A Democracia como forma de existir
Darwin na sua obra “A origem das espécies…” ensina-nos que a evolução não é apenas a sobrevivência do mais forte, mas sobretudo cooperação e adaptação. Na natureza, os ecossistemas prosperam quando existe um equilíbrio entre as espécies, quando cada elemento cumpre o seu papel sem colocar em causa o todo. A democracia na sua essência reflete essa dinâmica, um sistema vivo onde a diversidade não é uma ameaça, mas sim a condição para a harmonia. Algo que nasce como um equilíbrio social que espelha os próprios ritmos da natureza.
A democracia é uma forma de estar no mundo, neste planeta magnifico a que chamamos casa. A junção das palavras gregas demos (povo) e kratos (poder), carregam em si uma promessa de que o ser humano é capaz de governar-se numa perspectiva mais profunda que é a da igualdade como filosofia de vida, como modelo social onde o diálogo destrona a imposição, e o reconhecimento mútuo substitui a força.
Dizer que a democracia é um tecido de hábitos e sensibilidades que molda a forma como as pessoas se olham umas às outras, não estará longe do verdadeiro sentido de comunidade que procuramos. Nela, o valor não reside nos poderes individuais, mas na convivência entre pares. Em última análise, trata-se do claro reconhecimento da dignidade do outro como uma extensão da própria humanidade.
O homem torna-se verdadeiramente humano em toda a sua amplitude, não pela obediência, mas pela palavra e pela ação entre os demais. A democracia, nesse sentido, não é, e jamais poderá ser a tirania da maioria, mas a celebração da pluralidade. É, portanto, a sociedade que se questiona a si mesma, capaz de criar e recriar continuamente as suas próprias regras. É o contrário da passividade, é o exercício permanente da consciência crítica. Só que a verdade inevitável é que o homem nasce livre mas por toda a parte vê-se acorrentado. Assim sendo, é de uma importância inigualável que seja nas crianças que a essência da liberdade seja plantada. Porque a democracia começa no olhar de uma criança que descobre que a sua voz também conta. As sociedades mais justas serão sempre o produto de jovens que aprenderam a escutar antes de responder, porque estes valores não se herdam, aprendem-se como se aprende a caminhar.
Vivemos, porém, um tempo em que a palavra em si parece esvaziar-se, reduzida a slogans ou dissertações demasiado complexas que retiram o direito de ser de todos e para todos. Esquecemos que ela começa nas pequenas decisões quotidianas, na escuta, na partilha, na empatia. Talvez seja esta mesmo a sua dimensão mais exigente e porventura mais bela, que não nos permite descansar sobre instituições, exige-nos presença, grita por comunidade.
Ser democrático é então um modo existencial. É aceitar a incerteza, a diferença, o inacabado. É saber que ninguém possui a verdade inteira, e que somente no encontro e na palavra podemos aproximar-nos dela.
Em suma, a democracia é um nome moderno para um ideal antigo, o ideal que proclama uma humanidade capaz de viver em união sem se destruir. É uma aposta convicta de que a razão e a bondade ainda podem ter lugar no mundo, por muito que esse mesmo mundo tente todos os dias dizer-nos o contrário. É estar com amigos, sob luz ténue de um qualquer candeeiro, concordar e discordar sobre temas pontuais e sentir que, nesse gesto simples de escuta e palavra, habita o verdadeiro sentido da liberdade.
Bruno Marques