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Às vezes, vale a pena esperar!

Teresa Portal
Opinião \ sexta-feira, outubro 27, 2023
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Na vida temos situações que nos fazem desesperar. Recordar é viver e recordo aqui um caso particular de que me lembrei.

Estar à espera pode ser um ato desesperante, quando solitário e… refiro-me mesmo àquela solidão já desusada, de silenciosa e depressiva, de nem sequer ter a companhia da TV ou do rádio.

Esperava sozinha. Ficou de vir, mas já estava atrasado três quartos de hora e eu nunca fiu muito paciente. A minha única companhia era o ruído monótono do ar condicionado. Nada mais estupidificante e ameaçador para alguém do que o silêncio, já que, na sociedade stressante de hoje, a ausência de ruído, de barulho é completamente impensável, impossível, perante toda a quantidade de sons agradáveis ou desagradáveis, altos ou baixos, harmoniosos ou não, que nos invadem e cercam por todos os lados.

Que diria eu, habituada como estava à confusão, à poluição sonora, face àquele silêncio  imposto? Vivia no meio dos jovens, fonte de barulho inesgotável, mas simultaneamente tão apaziguador! O ruído era familiar, amigo, companheiro, conhecido. Pelo contrário, o silêncio era angustiante, doloroso, terreno perigoso e desconhecido.

Embora, já na altura, prezasse a solidão, entenda-se como a ausência de pessoas num canto só meu, detestava aquele silêncio opressivo, aquela ausência de som que me sufocava. Quando me isolava, levava companhia. Eram os livros, a música, a própria televisão, quantas vezes só na qualidade de ruído de fundo, porque não acompanhava o programa, ou frequentemente, pelo movimento ilusório do ecrã, já que ousava tirar-lhe o som.

Para não entrar em pânico, recorri ao meu pronto-socorro para todas as ocasiões - o meu bloco de notas, onde comecei a escrevinhar estas notas soltas sobre o silêncio esmagador que me fazia companhia.

Guiada pelo meu pensamento não posso deixar de recordar com angústia os que vivem no silêncio, porque não ouvem. Não consigo conceber o mundo dessa forma e todos os dias dou graças por ter nascido com todos os sentidos apurados e com saúde. Que maravilha poder ouvir os passarinhos no beiral do meu telhado e acordar com o seu chilreio, aperceber-me do canto monótono e irritante das cigarras nas noites quentes de verão, escutar o rebentar das ondas que se espraiam no areal da praia, ouvir o ribombar dos trovões em noite de temporal, sentir o bater cadenciado da chuva no telhado (principalmente, quando aconchegada no quentinho dos cobertores), perceber o sussurro murmurejante das folhas quando por elas perpassa o vento norte, escutar o riso contagiante das crianças ou o choro sentido da saudade ou da alegria… Ah! Como é bom apreciar a música que torna a vida tão mais suportável e bela! E mesmo os ruídos desagradáveis podem ser bem-vindos, quando desejáveis - os primeiros vagidos da criança recém-nascida, os gemidos e ais do trabalho de parto, a trovoada que antecede a chuva benfazeja, a ronca que, em noite de nevoeiro, avisa as embarcações da proximidade da costa, a sirene dos que vão socorrer quem deles necessita…

Curioso que o sentido que me ocorreu em primeiro lugar tenha sido a audição, quando nós, visuais, damos a primazia à visão. E como a desperdiçamos. Vemos sem ver as formas, as cores, os tamanhos, as texturas… Só vemos verdadeiramente quando associamos o tato, o olfato e, quantas vezes, o gosto. As imagens não desaparecem, estão sempre lá, só que não as vemos. Quantas vezes as manchas de humidade na parede de um quarto só são vistas porque fazemos um exercício de vontade. Então, rapidamente, as podemos transformar em quadros, telas do mais sublime pintor. Pintura abstrata no mais concreto do dia a dia.

Apesar do pronto-socorro, o silêncio continuava a fazer-se ouvir só quebrado pelo monótono ruído do ar condicionado. Não me era possível abrir-me, sentia-me como que “abotoada”, com uma daquelas carcelas de botões que nunca mais acabavam, como as daqueles vestidos ou blusas de antigamente que tinham botões cobertos do mesmo tecido e casas a acompanhar e que nós demorávamos mais de quinze minutos a abotoar. Era um desespero vestir uma “seca” daquelas, como dizem hoje os jovens. Eles são do tempo do fecho éclair e do velcro, não sabem o que significa apertar botões.

Vejam no que dá sentir-se uma pessoa em pulgas por estar a “ouvir” o silêncio.

Mais alguns minutos e ficaria completamente “passada” dos carretos e começaria a trepar pelas paredes. Decididamente, não gosto do silêncio, talvez porque me recorde a morte. Não que já tenha sofrido essa experiência, porque ainda estou vivinha da silva e esta trará também a ausência de todos os outros sentidos, não só o da audição,…

Era verão, finais de julho, e estava sozinha no gabinete apenas com a companhia zumbidora do ar condicionado. Ia esperar só mais cinco minutos. Depois “bazava”.

-Setôra, posso entrar?

Debruçada sobre o papel, não dei conta da sua entrada. Levantei a cabeça, respirei fundo e olhei para o Rui, o motivo da minha espera, uma dura batalha travada para que conseguisse concluir o 9º ano de escolaridade numa escola profissional. Não fora fácil vencer gregos e troianos (pais, colegas do Conselho de Turma e o próprio Rui), mas tudo fora, finalmente, encaminhado.

-Então?- perguntei, procurando ler-lhe nos olhos baixos a resposta desejada.

Maroto, levantou a cabeça, o olhar radiante e a mão erguida com o V da vitória.

-Já lá estou, graças à setôra.

Respirei fundo, cansada mas feliz. Nem sempre as histórias têm finais felizes.

Aquela teve-o. À noite, reli o texto escrito enquanto esperava pela “boa nova” e resolvi dar-lhe um fim feliz.

Quem espera, por vezes desespera, mas outras vezes, viaja até à lua ou até paisagens paradisíacas no interior da mente e do eu.

Às vezes, vale a pena esperar.