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Corrupção vs Enriquecimento Ilícito

Pedro Martinho
Opinião \ quinta-feira, abril 22, 2021
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Mais do que nunca, a problemática da corrupção e, mais concretamente, agora, do enriquecimento ilícito, está na ordem do dia.

A decisão instrutória do mega processo-crime designado por “Operação Marquês”, que tem como principal protagonista o ex-primeiro ministro de Portugal, José Sócrates, trouxe ao de cima, para o cidadão comum, mas também para alguns dos operadores da Justiça, sentimentos generalizados de incompreensão, impunidade e revolta, ao ponto de haver, até, quem alimente a ideia, e velha máxima, de que o “crime compensa”.

Mais do que nunca, a problemática da corrupção e, mais concretamente, agora, do enriquecimento ilícito, está, por isso, na ordem do dia.
Só peca por tardia, tanto mais que a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que entrou em vigor na ordem jurídica internacional já em julho de 2003, e aprovada pela Assembleia da República já pela Resolução n.º 47/2007, de 21.09, recomendava a criminalização do enriquecimento ilícito, no seu artigo 20º e nos seguintes moldes:

«Sem prejuízo da sua Constituição e dos princípios fundamentais do seu sistema jurídico, cada Estado Parte deverá considerar a adopção de medidas legislativas e de outras que se revelem necessárias para classificar como infracção penal, quando praticado intencionalmente, o enriquecimento ilícito, isto é o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo.»

Decorridos nove e cinco anos, respectivamente, ou seja apenas em 2012, tentou transpor-se para a ordem jurídica penal portuguesa aquela recomendação, mediante o Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República, o qual, contudo, tendo sido sujeito, por iniciativa do Presidente da República, a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade, viu declarada a inconstitucionalidade de algumas das suas normas, essencialmente por violação do princípio da presunção da inocência, bem como do princípio “in dubio pro reo”.
Foi o bastante para que tal problemática ficasse, uma vez mais, novamente adormecida.

E foi necessário aos responsáveis políticos, e da área da justiça criminal, que, só volvidos mais de nove anos, acordassem, mais uma vez, para esta maléfica problemática – que mina a Democracia e o próprio Estado de Direito –, perante o alarme que causou na sociedade portuguesa, em geral, a decisão instrutória da “Operação Marquês”, embora ainda passível de um hipotético revés.
Recentemente, o Governo português aprovou a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, in Diário da República n.º 66/2021, Série I, de 2021-04-06).

Trata-se de um instrumento programático, aglutinador de linhas mestras, estratégias, prioridades e acções, para o combate à corrupção e à fraude, que foi sujeito a consulta pública, que contou com importantes contributos de cidadãos em nome individual, de associações cívicas, de ordens profissionais, de associações sindicais e empresariais, de magistrados e de advogados.

Enquanto estratégia, prevê, desde logo, a criação de novos mecanismos de prevenção e de investigação, bem como de instrumentos normativos, sobretudo ao nível do crime da responsabilidade de titulares de cargos políticos e de titulares de altos cargos públicos.

A título de exemplo, aponta para campanhas de sensibilização, novos métodos de investigação, aumento de meios técnicos e humanos, melhoria dos canais de denúncia, protecção dos denunciantes, redução dos mega processos, com preferência para a separação de processos, medidas de transparência na governação de fundos públicos, europeus, e de subvenções do Estado, etc.
Impõe-se, agora, não perder o norte, passar do papel para medidas concretas, das intenções à prática.

O Presidente da República deu já o mote, apelando para uma rápida criminalização do enriquecimento ilícito. Impõe-se, agora um maior empenho, e comprometimento, da classe política, sobretudo do legislador, para a tomada de medidas rápidas e eficazes no combate à corrupção e à fraude, que, ao mesmo tempo, possa ser capaz de, o mais rapidamente possível, fazer renascer na sociedade portuguesa alguma confiança na classe política e nas instituições democráticas, ora moribunda e quase completamente desaparecida.

Aguardar… para acreditar!