A propósito da obra “Imaginação” de Mª Alberta Menéres
O que aparece escrito debaixo do título, desta que foi e será certamente a última edição, diz tudo: “Histórias de vida / vivências/ afetos/ poesia/ uma pedagogia do encantamento”. Uma pena para os que nunca a poderão ler! Haverá nas Bibliotecas! E esta edição de setembro 2003 foi provocada pela visita que fez à EB2,3 de Caldas das Taipas, a 9 de abril de 2002, em que se maravilhou com a quantidade de textos expostos com base nas suas propostas de exploração da imaginação (com o contributo da outra “O poeta faz-se aos dez anos”) e com a proposta de capa apresentada para uma nova edição e que aparece logo na segunda folha – reprodução a preto e branco do original colorido de Rui Marques Silva,13 anos, 8ºano, turma I, Escola Básica 2,3 de Caldas das Taipas.
Esta foi uma das primeiras obras que li, apaixonada que fui e sou pela leitura e, nomeadamente, pela escrita.
Num estilo muito próprio e mesmo poético, a autora vai desafiando a imaginação de quem a lê: “Falar de imaginação surgiu-me de repente como um autêntico exercício de imaginação a tentar”.
Com a ideia de trabalhar um “campo de experiências” vai falando do espaço que a leitura e a escrita ocupam na vida, especialmente a poesia.
Desde a linha do horizonte que a espanta – “um lugar mágico e perturbante: não pertence à terra nem ao mar, nem se assume no espaço” – até à constatação de que “quando uma criança nasce, nasce com ela toda uma capacidade infinda de imaginação, de ler” e “por entre a criança, as leituras e as escritas, anda inevitavelmente poesia a cirandar… como o sentido das coisas talvez velhas, como o avesso e o direito do passar dos dias…” “as leituras e as escritas que afinal vivem ao nosso lado: tão naturais como a escrita do vento – que escreve nas folhas a abanar a intensidade da sua força”, como as gaivotas, como o raio, como as águas, como o arado, símbolo primeiro da poesia “escrevendo na terra-mãe que esta haverá de produzir seus frutos”.
E ao longo da obra vai citando poetas, escritores e até Agatha Christie quando fala que a criança se vai maravilhando com a tomada de consciência do seu eu: “Parafraseando Poirot, eu diria que a descoberta do sentido da vida tem de iniciar de dentro para fora e não de fora para dentro”.
Para que a escrita diga alguma coisa, temos de recorrer ao nosso banco de ideias, à nossa infância, onde se encontram vivências preciosas “espreitando pelas mãos (do escritor), “considerados estão os dias mais ou menos longínquos da sua infância, a voz da mãe ou da avó do serão, o cheiro do pai, os receios das noites de tempestade, os risos das brincadeiras e o sangue dos joelhos esfolados… a importância da tradição”.
Interessante a ligação que faz da pontuação à imaginação com uma série de poemas de crianças e de poetas (António Pina, Carlos Queiroz, Miguel Torga)… para nos dizer que “No campo da imaginação não podemos usar o ponto final. Muito menos o ponto final parágrafo. (recordação do ditado da escola). Talvez, de vez em quando, o ponto e vírgula, e certamente, com a maior frequência possível, dois pontos assim: porque, na verdade, tudo está por esclarecer, por dialogar. A pontuação é importante para a imaginação, que não admite entre parêntesis nem aspas. Teremos (…) de nos habituar ao uso e abuso do ponto de exclamação e (…) desenhar (…) infinitos pontos de interrogação”.
Segue-se um desenrolar de atividades apenas sugeridas como os lápis mágicos, a parede branca que não tinha ada para dizer, os contos de fada, da magia e da imaginação.
“Diz Bruno Bettelheim que o conto de fadas tem um efeito terapêutico na medida em que a criança encontra uma solução para as suas dúvidas através da contemplação do que a história parece implicar acerca dos seus conflitos pessoais nesse momento de vida”.
Brinca com o Gato das Botas que dá voltas à imaginação para transformar o seu dono no afamado Marquês de Carabás e com o Pinóquio cujo nariz não para de crescer, a quem imaginação não falta. A Menina do Capuchinho Vermelho aparece em cena numa pequena peça de teatro (outra sugestão).
Até as palavras do chefe índio de Seattle, “consideradas como a declaração mais bela e mais profunda que jamais se fez sobre o ambiente”, são chamadas a dar o seu préstimo.
“As crianças veem através dos nossos olhos e é uma porta que se abre, um lugar novo que em cada dia se visita. Há o fio do novelo – a ponta da meada – que podemos começar a puxar para inventar outro novelo. À nossa roda, os olhos das crianças aguardam o inesperado. Que esperam de nós, ansiosamente”.
Os próprios erros podem dar origem a que a imaginação voe, os jornais, os recibos de faturas, a importância dos avós com a descrição hilariante de uma avó.
A imaginação desenvolve-se ao logo de toda a vida. “E, de repente, este livro é invadido por pequenos exemplos que surgem de todos os lados, em bicos de pés”. O exercício das cores “Sou o verde”…
A ciência e a imaginação estão de mãos dadas. E o livro termina assim:
“Haverá quem julgue que o mundo pode continuar sem a imaginação? Haverá quem julgue que, nos nossos dias de hoje, é uma utopia dar à imaginação um papel tão estrutural no sistema evolutivo do próprio universo? Acredito que, enquanto houver gente viva neste nosso planeta, a imaginação não morre. Até mesmo porque um mundo onde a imaginação não seja um motor de permanência e de mudança não é um mundo onde valha a pena viver! Amanhã de manhã, talvez um bocadinho depois de o sol nascer, a imaginação vai, como sempre, acordar ao nosso lado: ela adora espreguiçar-se longamente e depois partir connosco à descoberta do dia novo”.
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