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Capital Verde (II): alterações climáticas e energia

José Cunha
Opinião \ quinta-feira, março 05, 2020
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As políticas municipais de ambiente e sustentabilidade não são uma nulidade. Mas também não são, como se apregoa, “únicas”, “excepcionais”, de “excelência”.

Neste segundo artigo, da série que pretendo dedicar à informação que consta da candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia (CVE), decidi englobar três indicadores e acrescentar dois acontecimentos mais recentes com eles relacionados e paradigmáticos da prática municipal em matéria de ambiente. Os indicadores são o desempenho energético e a mitigação e adaptação às alterações climáticas, e os acontecimentos são a adesão de Guimarães à campanha das Cidades Resilientes e a classificação obtida no “Carbon Disclosure Project”.

Não pretendendo ser exaustivo nem específico na análise de cada um destes indicadores, mas quero salientar três aspectos que lhes são comuns:

  1. A informação quantitativa disponibilizada na candidatura não confere, e é até contraditória na sua tendência evolutiva, quando comparada com os dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE). É reportado que as emissões de CO2 total e do setor dos transportes tiveram uma redução desde 2012 até 2017, com 23,3% de redução entre 2008 e 2017 sendo menos de metade da média nacional. No entanto, o INE revela um aumento do consumo de energia elétrica, de combustíveis e da taxa de motorização. Esta redução de emissões merece ser um caso de estudo, e os seus resultados partilhados como um exemplo a replicar ou a evitar.
  2. É utilizada uma argumentação falaciosa que sustenta que a evolução positiva dos indicadores é resultante de uma visão holística suportada em planos estratégicos, quando na verdade essa evolução é comparada num ciclo anterior à vigência desses planos. O Plano de Mobilidade Urbana Sustentável é um exemplo dessa prática.
  3. Na parte dedicada aos planos futuros é elencado um conjunto de projetos, alguns deles com a indicação de início em 2017/18, mas que estão, na sua quase totalidade por iniciar ou executar. É referido o “City Lab”, o Plano Municipal de Iluminação Pública, o Sistema de Monitorização Ambiental, o Plano de Gestão e Monitorização do Risco de Cheias ou o Plano de Abastecimento de Energia. Tanto quanto sei, e até ver, nenhum deles existe.

“Cidades Resilientes”

As Nações Unidas, como parte integrante da sua Estratégia para a Redução do Risco de Desastres, tem uma campanha designada “Cidades Resilientes” à qual os municípios se podem propor aderir sob o compromisso de colocar o tema na sua agenda. Em Portugal, algumas cidades foram reconhecidas como tendo aderido ao projeto, mas o facto foi comunicado de forma substancialmente diferente em Guimarães. Os nossos vizinhos noticiaram que “o Município de Braga viu aprovada a candidatura à iniciativa da ‘Cidades Resilientes’, e na capital do norte foi noticiado que “o Porto passou a integrar o programa das ‘Cidades Resilientes’, o Município vê assim bem-sucedida a sua candidatura". Em Guimarães a notícia foi que “Guimarães foi reconhecida pelas Nações Unidas como ‘Cidade Resiliente’”, “na sequência do trabalho desenvolvido pelo município no âmbito da Proteção Civil”, e que “estão em curso diversos projetos e já implementadas boas práticas pelo município, que permitiram o reconhecimento do UNDRR.” Uma forma recorrente do município informar os seus munícipes que parece passar despercebida à comunicação social e não causar indignação nos políticos locais, duas classes com responsabilidades na qualidade da democracia.

“Carbon Disclosure Project”

O “Carbon Disclosure Project” é uma plataforma de uma organização sem fins lucrativos que pretende fomentar a avaliação e divulgação da pegada carbónica de empresas e municípios em todo o mundo, promovendo a redução das emissões e o reconhecimento desse empenho.

As cidades aderentes respondem a um questionário que posteriormente é avaliado e graduado de acordo com a pontuação obtida. Guimarães foi recentemente considerada nessa avaliação como uma cidade “Lider”, ou seja “que demonstra melhores práticas em adaptação e mitigação, tem definidas metas ambiciosas e realistas, e tem demonstrado progresso para atingir essas metas. Apresenta atualmente planos estratégicos e abrangentes para assegurar que as ações que estão a adotar reduzirão os impactos climáticos e a vulnerabilidade dos cidadãos, empresas e organizações instaladas no território”.

Uma leitura rápida às respostas submetidas por Guimarães revela o recurso à mesma fonte de dados e a mesma “criatividade” da candidatura à CVE, como comprova a afirmação de o Plano Diretor Municipal incorpora objetivos e metas de sustentabilidade.

Para concluir, reafirmo que as políticas municipais de ambiente e sustentabilidade não são uma nulidade. Mas também não são, como se apregoa, “únicas”, “excepcionais”, de “excelência”. Vivemos na “ficção mais do que verde de uma realidade pouco mais que cinzenta” para a qual tenho vindo a alertar.