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Válter Freitas: “O verão das Taipas inspira-me, é uma bomba de oxigénio”

Bruno José Ferreira
Cultura \ domingo, agosto 01, 2021
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Anos depois da última atuação nas Taipas, o violoncelista Válter Feitas regressou à terra natal para atuar na Sessão Solene dos 81 anos da elevação a vila, a 19 de junho, e falou ao Reflexo.

De onde é que veio o seu gosto pela música?

O interesse pela música surgiu porque o meu pai já tocava na Banda das Taipas e eu acabava por, em miúdo, ir assistir aos concertos, aos ensaios, e ficava encantado de ver toda aquela polifonia naquela sala mítica de ensaio da banda, a antiga, uma pequena casinha, e ficava extasiado com todos aqueles instrumentos à minha volta, aquela massa sonora. Fiquei logo apaixonado pela música. Ia a alguns concertos da banda, a minha mãe levava-me, tinha a parte do ensaio e depois a parte do concerto.

 

Começou logo aos sete anos pelo violoncelo. Porquê? Como se deu essa escolha?

Conhecia o violoncelo, na altura com quatro ou cinco anjos de idade. Os meus primos Ribeiro, Tiago e Ana, do meu tio-avô, Firmino, que foi comandante dos Bombeiros das Taipas muitos anos, vinham de férias cá e na casa desse meu tio-avô lembro-me de ouvir o som desse instrumento, que era um pouco diferente de todos aqueles que conhecia na banda. Subi umas escadas e o meu primo estava a tocar um violoncelo. Fique fascinado pelo som daquilo, uma coisa exótica, que na altura não havia Youtube nem nada desse género. Comecei a falar muito do instrumento, os meus aperceberam-se desse meu interesse e tomaram a iniciativa de adquirir um violoncelo pequeninho, para eu começar a ter aulas em Braga com o professor Jorge. Depois foi feito o caminho de estudante. 

 

Ainda tem esse primeiro violoncelo?

Sim, ainda tenho esse violoncelo pequeninho, está em Lisboa. Pretendo mantê-lo. Já aconteceu pegar nele para alunos pequenos, que ainda estão a experimentar, filhos de amigos meus, experimentar no meu pequeno Violoncelo, com todos os cuidados, para preservar esta que é uma preciosidade para mim, dada com todo o carinho pelos meus pais, que na altura não era fácil ter um instrumento. Hoje em dia temos um acesso à música que não tínhamos há vinte anos, e era muito difícil adquirir um instrumento como o violoncelo. Está religiosamente guardado, também com essa carga e com o esforço que os meus pais fizeram para adquirir.

 

Para seguir esse sonho da música teve de sair cedo das raízes, estudou na Beira Interior, em Berlim. Custou sair da zona de conforto, ou o sonho era mais forte?

O sonho era muito mais forte. Custou muito sair das Taipas, tinha um conjunto de amigos e custou nesse aspeto. Mas o sonho foi mais alto, quando comecei a perceber o que havia lá fora, e a procurar professores para poder evoluir, à minha maneira, esse caminho e essa busca do professor perfeito, para evoluir enquanto músico e artista, mas também enquanto pessoa, deu-se aos quinze anos quando fui para a Covilhã estudar, estive lá um ano, fui depois para Lisboa para terminar o 12.º ano, onde estudei com uma grande professora francesa, tive oportunidade de ir a Paris aprender com um professor muito bom e tive experiências brutais. Passar para uma cidade gigantesca como Paris foi uma experiência brutal, com uma cultura diferente, e mais tarde sim, para Berlim.

 

Esta saída acontece porque aqui não há condições para isso, ou porque nesta área há essa necessidade de construir um caminho diferenciado?

Ambas as razões. Aqui sempre tive professores de excelência, que deram o seu contributo da melhor forma que sabiam, mas a realidade é que aqui não havia o que eu procurava. Foi um misto destas duas situações, eu também queria conhecer novos sítios, tive esse lado de explorar coisas diferentes, de conhecer.  Isto enquanto pessoa, juntando a vertente musical, perfeito. Acabei por me apaixonar também por sair.

 

 

Apesar de ser ainda jovem, com 33 anos, como é que olha para a carreira e para o percurso que construiu até agora?

Pensava que ia ter outro percurso. No decorrer do meu ensino acabei por explorar outros estilos musicais. Experimentei tocar com outros artistas e acabei por gostar, sendo muito feliz a fazer isso e a aprender imenso. De uma forma muito natural faço esse mix, num dia toco uma sinfonia de Beethoven e no dia seguinte estou a fazer um concerto de rock, ou de fado. Não gosto de olhar para trás, de forma saudosista, sobretudo depois desta situação da pandemia, em que temos de fazer do dia de hoje o aqui e o agora, tentando olhar para a frente com coragem e com sentido de responsabilidade, mas sobretudo com o sentido de perceber quais são as nossas limitações. Fico muito contente de poder tocar com grandes nomes nacionais e internacionais, passar por salas incríveis, festivas enormes, mas não é só uma conquista, é ma aprendizagem e um caminho para mim.

 

Já tocou e tem tocado com grandes nomes da música. Como é que isso se proporcionou? Como é que encara isso?

Com responsabilidade. Quando estás a tocar com um grande nome tem uma responsabilidade acrescida. Estão muitas coisas envolvidas para além daquilo que é o concerto. Estás a defender o artista e a música. Isto começou com Moonspell, a banda mais importante do estilo heavy metal português a nível internacional: tive o prazer de tocar com eles e de fazer uma turnê com eles, e aí percebi que muda completamente o panorama do que é tocar numa orquestra ou tocar com uma banda. Para já somos menos e depois o público é diferente, e o sentido de responsabilidade acresce ao que tu tens que fazer no concerto. É mais além do que um concerto, estás a passar emoções às pessoas, acaba por ser uma segunda pessoa conviver tanto tempo na estrada com aquelas pessoas. Tem que haver uma simbiose bem equilibrada, e claro que há uma aprendizagem brutal com estes artistas, acabamos por nos identificar e inspirar neles.

 

Tocou também a solo, em grandes palcos. O que dá mais prazer?

Comecei há pouco tempo a investir mais na minha carreira a solo. Ainda estava à procura do meu caminho, a tentar perceber o que posso fazer num todo, o que posso fazer. As possibilidades são muitas felizmente. A parte a solo sempre esteve presente, mas não sou um cantor, sou um instrumentista, o que posso ser é um solista de orquestra, mas ainda assim não é bem a carreira a solo. Com isto da pandemia estou a investir nisto, estou a acabar um meu álbum a solo, que pretendo terminar até ao fim deste ano, princípio do próximo, ainda não posso revelar nestas coisas, mas o que fiz na Sessão solene é um cheirinho do que posso fazer. Pretendo combinar esses dois universos, tocar a solo e acompanhar artistas, porque há um papel ativo nesse sentido, na criação, quando um artista pede para o ajudar a compor músicas, obviamente aparece o nome do artista, mas há muitas coisas envolvidas nossas, o que é gratificante. Gravar temas, singles que ficam para a posterioridade, apesar de ser do artista, sentes também que fizeste parte daquilo.

 

Falou da Sessão Solene da elevação a vila, no dia 19 de junho. Há quanto tempo não tocava nas Taipas? Foi diferente?

Não faço ideia há quanto tempo não tocava nas Taipas. Acho que a última vez foi possivelmente no hotel, numa audição que a Academia de Guimarães organizava, de jovens músicos de Guimarães, que eram concertos. Acho que foi nessa altura, talvez em 2004, a última vez que toquei mais a sério. Gosto de vir para cá no verão, toco em casa nas férias, o Verão das Taipas inspira-me muito, os finais de tarde aqui são qualquer coisa de extraordinário. São uma bomba de oxigénio. Voltar todo este tempo depois foi muito bom. Já toquei em muitos lugares, sou um privilegiado por isso, por trocar em muitos sítios diferentes, sítios exóticos, sítios inóspitos, locais incríveis com vistas brutais, com pessoas incríveis, com equipas técnicas brutais, com artistas incríveis. Sou mesmo muito grato. Mas tocar aqui é tocar em casa, para a minha gente. Foi engraçado ver figuras que me lembro desde criança, que eu era traquina quando era miúdo, de repente olhar para mim e dizerem-me ‘no que tu te tornaste’, claro que é tocante para mim, porque passei horas naquele sítio a ver a Banda das Taipas depois de passar para aquele espaço. De repente estava ali a tocar, foi um timelapse.

 

 

Atualmente em Lisboa, em que projetos está envolvido neste momento?

Já estou há algum tempo em Lisboa, leciono violoncelo - ensino integrado de música na Casa Pia de Lisboa e no Conservatório de Odivelas. Estou envolvido em vários projetos, além do meu a solo que estou a criar, estou a criar com o Neev, que correu ao Festival da Canção e venceu o prémio do público, que está a correr muito bem. Já fizemos alguns concertos que esgotaram, estou também com Os Corvos, que também estamos a iniciar também um novo trabalho. Para já são esses os projetos com quem estou envolvido, e que me ocupam muito tempo. De vez em quando sou contactado para fazer diversas gravações, um trabalho de freelancer.

 

Para o futuro, o que se pode esperar no futuro imediato e que sonhos há para cumprir na carreira? 

O meu sonho, honestamente e sem falsa humildade, o meu sonho é poder continuar a fazer aquilo que gosto. Tudo o que faço na minha vida faço com paixão e com amor. Se eu puder continuar a tocar e a andar na estrada ótimo, o meu sonho é que a pandemia passe de uma vez por todos e nós músicos possamos continuar a andar por esse mundo fora a tocar para as pessoas, esse é o nosso propósito enquanto músicos. Dar continuidade a tudo o que tenho vindo a fazer até agora, de uma forma experiencialmente diferente, conseguir mais coisas, conseguir acompanhar mais artistas, conseguir lançar o meu trabalho a solo, poder percorrer estes caminhos e continuar a fazer o meu trabalho de professor, que também gosto muito de o fazer. O futuro é sempre muito incerto, não sabemos o que vai acontecer amanhã. Vivo em Lisboa: antes de vir para as Taipas, no dia anterior, o primeiro-ministro disse que Lisboa ia fechar e eu tive de pedir uma declaração para poder sair de Lisboa. Estamos neste ponto, sem saber o que vai acontecer, mas vivo com positivismo um dia de cada vez.