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A propósito de buracos…

Teresa Portal
Opinião \ quinta-feira, fevereiro 20, 2025
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Somos um país todo esburacado, em que o pior buraco é o da crise económica, mas esse já começa a ser crónico.

O dia amanheceu indecifrável, como habitualmente: ora primaveril e fresco, ora gelado e chuvoso, ora com chuvas torrenciais e ventos ciclónicos. O tempo procura alertar o homem para o mal que está a fazer ao planeta, mas este continua surdo e indiferente.

Afivelei a minha máscara de boa disposição e saí para o sol que sorria, na altura,  e para o vento fresco que, ao abraçar-me, me provocou grande bem estar depois de uma noite mal dormida.

Recebeu-me a rua toda esburacada por obras que nunca mais acabam (são umas atrás das outras: o telefone, a água, o saneamento e depois… há-de haver sempre um depois…), onde vou estragar os pneus da minha viatura. Bem estão as Estradas de Portugal ou a Câmara, já que nunca exigi que me pagassem pneus nem o conserto de jantes. Lorpas como eu há muitos por aí e, se bem que se diga que dos fracos não reza a história (leia-se dos lorpas), são maioritariamente estes que a fazem já que não se abalançam a pôr processos nos tribunais para fazerem valer os seus direitos.

Justiça tortinha q.b. a nossa e a de muitos outros... Por isso nada quero com ela a não ser que seja necessário e, mesmo nessa ocasião, ainda penso duas vezes. A nossa vidinha já é bem confusa para a estarmos a complicar ainda mais.

Ninguém se lembra disso, quando as coisas acontecem, e preferimos guardar silêncio, aguentar. Quem fica a lucrar? Os aldrabões, os ladrões, os vagabundos da pior espécie que conseguem levar a sua avante, sem que ninguém lhes ponha barreiras. Quantas vezes quem devia sentar-se no banco dos réus é o Estado!

E andava / ando eu por aí a ensinar cidadania, esquecendo-me que ser cidadã é intervir, é também zelar pelos meus direitos, pois que, indiretamente, é uma forma de olhar. Vejamos: As leis não são atualizadas para refletir as mudanças sociais e tecnológicas e criam lacunas que são exploradas por indivíduos e empresas. Dessa forma,  a maior parte das pessoas não têm meios para utilizarem serviços jurídicos, resultando em injustiças e na perpetuação de problemas legais.

Há uns tempos, roubaram-me o telemóvel, um daqueles bonitinhos com máquina fotográfica, vídeo e uma data de acessórios que, para dizer a verdade, não me serviam para nada. Não sou partidária das grandes máquinas e para mim basta-me um que faça chamadas e que as receba. Nunca fui escrava da alta tecnologia (graças a Deus!), mas como tinha uns pontos acumulados e o meu telemóvel começava a ter um ar de “bem usado”, lá me deixei tentar pela compra de um jeitosinho muito vistoso. Não aqueceu o lugar, porque era chamativo e mãos leves depressa o desviaram. Que fiz? Cancelei o telemóvel, cancelei o cartão e optei por um outro bem mais modesto, corriqueiro, uma dessas porcariazinhas que ninguém quer. Ora aí está. Claro que não devia ter feito isto. Devia ter apresentado queixa na guarda, ser chamada não sei quantas vezes a depor, incomodar uma data de gente (talvez entre eles o culpado) e a mim própria para vir a saber daqui a alguns anos que o telemóvel até tinha viajado para a comunidade portuguesa e, finalmente, regressara ao país. (Isto que estou aqui a narrar é verídico). Só que andar atrás do chip do meu telemóvel, despoletar a máquina policial e incomodar-me não me pareceu a melhor opção. Porquê? Chamem-lhe «comodismo», mas foi apenas para não ter mais chatices, porque o que é um facto é que lutar pelos nossos direitos dá muitos aborrecimentos e, às vezes, não compensa. O mesmo se passa com as rodas do carro e os furos. Mexer com uma instituição ou, no caso da polícia, pô-la em movimento é um esforço homérico, a não ser que esteja muito bem calçado.

Neste país, como em qualquer outro, não tenho nenhum prurido em reconhecer, quem tiver uma boa cunha ou conhecer a pessoa certa no local certo pode ir para a frente e lutar pelos seus direitos. Quem for um cidadão comum pode ficar com a consciência mais leve, mas também vai ficar com a carteira bastante mais leve e não verá resultados satisfatórios. Não estou a ser pessimista, estou a ser realista. Conheço alguns casos destes e, como funcionária pública que fui/ sou, com falta de aumentos nos últimos anos e o corte que foi dado… e a contagem do tempo de serviço feita só agora para contentar as partes, sem ter direitos a compensações monetárias, porque essas prescreveram… pagando todos os impostos sobre todos os tostões que ganho (perdoem-me, agora é cêntimos), não tenho dinheiro para deitar ao lixo só para ficar com a consciência leve por ter sido uma cidadã exemplar. E bem prejudicada fiquei na minha reforma à conta de um decreto que durou de 2014 a janeiro de 2020. Reformei-me em agosto de 2019.

Devia talvez falar sobre a falta de recursos, professores qualificados, infraestruturas adequadas e materiais didáticos que dificultam a aprendizagem e a desigualdade de acesso à educação de qualidade.

Quem aspira à perfeição? Eu não e agora ainda menos. Vou, pois, exercendo a cidadania das formas que possam melhorar a minha vida e a de todos, mas lutar contra moinhos de vento e viver nas nuvens, não.Gosto de ter os pés bem assentes na terra e saber muito bem onde piso e o que piso.

E, quantas vezes não nos apercebemos dessas rasteiras! É que, embora atentos, temos a tentação de pensar que os outros atuam da mesma forma que nós, que são tão sérios como nós e apanhamos surpresas bem desagradáveis ao descobrir que a desonestidade é bem mais usual do que se pensa e - catrapum, não detetamos esse enorme buraco – a desonestidade – não somos ou fomos capazes de o detetar, atempadamente, e alguém nos fez cair.

A honestidade, eis um valor a incutir nos jovens para que se tornem cidadãos exemplares! É cada vez mais rara e considerada por muitos como sinal de fraqueza e de lorpice.

Como dizia, vou sendo lorpa à minha maneira. Não sei se será a boa maneira portuguesa, mas é a minha e a de muitos outros, eu sei.

E buracos, como se pode ver, há muitos, até na cidadania.

Somos um país todo esburacado, em que o pior buraco é o da crise económica, mas esse já começa a ser crónico. E o pior é que o buraco dos nossos orçamentos domésticos não para de crescer, para com eles tentarem tapar o grande buraco que fizeram na nossa economia, esquecendo as matemáticas que nos dizem que buraco mais buraco são dois buracos e nenhuma solução.

Mas isso levar-nos-ia por caminhos que não vale a pena percorrer… mais estradas estéreis, inúteis e esburacadas…

Mas que grande buraco!