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Capital Verde (I): resíduos

José Cunha
Opinião \ quinta-feira, fevereiro 06, 2020
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Este será o primeiro de uma série de textos sobre o formulário da candidatura de Guimarães ao galardão de Capital Verde Europeia (CVE), documento que cognominei (versão polida).

Este será o primeiro de uma série de textos sobre o formulário da candidatura de Guimarães ao galardão de Capital Verde Europeia (CVE), documento que cognominei (versão polida) de “ficção mais do que verde de uma realidade pouco mais que cinzenta”.

Por determinação da União Europeia (promotores do galardão), os formulários foram estruturados em 12 indicadores, e para cada um deles as cidades candidatas teriam de prestar informação sobre o seu estado atual, sobre as medidas do passado e sua tendência evolutiva, e sobre os planos para o futuro.

Começo por partilhar a análise que fiz ao indicador “resíduos”:

  1. Ao expor os dados da situação atual, o Município afirma que 82% dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) são encaminhados para as unidades de Tratamento Mecânico e Biológico (TMB), e que apenas 1,7% vai (diretamente) para aterro. Mas, como se pode ler no relatório de avaliação técnica, “a verdadeira taxa de deposição não foi revelada, apesar de ser evidente que o aterro é o destino de uma grande parte dos resíduos que saem do TMB”. De facto, e como se pode constatar da leitura da ficha do Sistema de Gestão disponibilizada pela Agência Portuguesa do Ambiente (2018), 87% dos RSU tratados pela Resinorte têm como destino final o aterro. E comprovando a evidência feita pelo avaliador, os números do fluxograma dos movimentos revelam que, dos resíduos que deram entrada no TMB, 91% foram parar ao aterro.
  2. É indicado o valor de 62,4kg como sendo a quantidade anual (2016) das retomas de recolha selectiva por habitante, referindo que “está bem acima da meta nacional para 2020 que é de 47kg”. Mas, com base nos valores do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) e utilizando o método estabelecido no Plano Estratégico do setor (PERSU 2020), o valor correto é 41,8kg. Uma grande diferença (20kg), mas que ainda assim perspectiva o cumprimento desta meta.
  3. É apresentado o valor de 24.873 MWh como valorização energética do biogás de aterro, mas a verdade é que nenhum dos aterros que contribuíram para esse valor se localiza em Guimarães. O aterro de Gonça não está a produzir electricidade.
  4. Quanto à produção anual de resíduos per capita, os dados do INE revelam uma tendência crescente desde 2014, e o valor de 410 kg/habitante para o ano de 2016. Já os dados inscritos na candidatura revelam uma tendência contrária (decrescente) desde 2014, e o valor de 390kg/habitante como registo de 2016, referindo que fica abaixo da meta nacional (410kg) para 2020. Aqui importa notar que esta meta resulta do objetivo de reduzir em 10% o valor de referência (456kg) do ano de 2012, e que a ser transposta para Guimarães, esta seria de 348kg (387kg – 10%). Considerando esta meta, e que a tendência de crescimento se tem acentuado (444kg em 2018), é muito provável que neste ano de 2020 cada habitante de Guimarães produza 100kg a mais do que era suposto. Recordo o que o Município escreveu a propósito dos valores que apresentou: “com a adoção destas politicas de prevenção, redução, reutilização e reciclagem, foi possível alcançar resultados impressionantes”. Nem mais!
  5. A candidatura refere um Plano Estratégico Municipal de Resíduos 2017-2030, mas estamos em 2020, e, até ver, este plano é uma miragem, é mais um plano fantasma.

Existem ainda outras ficções neste indicador, e reconhecendo que nem tudo é negro na gestão dos resíduos em Guimarães, não é admissível esta pintura a verde de uma realidade pouco mais que cinzenta.