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Ler por querer, por obrigação… não!

Teresa Portal
Opinião \ sexta-feira, julho 07, 2023
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Se trouxer o livro certo, vai voar para lugares insuspeitados, viver outros dramas que não são os seus e que lhe fazem parecer que a sua vida é uma maravilha.

A 22 de junho, Daniel Pennac recebeu o Grande Prémio da Literatura da Academia Francesa pelo conjunto da sua obra.

Quando li a notícia, pensei logo nos Direitos Inalienáveis do Leitor, escritos na sua obra Como um Romance que todos os professores, educadores e escritores deviam conhecer. Quando os li pela primeira vez e li o livro, mudei a maneira de lecionar e de «exigir» as leituras aos meus alunos, recusando dar-lhes uma lista de obras que, na sua maioria, não seria do seu agrado.

Para perceberem sobre o que falo, vou transcrevê-los:

1 O Direito de Não Ler

2 O Direito de Saltar Páginas

3 O Direito de Não Acabar um Livro

4 O Direito de Reler

5 O Direito de Ler não Importa o Quê

6 O Direito de Amar os “Heróis” dos Romances

7 O Direito de Ler não Importa Onde

8 O Direito de Saltar de Livro em Livro

9 O Direito de Ler em Voz Alta

10 O Direito de Não Falar do Que se Leu

Tudo verdade! Quem nunca encontrou um livro “intragável”, daqueles que nos põem o cabelo em pé só de pensarmos nele e que, por conseguinte, nos queremos recusar a ler e não poder? Todos já demos com um livro, pelo menos, que não conseguíssemos ler, por este ou por aquele motivo; por isso, receio as famosas listas de livros de leitura “obrigatória” para este ou aquele ano de escolaridade emanadas por quem se atribui o direito de decidir por aqueles que os vão ler, não por opção, mas por obrigação. Em vez de captarem adeptos para a leitura, encontram é adversários que se recusam a lê-los, se mais não for pelo adjetivo que vem agregado à leitura – “obrigatória”.

Segundo Pennac e eu subscrevo, fomos/ somos uns traidores para com os nossos filhos/ alunos/ crianças.

«Que grande traição! Ele/ Ela, a leitura e nós próprios formávamos uma Trindade todas as noites reconciliada; agora, ele /ela está sozinho/a perante um livro que lhe é hostil. A leveza das nossas frases libertava-o do peso; agora, a indecifrável agitação das letras sufoca-o a tal ponto que até o impede de sonhar. Nós tínhamo-lo iniciado na vertical; agora ele/ ela está esmagado/a pela imensidão do esforço. (…) Éramos os contadores, passamos a ser os contabilistas». (Pennac, 2003: 48-50, 1ª ed.1991)

O grau de maturidade dos jovens é muito diferente… Como é que os podemos obrigar a ler as mesmas coisas? Creio que grande parte do problema que enfrentamos com os nossos jovens, no que à leitura diz respeito, pode também encontrar-se aqui. Não há idade para ler esta ou aquela obra, poderá é haver uma maior ou menor maturidade, um maior ou menor traquejo para a capacidade de compreensão de um determinado tema (e aí também o interesse do jovem ter de ser tomado em conta), maiores ou menores competências de leitura no que à descodificação dos seus códigos diz respeito.

Sem dúvida, que muita da culpa está nas maquinetas infernais (telemóveis, tabletes, laptops) que manipulam durante todo o dia, que lhes destroem a escrita e a vontade de ler, porque deixaram de dialogar e escrevem tudo de modo adulterado. Ainda hoje dei de caras com um XD e, sinceramente, não sabia o seu significado. Pelos vistos, simboliza uma cara a rir-se. Serei uma infoexcluída?

Voltando ao texto, dirijo-me agora aos leitores, Leitores com L maiúscula, se me entendem, àqueles que consideram que as horas dedicadas à leitura são momentos de grande prazer e de ócio.

Os tais livros intragáveis, que todos encontrámos (passado) ou encontramos (presente), de alguns escritores da chamada “literatura séria”, por serem demasiado impenetráveis, intrincados, complicados, uma seca (como dizem os mais novos), hoje, recuso-me a lê-los. São bons para fazerem parte da biblioteca adquirida a metro de alguns pseudocultos.

Depois há aqueles livros, a literatura mais leve, cor de rosa, policial, onde alguns incluem os “best-sellers”. Aqui deixo uma questão. Será que um romance policial de uma Agatha Christie, por exemplo, é menos meritório e tem menos qualidade do que um outro que lida com os conflitos internos, as emoções e as explosões de sentimentos das personagens como “O Amor de Perdição” de Camilo? Será que o valor de uma obra se poderá encontrar na razão inversa do seu sucesso comercial? O que é vendável não presta? Então, Camilo que vendia os seus romances muito bem e vivia da escrita (um caso raro para o seu tempo) não presta? Não é ele um dos grandes nomes da Literatura Portuguesa?

Depois há os outros livros, as obras-mestras da literatura de qualquer país, que constituem marcos para toda a humanidade. Não tenho pejo em admitir que o número um destes livros que nos cativam, sujeitando-se a mil e uma interpretações, é a Bíblia. E não terá sido por acaso o primeiro livro a ser impresso. Já nessa altura se terá, porventura, pensado no número de possíveis leitores e, principalmente, de prováveis compradores. Por outro lado, numa sociedade de analfabetos, não era um livro ao alcance de todos (até porque escrito primeiro em aramaico, mais tarde em latim), pois exigia “tradução”, explicação para ser compreendido… Outro desses livros terá sido escrito por Camões, o poeta por excelência da gente lusíada. O poema épico “Os Lusíadas” foi e é uma obra de referência mundial.

Mas… não são só as “grandes obras literárias” que nos regateiam a leitura. Há outras que, por este motivo ou aquele, nos obrigam a voltar a ler, a reler, a voltar a viver todos os momentos de prazer que nos foram facultados… romances, livros de poesia, livros de pedagogia, de psicologia, de história.

E entro agora numa parte melindrosa, a literatura infantojuvenil que muitos consideram de segunda categoria. Posso dizer-vos que é muito mais difícil escrever para crianças e jovens do que escrever para adultos. E esta literatura tem a vantagem de ser para todas as idades. Tanto encanta os jovens como os crescidos. Sabem que cheguei a começar as aulas de português de uma turma de 8ºano com os Contos Maravilhosos? Um conto todos os dias. Porquê? Porque não conheciam a história do Gato das Botas. Todos sabem ou deviam saber que os contos infantis são essenciais para a formação das crianças, são um elemento catártico e poderoso, ensinam-lhes a fantasia que tem de existir na sua vida para depois encararem a vida adulta.

Ponha a sua leitura em dia. Compre alguns livros ou vá requisitá-los à biblioteca e leia, usando os Direitos Inalienáveis do Leitor. Se pegou num livro intragável não tenha medo de o entregar sem o ler. Se trouxer o livro certo, vai voar para lugares insuspeitados, viver outros dramas que não são os seus e que lhe fazem parecer que a sua vida é uma maravilha. Vai ficar relaxado, descansado, completamente liberto de todas as tensões para regressar à sua vidinha stressante, irritante, sem tempo para nada e comandada por um cronómetro desumano que é o tempo, melhor dizendo, a falta dele.