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“É pior a emenda que o soneto”

Teresa Portal
Opinião \ quinta-feira, janeiro 23, 2025
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Quando o trabalho não rende o que faz? É irritante. O nervoso miudinho ataca e é pior a emenda que o soneto.

A propósito! Sabe como surgiu esta expressão tão castiça? Foi Bocage o seu autor. Diz-se que um pretenso poeta lhe pediu que lesse um soneto do qual era autor e lho corrigisse. Bocage não fez absolutamente nada, porque o poema era tão mau que a correção ainda o pioraria. Não havia emenda que lhe servisse. A expressão correu mundo e tornou-se numa espécie de ditado popular. E… nem sempre um jeitinho resolve alguma coisa.

Pois. Quando a vontade para fazer seja o que for (leia-se, escrever!) anda por paragens desconhecidas é difícil dar a volta por cima, por baixo ou seja por que lado for. Não há emenda que lhe valha.

Às vezes, respirar fundo e fechar os olhos por um momento resolvem o problema e as ideias começam a fluir. Outras vezes, dar um passeio pelo parque, tomar contacto com a natureza, respirar o odor da terra molhada, da relva acabada de cortar, das flores que abundam nos canteiros, ouvir o chilrear da passarada, as vozes e os risos da catraiada têm o efeito mágico de nos levar até ao País do Faz-de-Conta e do Era Uma Vez muito de mansinho, quase sem darmos por ela. No meu caso, a maior parte das vezes, a música clássica é o gatilho para despoletar a criatividade.

E o texto impõe-se, pé ante pé, hesitante, tímido, sem coragem para avançar, sem bem saber quem é o quê, qual o local e o tempo da ocorrência. Depois, as palavras começam a formar-se, as frases exigem ser escritas e tudo parece ordenado por uma vontade superior. E ei-lo que surge singelo e infantil, inconsciente e adolescente, severo e adulto de acordo com o autor.

Uns utilizam uma linguagem que permite que o texto alcance a sua forma final e definitiva de um modo acessível, o que não significa uma escrita “menor”, “sem valor”; outros escrevem de uma forma intrincada e obscura, ciosos e ciumentos do que fizeram, não significando com isso que ele tenha “maior importância”.

São poucos os que escrevem à primeira (um texto tem de ser trabalhado, rasurado, emendado, acrescentado, cortado, enriquecido…) e ainda menos os que o fazem diretamente nessa máquina infernal e não fidedigna que é o computador. Uma falha de energia, um desastre com o disco duro e era uma vez um texto que se perdeu para sempre.

Há, pois, muitos adeptos da antiquada folha de papel e do marcador de ponta fina (preto, de preferência!) para registarem, através de uma caligrafia mais ou menos bem conseguida (por vezes ilegível), as suas ideias, as suas opiniões, as suas vivências segundo uma tipologia textual mais ou menos interessante, conforme o caso. Uns preferem o romance ou a novela, outros o conto ou a singela história e, alguns, encantam-se com a crónica, esse inseguro texto paraliterário que os cativa, Retém, obriga, namora, incita, captura e alicia.

São trabalhos curtos que surgem do nada, de algo (uma palavra, uma ideia, uma frase…) que fez despoletar a criatividade quando menos se espera, mas que funcionam como autênticas válvulas de escape por onde se escoa o stresse acumulado. Umas vezes têm sabor a raiva, a frustração, a angústia, a desapontamento, a deceção, a ansiedade; outras, porém, riem-se com sarcasmo, com ironia, com escárnio… ou induzem a gargalhada e a boa disposição com a sua comicidade, com o seu humor.

Não são textos inocentes; pelo contrário, têm uma missão informativa e formativa que cumprem cabalmente. E há as crónicas narrativas que contam histórias…

E, publicadas nos jornais e nas revistas, as crónicas fascinam quem gosta deste género jornalístico, como é o meu caso. E, se em papel, num jornal ou num livro, perduram para sempre guardadas em sótãos mais ou menos bem arejados, em hemerotecas ou em bibliotecas.