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Manter as casas reconstruídas da Citânia

Gonçalo Cruz
Opinião \ quinta-feira, junho 04, 2020
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O mais provável é que a secção de parede agora derruída seja reposta como estava, em nome da preservação do conjunto, pois não esqueçamos que as bases destas casas são estruturas originais.

Uma das reconstruções feitas na Citânia de Briteiros no século XIX. Note-se o beiral feito com telha romana, teoria aceite durante a maior parte do século XX. Fotografia de Martins Sarmento.

 

Como foi noticiado pelo Reflexo Digital, uma das casas reconstruídas da Citânia de Briteiros sofreu, há poucos dias, uma derrocada parcial.

Estas duas casas reconstruídas, presença assídua, desde há anos, nos manuais de História do 5º ano, foram a primeira experiência de reconstrução realizada num castro do Norte de Portugal, quiçá umas das primeiras reconstruções físicas num sítio arqueológico português. Foram feitas por Francisco Martins Sarmento, não muito depois do início das escavações na Citânia, a partir de 1874. Sarmento enviou um registo fotográfico das reconstruções já finalizadas, para a Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1876. O arqueólogo não apreciou particularmente o resultado, tendo concluído ele próprio que as casas seriam mais baixas.

No decurso desta ocorrência, temos sido contactados por várias pessoas que sugerem que se devia aproveitar esta derrocada para colocar as casas com o que seria a altura original. No entanto, essa opção não é aconselhável, principalmente por duas razões:

  1. No século XIX, estas duas reconstruções tiveram objetivos estritamente científicos e não o de mostrar a um potencial público com seriam as casas. Mesmo depois, durante o século XX, nunca tiveram uma função interpretativa. Aliás, Mário Cardozo reserva-lhes apenas uma menção em nota de rodapé, nos vários "guias da Citânia" que escreveu e editou. O mesmo se passa hoje: a função didática que as reconstruções têm é precisamente a de mostrar que não eram assim, complementando-se a informação com as reconstituições gráficas existentes no Museu da Cultura Castreja, que seguem as diretrizes do que é hoje mais consensual;
  2. Não podemos colocar estas casas como elas eram porque, em rigor, não sabemos exatamente como eram... Há uma ideia aproximada: seriam seguramente mais baixas; a ter janelas teriam apenas uma, e mais pequena que as que vemos na reconstrução; a porta seria também mais baixa; a cobertura seria bastante mais inclinada; podiam ou não ter um sobrado parcial; podiam ou não ter um reboco interior... As casas na Idade do Ferro também diferiam umas das outras, em função da utilização e do estatuto económico dos seus habitantes. Algumas tinhas portas decoradas, algumas tinham lajeado de pedra no interior, outras um pavimento de argila com decoração e outras um simples piso de terra batida... A fazer-se uma reconstrução, ia também seguir o modelo do que hoje se acha ser mais provável e que pode vir a ser alterado em função de novas descobertas ou conclusões. Esta é uma das razões porque, em geral, já não se fazem reconstruções físicas, que costumam ter um carácter definitivo, optando-se por soluções virtuais, que as há e com bastante qualidade.

Não será demais lembrar que qualquer reconstituição destas casas deve abranger várias, posto que elas não eram construções isoladas, mas sim uma parte de um conjunto maior. Até hoje, a única reconstituição física, também ela discutível em vários aspetos, que abrangeu um conjunto doméstico inteiro foi a da Citânia de Sanfins.

Posto isto, o mais provável é que a secção de parede agora derruída seja reposta como estava, em nome da preservação do conjunto, pois não esqueçamos que as bases destas casas são estruturas originais, descobertas nas escavações. A fazer experiências, pois que se façam fora do sítio arqueológico, ou em ambiente virtual, que dispõe hoje de ferramentas notáveis.