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Do 11 de Setembro 2001

António Bárbolo
Opinião \ terça-feira, outubro 02, 2001
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A tragédia do passado dia 11 de Setembro marca uma mudança radical no curso da humanidade.

As imagens dos dois aviões desviados por terroristas que, em nome do integrismo islâmico, se lançam com o World Trade Center, parecem saídas de uma narrativa cinematográfica. Mas o horror ultrapassou a ficção e mostrou-nos a sua cara, destapada, sem vergonha e à luz do dia. Na verdade, nada parece muito diferente das imagens que enchem as páginas da História ou que diariamente nos entram pela casa dentro. As bombas atómicas que arrasaram Hiroshima e Nagasaki, as execuções sumárias em estádios repletos de seres humanos ébrios com a sordidez da morte, os fornos crematórios dos nazis, a carnificina de um milhão de ruandeses, os camiões descarregando cadáveres como se fossem lixo, a mulher afegã cruelmente assassinada em público por ter desobedecido ao seu marido. São o eco que nos traz a sensação de déjà-vu, é o mesmo que ressoa como se estes atentados fossem algo novo.
Quase sempre se morre ou se mata por alguma razão ou por alguma causa. O que terá levado pois aqueles homens a apoderarem-se de quatro aviões, com centenas de passageiros, e a lançarem-se contra alvos para fazer ainda mais uns milhares de vítimas?
Não podemos cair no tremendo erro de julgar estes acontecimentos como um choque de civilizações e muito menos de religiões. José Saramago escrevia, no Le Monde de 22 de Setembro, que Deus é a arma mais mortífera jamais inventada. Prémio Nobel tem as suas razões. Foi em seu nome que se cometeram e continuam a cometer os atentados mais horríveis, os extermínios, as perseguições e genocídios que a História documenta. A ortodoxia dos talibans não fica nada a dever ao terrorismo dos juízes e perseguidores da Inquisição que, durante séculos e em nome da sua interpretação dos textos bíblicos, perseguiram, aniquiliram, mataram ou mandaram para a prisão milhares de pessoas inocentes. Hereges, como lhes chamavam. Como se heresia não significasse apenas, segundo a sua etimologia, dizer não, ou seja, ter o direito de escolher.
Mas os crentes, aqueles para quem Deus significa mais do que uma construção da mente humana, não devem esquecer que o Deus dos cristãos é o mesmo que o Deus dos muçulmanos, dos ortodoxos ou dos judeus. E aqueles para quem deus é apenas uma invenção do espírito dos homens lembrem-se também que na Bíblia e no Corão o respeito pelo Outro e pela Vida Humana são valores essenciais.
Os atentados do passado dia 11 de Setembro não são uma guerra de religiões, são uma guerra contra a raça humana. Uma guerra de gente raivosa, com ódio pela vida, apenas apaixonada pela morte. Não é uma ofensiva do Terceiro Mundo ou do Mundo Islâmico, contra os Estados Unidos, contra os Países Desenvolvidos ou contra o Capitalismo. Não. O nacionalismo ou a religião são apenas uma desculpa para esse punhado de homens e mulheres que odeiam a humanidade. Aliás, naquelas ruínas, jazem certamente centenas de muçulmanos.
Haverá, na História da Humanidade, um antes de 11 de Setembro de 2001 e um após 11 de Setembro de 2001. Até àquela data matava-se por ideais, mesmo se alguns são dificilmente aceitáveis. Agora mata-se e morre-se por fanatismos. E estes só cabem na lógica do absurdo que julgávamos pertencente apenas ao reino imaginário das ficção.
As guerras que agora se preparam não podem ser uma resposta cega à desumanidade demonstrada pelos terroristas. Por muito que nos custe, o terrorismo e o fanatismo não se combatem com a violência. A justiça dos homens é sempre limitada e só o mesmo fanatismo nos pode levar a pensar o contrário.

Nice, 25 de Setembro de 2001

Por António Bárbolo