta a qualidade de cônjuge. Com efeito, a conduta de maus tratos a cônjuge está específica e penalmente prevista no nº 2 do artigo 152º do Código Penal. Pratica o crime de maus tratos a cônjuge quem infligir maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou a quem consigo viver em condições análogas às dos cônjuges. Ou seja, a lei pune de forma especial quem, cometendo os factos descritos, detenha, em relação à vítima, a qualidade de cônjuge, em termos formais ou de facto.
Trata-se efectivamente de um crime mais grave: - por um lado ele veio reforçar a tutela da integridade física, na medida em que ela vai até dentro das paredes da sociedade conjugal, apesar, e em nome, da família; - por outro lado, dele resulta uma agravação da pena 1 a 5 anos de prisão, se não forem causadas ofensas físicas graves relativamente à pena prevista para o crime de ofensa simples à integridade física (1 a 3 anos).
A especificidade deste tipo de crime decorre de um especial desvalor daquele tipo de comportamento e de uma particular danosidade social do facto.
Parece-me, assim, dada a resposta à primeira parte da questão colocada pela nossa leitora. Ou seja, se nunca o fez e nesse caso a passividade não será tanto da GNR ou de quem quer que seja, mas da própria vítima, a leitora estará, talvez, na hora de apresentar queixa do marido, de participar criminalmente dele por tais comportamentos e sentá-lo no banco dos réus. Aliás, tais factos, atenta a sua aparente gravidade, poderão até ser utilizados pela nossa leitora como possível fundamento de um hipotético divórcio, desde que praticados de uma forma não esporádica. Agora, se não tem havido coragem para dar aquele passo, como pode havê-la para dar este muito maior que aquele?
Quanto à segunda parte da questão, se entender por passividade a reacção de indiferença ou de impotência da G.N.R. face aos seus inúmeros apelos feitos por telefone, sempre que é vítima das descritas agressões, então talvez aquela seja um pouco compreensível, sobretudo se a leitora nunca teve coragem de participar criminalmente. A vítima deverá ser, nestes casos, a principal interessada em que tais actos não permaneçam impunes, em que se faça justiça. A hipotética passividade da autoridade policial não desculpa, de forma alguma, a sua própria passividade.
Mas uma coisa também é certa: sempre que ocorram tais comportamentos, não hesite em chamar a G.N.R. . Seja persistente, até porque as provas, nesta situações, são quase sempre muito poucas ou nenhumas, e não há nada melhor que um flagrante, presenciado pela autoridade policial.
A G.N.R., ou qualquer outra autoridade policial, tem, aliás, de se convencer e tomar consciência de que já lá vai o tempo em que imperava o princípio de que entre marido e mulher ninguém mete a colher. O crime de maus tratos entre cônjuges tem agora natureza pública, o que significa que a própria autoridade policial tem o dever de o participar sempre que o presencie ou dele tenha conhecimento ou notícia.
Um apontamento mais. Se porventura o marido da leitora é dependente do álcool, se é em estado alcoólico que pratica os factos descritos e se são tão frequentes e graves as agressões, então a nossa leitora poderá até pensar numa solução mais drástica, mas quiçá mais adequada, eficiente e até melhor para todos não só para ela própria, para a família, mas até para o próprio marido -, o chamado internamento compulsivo. Mas isso ficará talvez como tema para um próximo artigo.