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Há livros bons e livros maus…

Teresa Portal
Opinião \ sexta-feira, outubro 11, 2024
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O grau de maturidade das pessoas, dos jovens em particular, é muito diferente… Como é que os podemos obrigar a ler as mesmas coisas? O problema que enfrentamos na leitura pode estar aqui.

Arrumava uma papelada na minha mesa de trabalho, quando os olhos, por acaso, caíram num panfleto onde eu usara a citação de Vergílio Ferreira: “Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se leem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre”.

Tudo verdade! Quem nunca terá encontrado um livro “intragável”, daqueles que nos põem o cabelo em pé só de pensarmos neles e que, por conseguinte, nos tivéssemos recusado a ler?

Todos já demos com um livro, pelo menos, que não conseguíssemos ler, por este ou por aquele motivo; por isso, receio as famosas listas de livros de leitura “obrigatória” para este ou aquele ano de escolaridade emanadas por quem se atribui o direito de decidir por aqueles que os vão ler, não por opção, mas por obrigação. Em vez de captarem adeptos para a leitura, encontram é adversários que se recusam a lê-los, se mais não for pelo adjetivo que vem agregado à leitura – “obrigatória”.

O grau de maturidade das pessoas, dos jovens de quem falo particularmente, é muito diferente… Como é que os podemos obrigar a ler as mesmas coisas? Creio que grande parte do problema que enfrentamos com os nossos jovens, no que à leitura diz respeito, pode também encontrar-se aqui. Não há idade para ler esta ou aquela obra, poderá é haver uma maior ou menor maturidade, um maior ou menor traquejo para a capacidade de compreensão de um determinado tema (e aí também o interesse do jovem ter de ser tomado em conta!), maiores ou menores competências de leitura no que à descodificação dos seus códigos diz respeito.

Claro que há os jovens para quem tudo é uma seca à partida e até os rótulos de embalagem se recusam a ler. São esses que acham que já fazem muito ao ler os resumos dos resumos das obras de leitura obrigatória. Que falhou? Alguma coisa terá necessariamente falhado, a família, a escola e o próprio aluno, enquanto indivíduo pensante.

Felizmente, penso que a juventude atual, a geração mais jovem começa a ver a leitura com outros olhos. Os primeiros resultados do Plano Nacional de Leitura? A criatividade dos professores e das escolas para levarem a leitura até às camadas mais jovens? A saturação que as máquinas começam a provocar nos mais novos? A facilidade de transporte e de utilização dos livros, em todas as latitudes e longitudes e a qualquer hora do dia ou da noite e em quaisquer condições climáticas ou sociais, com ou sem eletricidade …?

Voltando ao meu texto, estou a dirigir-me aos leitores, Leitores com L maiúscula, se me entendem, àqueles que consideram que as horas dedicadas à leitura são momentos de grande prazer e de ócio.

Há os tais livros intragáveis que todos encontrámos, de alguns escritores da chamada “literatura séria” que, por serem demasiado impenetráveis, intrincados, complicados, uma seca (como dizem os mais novos) me recuso a ler. Serão os tais livros “que antes de lidos já estão lidos”. Bons para fazerem parte da biblioteca adquirida a metro? Será falta de amadurecimento? Talvez. Se bem me recordo, só comecei a ler Saramago com trinta e tal anos, levada pela polémica gerada à volta da sua obra “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Nunca mais parei de o ler! Mas, o que acontecerá com o “Memorial do Convento”, leitura obrigatória do 12º ano? Pobre estudante que o considerar intragável! Tudo vai depender certamente do professor e das partes que forem “obrigatórias” para a compreensão do livro. E isso é que eu não concordo, que agora se leiam apenas partes das obras de leitura obrigatória, mas aceito que as primeiras setenta páginas do livro com a descrição da procissão do Senhor dos Passos (se não estou em erro!) tiram a vontade a qualquer um de o ler.

Depois há aqueles livros “que se leem todos e ficam logo lidos todos”. Incluo nesta categoria os pertencentes à literatura mais ligeira, mais leve, cor de rosa, policial, onde alguns incluem os “best-sellers”. Aqui deixo uma questão. Será que um romance policial, por exemplo de uma Agatha Christie, é menos meritório e tem menos qualidade do que um outro que lida com os conflitos internos, as emoções e as explosões de sentimentos das personagens como “O Amor de Perdição” de Camilo ou Os Maias do Eça? Será que o valor de uma obra se poderá encontrar na razão inversa do seu sucesso comercial? O que é vendável não presta? Então, Camilo que vendia os seus romances muito bem e vivia da escrita (um caso raro para o seu tempo) não presta? Não é ele um dos grandes nomes da Literatura Portuguesa?

Depois há os outros livros que “nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos… e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre”. Estas são as obras-mestras da literatura de qualquer país, que constituem marcos para toda a humanidade. Não tenho pejo em admitir que o número um destes livros que nos sujeitam sujeitando-se a mil e uma interpretações é a Bíblia. E não terá sido por acaso o primeiro livro a ser impresso. Já nessa altura se terá, porventura, pensado no número de possíveis leitores e, principalmente, de prováveis compradores. Por outro lado, numa sociedade de analfabetos, não era um livro ao alcance de todos (até porque escrito em latim), pois exigia “tradução”, explicação para ser compreendido… Outro desses livros terá sido escrito por Camões, o poeta por excelência da gente lusíada. O poema épico “Os Lusíadas” foi e é uma obra que “vai largando uma parte de si pelas gerações”. Infelizmente, a maior parte da população apenas contacta com a obra durante a sua escolarização, nomeadamente no 9º ano, quando é obra de leitura obrigatória. (De novo o palavrão!).

Mas… não são só as “grandes obras literárias” que nos regateiam a leitura. Há outras que, por este motivo ou aquele, nos obrigam a voltar a ler, a reler, a voltar a viver todos os momentos de prazer que nos foram facultados… livros de pedagogia, de psicologia, de história, …

E não entro nos livros atuais que, não passando por nenhum crivo, se publicam a torto r e a direito. E a própria atribuição do selo PNL (Plano Nacional de Leitura) também é muito questionável. E já não entro nos concursos literários onde os jurados têm o nome indicado no fim do regulamento. Para quê? E, nos outros, em que, não tendo, também já se sabe quem é o vencedor, muito antes da indicação da lista dos premiados. Não estou a lançar bocas, estou a falar da realidade. É o mercado dos livros que não é muito diferente dos outros mercados.

E a visita às bibliotecas é outra dor de cabeça que deixo para outra ocasião.

E chega. Ponha a sua leitura em dia. Compre alguns livros ou vá requisitá-los à biblioteca e leia. Vai ver que voa para lugares insuspeitados, que vive outros dramas que não são os seus e que lhe fazem parecer que a sua vida é uma maravilha e fica relaxado, descansado, completamente liberto de todas as tensões para regressar à sua vidinha stressante, irritante, sem tempo para nada e comandada por um cronómetro desumano que é o tempo, melhor dizendo, a falta dele.