Continuar a celebrar Abril
Abril é um mês que me enche de alegria e esperança. Sou um feliz português que não conheceu a ditadura e que recorda esta data pela história, pela memória de outros e, especialmente, pelas conquistas que de 1974 a 2018 não pararam de se acrescentar às mães de todas elas: a democracia e a liberdade de expressão.
Os tempos que correm lançam-nos novos desafios. Não só no que queremos continuar a conquistar, para aprofundar a democracia, como, também, na necessidade de defender o património adquirido pela revolução.
No que toca ao aprofundamento da democracia, importa pegar num lugar comum das “conquistas de Abril”, o poder autárquico livremente eleito, para reclamar dois novos passos da maior importância: a descentralização de competências e a regionalização.
Se se tornou lugar comum falar da conquista do Poder Autárquico, foi porque da capacidade de eleger os nossos representantes locais, ao nível municipal e de freguesia, trouxe-nos a proximidade do poder de decisão do Estado para um nível de gestão capaz de reconhecer as necessidades mais prementes e dispensar a atenção indicada aos assuntos que mais digam às populações.
É neste contexto que, no atual quadro de negociação de transferência de competências da administração central para a administração local do Estado, se torne imperioso que seja obtido um consenso sobre esta matéria. Um acordo que permita às Autarquias reforçar as suas competências ao nível da gestão do setor da educação, da saúde, da ação social e de um alargado conjunto de outras áreas, na capacidade dos eleitos locais darem resposta pronta.
E, claro está, que esta descentralização seja acompanhada pelo respetivo envelope financeiro que permita cumprir de forma consentânea com a responsabilidade transferida.
Fora da agenda está, para já, a Regionalização. Mas não haverá maior aprofundamento das conquistas de Abril, no que toca à democracia, do que a capacidade de um outro conjunto de competências atualmente centralizadas, passe a um nível regional, trazendo do Terreiro do Paço até cada região uma real capacidade de decisão em diversas matérias.
Celebrar este período é, para além de alargar as conquistas conseguidas, ser capaz de, a cada momento, travar combates para defender as portas que Abril abriu.
Neste lado do desafio há dois aspetos que me parecem em risco mais iminente e que importa defender com unhas e dentes. O primeiro dele é o sistema político em si mesmo. A confiança nos eleitos e nos partidos.
No que toca a esta matéria creio que, infelizmente, tem partido dos próprios agentes uma ação autofágica que, já sendo nociva, se poderá tornar letal. Quer pela via da usurpação dos cargos exercidos - esquecendo a ética e outros valores fundamentais - , quer pela via do ataque político desleal, personificado, insidioso e mais destrutivo para toda a classe política do que para os alvos a que normalmente essas investidas se destinam.
Infelizmente ao nível local temos exemplos deste tipo de comportamento que, felizmente, não têm sido acompanhados pelo reconhecimento eleitoral do Povo.
O segundo risco está na qualidade da democracia e no ataque à liberdade de expressão, pela sua utilização indevida. Já não falando em casos mais mediatizados internacionalmente, que levaram à eleição de Presidentes através de “fake news” ou “pós-verdades”, mas trazendo para o cenário mais próximo em que, não poucas vezes, se usam os tais “factos alternativos” para produzir argumentário político. Mais do que isso, é uma cartilha que depois é reproduzida por pessoas que não existem, por veículos anónimos ou por mensageiros mascarados de profissionais sérios.
Continua a ser urgente celebrar Abril. Aprofundando as suas conquistas e defendendo este património nacional.