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“Unidade Universitária é essencial na estratégia de internacionalização”

Bruno José Ferreira
Sociedade \ domingo, novembro 03, 2024
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Entrevista a Pedro Cunha, presidente do concelho de administração da Unidade Local de Saúde do Alto Ave (ULSAA).

Pedro Cunha é, desde janeiro, o presidente do concelho de administração da Unidade Local de Saúde do Alto Ave (ULSAA). Com uma carreira clínica que fala por si, tem sido nos últimos anos um dos rostos do bom funcionamento da unidade que tem como principal pilar o Hospital de Guimarães. Apaixonado pela investigação e inovação, tem na recente afiliação com a Universidade de Harvard mais um desafio. Em entrevista ao Reflexo fala sobre os desafios da ULSAA, do seu sucesso numa fase em que o SNS (Serviço Nacional de Saúde) tem abanado. Vê nas Taipas duas unidades que são “mais-valias”.

 

Assumiu a presidência do conselho de administração da ULSAA em janeiro. A nível pessoal como foi essa transição, trocar a bata e os consultórios pelo fato e pelos gabinetes administrativos?

Foi uma decisão difícil de tomar. Primeiro porque a prática da profissão médica sempre me trouxe muita satisfação, muita alegria, mesmo entre as dificuldades inerentes à prática de uma profissão que trabalha no limite das decisões que definem a vida das pessoas, nas questões da qualidade de vida, ter ou não ter mazelas que limitam essa qualidade. Desde que decidi ser médico tive uma vida repleta enquanto tal, continuo a ter porque continuo a praticar, ainda que não com a mesma intensidade.

Mas, também é verdade que fui percecionando várias coisas enquanto médico que percebi que faziam falta e eram importantes concretizar para melhorar a ação clínica, a organização da estrutura. A determinada altura também me ajudou na decisão de assumir uma função em que pudesse, de alguma forma, articular o diálogo que permitisse agilizar essas soluções.

 

A troca de funções deu-se numa altura em que se deu uma grande mudança orgânica no Serviço Nacional de Saúde (SNS), com as ULS, sendo cedo para fazer balanços, é possível dizer que esta mudança permitiu melhorar a resposta?

Tenho uma posição muito pragmática. Administrativamente temos a lei, o que o legislador e o poder executivo entendem que deve ser a estrutura do tecido onde nos movimentamos. Isso fornece-nos ferramentas para trabalharmos. A criação das ULS foi mais uma ferramenta criada para melhorar um conjunto de serviços que prestamos aos cidadãos. A forma como concretizamos a melhoraria de acesso aos cuidados, a proximidade dos cuidados, a qualidade dos cuidados, depende da forma como utilizamos essas ferramentas.  

Penso que é uma ferramenta, já o disse no início, que podemos usar com novas estratégias que penso que tornam mais fácil atingir alguns objetivos, tendo também outros aspetos que merecem ser mais cuidados e trabalhados. No final do dia, quando pensamos na estrutura e na estratégia, tem sido uma ferramenta útil; temos que aperfeiçoar e melhorar, e esse aperfeiçoamento tem que ser feito em contacto constante com os profissionais que todos os dias trabalham com os doentes e, no fundo, sentem no terreno as necessidades que têm. O nosso papel é facilitar a transposição das necessidades sentidas no terreno pelos utentes e pelos profissionais para concretizar estruturas melhores.  Até agora entendo que temos feito essa mediação, temos participado nesta mudança que está a ocorrer.

O SNS tem estado em foco devido a questões de falta de recursos, fecho de unidades e outros problemas. A ULSAA tem conseguido manter-se alheada destes problemas. Como é que isso se explica?

Dá-nos muito trabalho ter sorte. Temos profissionais que são de primeira água, excecionais. Isso é tudo para uma unidade e é tudo para os utentes. Uma unidade é feita de pessoas e as nossas pessoas, os nossos profissionais, têm sido excecionais. Portanto, atendendo ao que são os seus direitos e as suas prerrogativas no domínio de exprimirem as suas opiniões, estabelecerem as suas limitações em termos de cansaço e do que podem oferecer a mais, porque é preciso trabalho a mais, respeitando tudo isso foram sempre capazes de olhar para a ULSAA como sendo sua, como sendo o seu projeto, a estrutura em que participam e têm de oferecer um conjunto de serviços à população. Foram sempre sendo capazes de conciliar os seus direitos, a sua necessidade de exprimir o seu desagradou ou o seu agrado com alguns aspetos que estão menos bem e outros que precisam de ser melhorados, com a sua generosa oferta de trabalho, que tem permitido que a unidade continue a oferecer os serviços à população. Não quer dizer que nós celebremos todos os dias essa dádiva, não de uma forma tão expressiva quanto devíamos, se calhar, mas é preciso dizer, e que ao mesmo tempo não ouvimos as queixas que eles têm, as soluções que apresentam, os aspetos que apontam como menos positivos, e que temos e corrigir. É nessa dialética que cresce a capacidade de as pessoas perceberem que são ouvidas, a sua opinião é tida em conta e isso faz melhorar o sistema. Espero que, nessa base, seja possível continuar a ter sorte.

A Ministra da saúde, Ana Paula Martins, esteve recentemente na ULSAA, no Hospital Senhora da Oliveira – Guimarães, e disse que este hospital, pelos serviços que presta e pela inovação que apresenta, trabalha como um hospital central. Como é que olha para esta declaração da ministra?

Olho para esta frase de dois primas diferentes.

Do prisma dos profissionais de saúde que trabalham nesta instituição e são o verdadeiro alvo desta afirmação. São eles que todos os dias concretizam estas inovações, estes papeis, estas estratégias diferenciadas de trabalho. Se isto está desta forma – e é real, não estamos a falar de um cenário que tenha sido pintado à pressa ou de uma estrutura de papelão, estamos a falar de algo que nos demorou muitos anos a construir – é graças aos profissionais. Do ponto de vista deles penso que foi um reconhecimento merecido dos profissionais da ULS, seja do hospital, seja dos cuidados de saúda primários. Reconhecimento do seu esforço, da sua vontade, da sua capacidade de ver mais à frente, de inovar, de construir coisas novas, de trabalhar na adversidade e de vencer. É a consagração do seu esforço.

Para a administração do hospital significou muita responsabilidade. Significou que precisamos de trabalhar mais, de trabalhar melhor, porque temos de manter este nível que existe, criar condições para que ele não só se mantenha, como cresça, aumente. Prolifere, e isso é uma grande responsabilidade. 

 

Este crescimento também implica pensar novas infraestruturas? Recentemente o presidente da Câmara Municipal de Guimarães – Domingos Bragança – referiu que seria preciso um “edifício complementar”…

A ULSAA é uma estrutura orgânica, não podemos olhar para ela com aquela conceção de edifício. Tem necessidades, precisa de ser alimentada, tem uma produção, mas funciona de uma forma integrada. Portanto, se é verdade, e não pretendo dizer o contrário, que temos uma procura cada vez maior, é avassalador olhar para os números, somos procurados por utentes da nossa ULS, mas de outras áreas de fora em busca de cuidados que nós nos esforçamos por entregar, a procura é maior nesse sentido, mas também é maior no sentido que a nossa população fica mais velha, sobrevive mais tempo e precisa de mais cuidados de saúde, mais complexos.

Diferencio dois aspetos na necessidade de crescimento estrutural da ULSAA. Por um lado, temos, primeiro, de esgotar toda a capacidade de albergar atividade assistencial. Agora que temos 39 estruturas a funcionar é preciso deixar de pensar no edifício onde determinada coisa acontece, para pensar de que forma podemos, de uma forma orgânica e inteligente, distribuir a atividade por diferentes áreas e, ao mesmo tempo, beneficiar essa área ou essa região com a presença de proximidade junto dos cidadãos. É isso que fazemos, por exemplo, com a consulta descentralizada. Otimizar o máximo da capacidade desta nova orgânica.

Em segundo lugar, relativamente a novas edificações, obviamente é uma questão que se coloca em cima da mesa. Não só porque a procura aumentou, mas tenho de lembrar que este hospital foi concebido em 1970, iniciada a construção durante a década de oitenta, e inaugurado em 1991. Estamos em 2024; passaram mais de 50 anos desde a data em que foi concebido, a realidade que serviu de substrato à criação desta estrutura é uma realidade de há cinquenta anos. Só por aí podemos ver que pode ser necessário haver uma adaptação da estrutura às exigências modernas, à procura e à evolução demográfica que temos. Como é que vai ser feito? É algo que tem de ser ponderado, está a ser pensado.

Recentemente foi dado a conhecer um novo projeto, a criação de um centro de simulação médica em parceira com a Universidade de Harvard? Que projeto é este?

É um projeto que me apaixona por diferentes razões.

Primeiro pela responsabilidade de termos sido escolhidos por Harvard para ser afiliados deste programa. Em exclusividade: somos a única instituição portuguesa, e seremos durante o tempo de duração desta afiliação, a trabalhar nesta área em específico com a Harvard Medica School.

Desde cedo temos tido um apreço significativo pela nossa capacidade de inovação e translação e conhecimento e investigação. Temos trabalhado, desde há seis anos, no Centro Académico desta instituição, que multiplicou a sua capacidade e passou a estar integrado na Rede de Infraestruturas Nacionais de Investigação Clínica, e a determinada altura, com a criação da ULSAA, não só tivemos que pensar nesta estrutura como uma estrutura que tinha de se alargar a todos os profissionais e a todas as áreas de conhecimento, mas também criar outras áreas que acompanhassem a modernidade e a evolução do conhecimento científico e a sua transposição para a prática clínica. Nesse domínio houve em especial três áreas que achámos, para além do crescimento do Centro Académico, que seriam essenciais para a evolução da capacidade funcional: simulação médica, gémeos digitais e a inteligência artificial e gestão de dados. Em relação aos gémeos digitais estamos a trabalhar nesse assunto, em relação à gestão de dados estamos a implementar novidades que em breve vamos poder anunciar e, espero eu, nos poderá colocar numa posição de sermos competitivos a nível europeu.

Em relação à simulação surge, então, a parceria com Harvard…

Relativamente à simulação fizemos evoluir a nossa perceção. Queríamos ter uma unidade de simulação médica, por causa da nossa função como hospital escola, por causa da nossa função como formadores de especialistas de várias áreas científicas médicas, e queríamos ter por causa da nossa função de entregar o melhor serviço aos nossos utentes. Ou seja, providenciar a possibilidade de os nossos profissionais terem uma estratégia de exploração de soluções terapêuticas antes de as implementarem nos utentes que dela carecem.

Portanto, começámos a discutir como o fazer, que espaço precisávamos e que tipo de vertente deveríamos ter. Obviamente, na pesquisa que fizemos encontrámos o plano de simulação da Harvard Medica School como sendo o centro que representava os standards no que dizia respeito à simulação. Propusemo-nos a contactá-los e a perceber se nos podiam ajudar na implementação de um projeto desta natureza. E assim foi, estabeleceram um conjunto de reuniões, perceberam o caminho, qual a nossa realidade e o que podemos fazer. Compreendemos o que podiam, ou não, oferecer. Depois houve uma parte claramente de avaliação da parte deles, perceber se tínhamos a estrutura para implementação de uma estratégia destas e depois concretizou-se.

Para nossa satisfação concretiza-se em dois domínios particularmente importantes. Teremos a concretização de um programa de simulação que permitirá fazer ensino aos alunos, formação de capacidades aos internos de formação específica e a outros médicos que queriam melhorar e aprender outras capacidades, e vai permitir no domínio das intervenções médicas complexas fazer modelos dos próprios utentes para nesses modelos estudar a melhor abordagem, a que permite uma intervenção com menores danos e com mais taxa de sucesso.

Depois houve uma segunda parte que é uma estratégia de melhoraria daquilo a que chamamos a saúde organizacional. É um conceito que não estamos habituados a discutir, mas é de extrema importância e casa muito bem com as necessidades da ULS. A questão da saúde organizacional começa por ser uma estratégia de definição dos termos em que uma equipa se deve organizar, como deve comunicar, como deve planificar o seu trabalho, isto falando em equipas com múltiplos profissionais e com múltiplas competências de diferentes especialidades e áreas de conhecimento. Foi um alento muito grande perceber que fizemos questão de enviar um convite a todos os profissionais desta ULS, estamos a falar de mais 3300 pessoas, e já temos mais de 250 pessoas com vontade de participar num projeto absolutamente inovador e que seguramente nos trará uma perspetiva diferente de construir boas equipas de trabalho.

 

Quando entrará em funcionamento na prática?

Já está. Já estamos a trabalhar, começámos no dia 01 de setembro, tivemos cinco reuniões com o grupo inicial, mais condensado para depois podermos replicar por estas 250 pessoas e, posteriormente, pelo resto da população da ULS. Estamos na fase de implementação, formação, aquisição de competências nas áreas em que queremos estabelecer trabalho comum. Penso que nos meses de outubro ou novembro a primeira fase estará no terreno.

 

Este é mais um passo para que a ULSAA possa ser uma Unidade Universitária?

Tenho uma dualidade de sentimentos em relação a essa designação. Há coisas na vida que adquirimos por usucapião, e outras que precisam de uma chancela. Neste caso esta ULS, tanto a unidade hospitalar como as unidades de cuidados de saúde primários estão envolvidas no ensino universitário há mais de vinte anos. Recebemos mais de 1500 alunos por ano de 38 instituições de ensino superior de todo o país. Uma coisa é certa: nós somos uma instituição de ensino, de investigação, inovação e desenvolvimento. Praticamos todos os dias da nossa vida quando recebemos alunos, estagiários, quando promovemos estudos de investigação clínica e devo dizer que já ultrapassamos a barreira dos duzentos estudos por ano. Do ponto de vista funcional nós funcionamos como uma instituição que tem ensino superior e tem uma vertente académica marcada. Do ponto de vista formal esse acontecimento deve acontecer. Para ele acontecer temos de garantir a quem faz essa chancela que, de facto, temos as premissas necessárias para que estejam confortáveis com a atribuição dessa designação.

Não é uma questão de vaidade, nem de birra. Fazemos esta função e continuaremos a fazer. O facto de o fazermos de forma reiterada há vinte anos é um sinal da qualidade que oferecemos como mais-valia da formação de alunos. Continuaremos a fazer isso independentemente da designação que tivermos, mas a designação em si encerra o conhecimento formal, mas também uma forma comunicar para o exterior que diz que temos essas competências, essa capacidade e fazemos isso de forma reconhecida, permitindo-nos aceder a outros patamares, a outros níveis daquela que é a nossa estratégia de internacionalização da ULS. É fundamental, importante e, acima de tudo, é justo. Damos apoio de ensino a 30 instituições de ensino superior, temos uma relação muito próxima com a Universidade do Minho, com várias áreas.

Estamos a fazer a nossa parte, estamos a trabalhar, não só nas melhorias das condições de ensino, mas também na implementação de estratégias de investigação e inovação. A evolução tem sido feita, temos investido na formação dos nossos profissionais, estamos a reinvestir os valores que conseguimos com a investigação clínica na formação académica superior dos nossos profissionais, doutoramentos e pós-graduações em várias áreas. Aprofundamos todos os dias a nossa capacidade à espera que quem de direito possa fazer essa avaliação, compreendendo que reunimos as condições para merecer a chancela de Unidade Universitária.

 

Abordou esse tema com a ministra?

A senhora ministra sabe que queremos ser uma unidade universitária, isso é expresso, por uma questão sistemática isso faz parte da nossa estratégica de comunicação sempre que encontramos alguém que possa ajudar a atingir isso. É uma pessoa bem colocada, naturalmente.

 

Nas Taipas há duas Unidades Familiares de Saúde (USF). Como tem sido o seu funcionamento?

Têm funcionado muito bem. Temos feito questão de descentralizar o conselho de administração e todos os meses fazemos uma reunião nos diferentes centros de saúde. Já fizemos nas Taipas precisamente para falar in loco, perceber os problemas das unidades, não vamos dizer que não existem dificuldades, elas surgem todos os dias, e o nosso papel é resolver. Do ponto de vista funcional são duas unidades excelentes com equipas com capacidade de intervenção muita significativa e, acima de tudo, com uma vontade muito grande de resolver problemas, que é um bem que devemos preservar. Não são pessoas que ficam a olhar para os problemas a apontar com o dedo a dizer que está tudo mal, são pessoas que procuram ativamente encontrar solução. Não só participam em todo o esforço que fazemos como unidade, na intervenção, por exemplo, de doença aguda, colaborando na gestão dos serviços de atendimento para que as pessoas tenham sempre um ponto de referência junto das equipas familiares, estão envolvidos, por exemplo, neste programa de Harvard, foram das USF que estiveram ativas na construção de planos assistenciais integrados, que é fundamental até termos caminhos rápidos entre os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares para que haja uma troca de conhecimento de opiniões para que o utente que entre nas Taipas, em Mondim ou Vizela, receba o mesmo tratamento e chegue ao mesmo sítio com a mesma celeridade. As unidades das Taipas, os enfermeiros e os médicos, estiveram envolvidas neste processo, estamos na implementação de 30 processos assistenciais integrados. Temos ali uma mais-valia.