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Ano Novo Novas Obras…

Teresa Portal
Opinião \ quinta-feira, abril 26, 2018
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Por que carga de água havemos nós de andar a massacrar os nossos alunos com a pontuação, as maiúsculas, a coerência no discurso quando os nossos maiores escritores se estão a «borrifar» para isso tudo?

Novas modas em Literatura, como acontece na Música, na Pintura, na Arquitetura, na Escultura, em todas as formas de expressão artística que envolva a criatividade? Arte só para alguns? Questão polémica que nos levaria por caminhos que não interessam neste momento.

Porquê este arrazoado? Mais uma vez e sempre a leitura dá o mote. Como entusiasmar os jovens pela leitura, como os levar a ler, quando as máquinas são enfeitiçadoras, muito mais atrativas e viciantes, cheias de movimento e cor, muito mais rápidas e pouco exigentes no que se refere ao esforço dispendido? A não apetência para a leitura até é compreensível por todo este ambiente tecnológico em que mergulham a maior parte das horas do dia, por este imediatismo em que vivem.

Assim, quando falo em ler, o que pretendo que todos retenham e persigam é a necessidade de incentivar os jovens à leitura, mas também a de manter os leitores usuais (poucos, segundo rezam as estatísticas!) que fazem da leitura um hobby, começando pelos próprios autores.

Acabei de ler há dias um livro que todos (críticos ou não) classificariam como Literatura com L maiúsculo sem hesitação, mas a que pus um grande ponto de interrogação. Longe vai o tempo em que tinha de seguir a opinião sábia dos outros, mais doutos e sabedores. O tal livro, usando o advérbio NÃO que o próprio autor (refiro-me a um escritor que também é médico!) utiliza a torto e a direito nesta obra, classifiquei-o como não leitura, não prazer, não gosto de ler, não aventura, não loucura, não viajar com as palavras. Quem sou eu para me arrogar o direito de criticar um dos grandes nomes da Literatura Portuguesa? Apetecia-me dizer «ninguém» como o Romeiro, mas a verdade é que eu sou alguém, um alguém pequenininho que tem direito a ter a sua opinião e, como diria Daniel Pennac, só não exerci o meu direito de não ler, de pôr de lado, porque quis ver até onde ia esta leitura labiríntica. Não entendo a literatura como um quebra-cabeças, nem sou de opinião que as grandes obras só devem estar ao alcance de alguns «iluminados», quantas vezes pseudointelectuais que sabem fingir compreender mais e melhor do que os outros, os comuns mortais. Não pretendo textos lineares, apenas textos que a maioria possa interpretar e que não necessitem de um qualquer crítico que os venha vender ao público ou de um qualquer estudioso que ofereça de bandeja uma interpretação possível e, acima de tudo, plausível. Penso que uma boa obra se vende a ela própria e, já agora, as más também.

Mas… quem sou eu para criticar douto escritor? Sou professora de Língua Portuguesa e confesso que estas «modas» na escrita me arrepiam muito. Por que carga de água havemos nós de andar a massacrar os nossos alunos com a pontuação, as maiúsculas, a coerência no discurso quando os nossos maiores escritores se estão a «borrifar» para isso tudo? Os textos transformam-se num aglomerado de expressões nominais, numa amálgama de não-frases em que o desgraçado do leitor tem de procurar criar algum nexo. Este livro “babilónico” foi um desafio ao meu autocontrole e à minha paciência para fazer puzzles e até serviu para ter pena dos alunos do 12.º ano que enfrentam os exames, onde se exigem as famigeradas vírgulas e se desconta forte e feio quando são mal colocadas ou inexistentes. Não tive prazer em ler o livro, eu que me considero uma leitora compulsiva, voraz e assaz competente e que leio tudo, sem me preocupar com os rótulos que acompanham os escritores. Eu não me vi em Babilónia, talvez me tenha antes visionado na Torre de Babel onde ninguém se entendia. Ao longo do exercício forçado, frequentemente, pensei que só um psiquiatra poderia escrever um livro destes, porque habituado a ouvir discursos incoerentes aos quais procura atribuir sentidos. Senti-me como uma cobaia de ensaio a quem deram um exercício mais ou menos difícil e que só receberia o meu prémio se conseguisse atribuir um nexo possível a toda aquela trapalhada.

Há autores que só são passíveis de serem lidos numa idade madura, quando a nossa própria falta de coerência nos pensamentos e nas ações nos permite talvez penetrar nos labirintos pessoais dos outros e tentar encontrar a solução, ou seja, uma saída vitoriosa para os mesmos.

Só descobri Saramago quando já corria para os –enta. Serei imatura, «burra» mesmo (dirão os tais pseudointelectuais que gostam de usar palavras muito caras de que nem eles próprios conhecem o significado), mas depois da descoberta adorei. Contudo, sem «palas». Pode ser o nosso maior escritor depois de Camões, pelo menos o mais laureado, mas sobre ele teço as minhas considerações ínfimas, mínimas, sem valor nenhum a não ser para mim. Por exemplo, continuo a achar que o livro «Ensaio sobre a Lucidez» veio destruir o outro «Ensaio sobre a Cegueira». Uma opinião, a minha, e quem for letrado sobre o assunto poderá dar-me razão ou não. Se ainda não leram as obras, leiam. Vale a pena.

E tudo isto porquê? Precisamente, porque Ano Novo Vida Nova- Ano Novo Novas Obras. Espero que os livros que recebi no Natal não sejam uma desilusão, nem um curso de como não querer ler, porque que acontecerá se a «não leitura» que já é um hábito português entre os que não leem, se instalar de repente entre os que costumam ler? Então, não haverá Plano Nacional de Leitura que nos salve!