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Crónica das guerras

António Bárbolo
Opinião \ segunda-feira, fevereiro 13, 2017
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A forma asséptica e, aparentemente, sem vítimas humanas, como elas se desenrolam, levam-nos a ficar sossegados no nosso sofá, confiantes e esperançados que a democracia resolverá todos os problemas.

“Para a mentira ser segura
E atingir profundidade
Tem que trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.”

- António Aleixo

Lembramos, este ano, a participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial. As celebrações, que se anunciam, por altura do centenário da partida do Corpo Expedicionário Português (C.E.P.) para França, são bem merecidas e devem levar-nos a reflectir, uma vez mais, sobre as lições a tirar da guerra e das guerras. A quantidade de páginas, em forma de “diários”, que chegaram até nós, muitos dos quais já editados, são a voz viva e pungente dos milhares de homens que deram a sua vida em nome de um conflito cujos objectivos desconheciam, num combate para o qual não estavam preparados, numa guerra que não era a deles e para a qual muitos foram recrutados à força e com requintes de malvadez. Recordamos aqueles que morreram nas trincheiras europeias, nas frentes africanas, de Angola e Moçambique, mas também os outros que, tendo sobrevivido, carregaram com eles as sequelas da guerra, o silêncio e a mágoa do pouco reconhecimento que a pátria lhes dispensou.

Se, nessa altura, o sentimento dominante era de neutralidade, terá sido este mesmo princípio um dos factores essenciais a fazer com que o nosso país não se envolvesse, directamente, na 2ª Grande Guerra. Mas o conflito, que arrasou a Europa, não deixou de provocar, também em Portugal, os seus efeitos e as suas consequências, que nos convidam a olhar a História como irrepetível, mas também como fonte de ilações e de ensinamentos.

A segunda metade do século XX foi vivida à sombra do medo da guerra, sobretudo a que poderia ser provocada por um conflito e um holocausto nucleares. Esse perigo e esse receio não estão de todo afastados mas têm, nos últimos tempos, sido esquecidos, nomeadamente em função do desanuviamento trazido pelo discurso mais suave que mitigou as orientações bélicas dos dois grandes blocos do pós-guerra.

Contudo, de forma larvar e dissimulada, estamos assistindo a novas guerras que ameaçam a paz e a estabilidade mundial. A forma asséptica e, aparentemente, sem vítimas humanas, como elas se desenrolam, levam-nos a ficar sossegados no nosso sofá, confiantes e esperançados que a democracia resolverá todos os problemas.

Ora, as notícias que nos foram chegando sobre a forma como decorreram as eleições nos Estados Unidos, a maneira como a informação foi manipulada de maneira a contribuir para a eleição de um determinado candidato, são tudo menos tranquilizadoras.

O processo parece ganhar agora os mesmos contornos na vizinha França. A forma como os candidatos às eleições presidenciais estão a ser tratados nos media e, sobretudo, nas chamadas redes sociais, publicando mensagens positivas sobre uns e revelando “dados confidenciais”, negativos, sobre outros, configura uma verdadeira campanha negra que visa manipular os eleitores na sua escolha democrática. Naturalmente que muitas destas “notícias” vêm matizadas com uns pozinhos de verdade e outras serão mesmo verdadeiras. O desafio está em sermos capazes de destrinçar a meada em que se enrolou, propositadamente, o verdadeiro com o falso, o verídico com a mentira ou apenas com a insinuação.

Por detrás destas máquinas de propaganda podem estar milhares de perfis falsos, os chamados “bots”, mas também estão homens de carne e osso, Estados e nações, interessados em alimentar estas campanhas de intoxicação. Por isso, não tenhamos a mínima dúvida de que estamos perante uma nova guerra, cujos efeitos não se afiguram, para já, muito letais, mas que se poderão revelar devastadores se não soubermos defender-nos e combatê-los. A informação é a base da inteligência colectiva. Mas o verdadeiro conhecimento é uma mistura fluida dessa informação, de valores, de hipóteses, de experiências e de discernimento, que nem sempre é fácil de condensar e que, sobretudo, nunca é um dado adquirido nem definitivo.