A cegueira de Camões (o parque)
Este artigo não versa sobre a falta de visão do olho direito do ilustre poeta, mas sim de outros tipos de cegueira. A pior, como diz o ditado, é a daquele que não quer ver. Mas existem também os que andam cegos por ignorância ou porque lhes atiram areia para os olhos, os que vêm e fazem de conta, ou os que andam de olhos fechados com receio de ver.
O parque de estacionamento de Camões é um erro enorme e demasiado evidente para que a comunidade vimaranense não lhe preste a devida atenção. Como já referi num outro artigo, o projeto não está devidamente fundamentado, não é coerente com o paradigma da mobilidade, não foi participado nem é consensual e pode colocar em risco o património classificado.
Este parque, apesar de anunciado como indutor da revitalização do quarteirão, e garrote do sangramento de moradores e comércio tradicional do Centro Histórico (CH), receio que não vá além de um elefante branco, faminto, que se irá alimentar do orçamento municipal.
O estacionamento automóvel não é uma tarefa fundamental do Estado, nem tão pouco um direito dos cidadãos. Mas a “habitação e urbanismo” é um direito constitucional, e deve ser assegurado, nomeadamente, por “uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes”.
Em Guimarães, é anunciado um paradigma de mobilidade assente nos transportes públicos e na redução do uso do automóvel, mas subsidiam o estacionamento e concessionam os transportes urbanos, dizendo com orgulho que estes não acarretam gastos para o município. E falam de alterar paradigmas e mentalidades, mas continuam a associar a vitalidade comercial e a qualidade de vida ao estacionamento automóvel.
Alguém VÊ algo de errado nesta história?
Uma outra forma de cegueira é a falta de “visão” estratégica.
Será que a mobilidade na cidade necessita de uma solução irreversível que esventra o interior de um quarteirão? Ou poderiam ser testadas outras soluções menos invasivas e definitivas?
Falar de visão estratégica, é também falar de custos de oportunidade, e no caso deste projeto podemos considerar o investimento e a ocupação do território. Os milhões que ali vão ser gastos, em que outros projetos poderiam ser investidos, e com que benefícios para a comunidade? De que outra forma poderia ser ocupado aquele espaço?
Eu consigo ver como seria bom para Guimarães se naquele espaço pudesse coexistir uma pequena bolsa de estacionamento, uma residência universitária de apoio ao polo de Couros e um parque urbano.
E os Vimaranenses, o que querem ou conseguem ver?