Uma vila engarrafada entre semáforos, obras e… a dependência do carro
Há questões técnicas, como a semaforização, que podem ser aperfeiçoadas, creem os diretores, mas pede-se igualmente um uso menos intensivo do carro. No centro em obras, acumulam-se as restrições à circulação. E algumas vieram para ficar.
A noite cai e os faróis alinham-se para um jogo de luzes em marcha lenta. São 18h30, hora de ponta em Caldas das Taipas, e o tráfego automóvel cresce na variante que envolve o centro da vila, ladeada, por exemplo, pela EB 2 e 3 de Caldas das Taipas. Carros de professores deixam o local de trabalho, carros de encarregados de educação afluem ao local para inverter de novo a marcha. O semáforo ali erguido ilumina-se de verde, coagindo quem está ao volante a prosseguir. Nesses instantes, contudo, veem-se meios de transporte parados, à espera do vermelho que lhes tolhe os movimentos.
“Temos tido problemas como o acesso à nossa escola, que decorrem fundamentalmente do fluxo de trânsito. Isto também não significa que seja um problema atual. Já vem de longe”, constata ao Reflexo João Montes, diretor do Agrupamento de Escolas das Taipas (AET), sediado precisamente naquela EB 2 e 3.
Uma das razões que explica os trechos diários de automóveis parados em frente à escola é a falta de “coordenação” entre o semáforo da EB 2 e 3 e os que se seguem à rotunda, no sentido do Avepark e da Póvoa de Lanhoso, junto ao cruzamento com a rua da Banda de Música – a do supermercado Intermarché. O docente realça que os semáforos da escola devem ter “uma dinâmica muito próxima” dos outros semáforos, embora a hipotética necessidade de um condutor virar à esquerda, num ou noutro sentido, condicione por si só o tráfego. “Quando o semáforo fica verde, o carro que vira à esquerda espera abertura para passar, o que acaba por prejudicar quem está atrás”, resume.
O docente crê que o trânsito pode melhorar com uma solução “técnica”, mas avisa que o semáforo é ali “indubitavelmente necessário”. Essa posição difere da que já foi expressa pela Junta de Freguesia de Caldelas; o semáforo no cruzamento do Alvite existe em “reação a um atropelamento mortal ali ocorrido”, lê-se no documento síntese das conclusões do grupo de trabalho reunido pela Junta a propósito da requalificação do centro da vila, finalizado em maio de 2018.
Assim, a autarquia defende a supressão do semáforo anexo à EB 2 e 3 e o fim das viragens à esquerda no cruzamento do Alvite, a par de uma velocidade limite de 60 quilómetros por hora, plantação de árvores nas bermas dos troços em reta da variante e colocação de pilaretes no eixo da via. Em declarações ao Reflexo, o presidente da Junta defende igualmente a mudança no acesso automóvel à EB 2 e 3 para aliviar a paragem dos autocarros. “O acesso à EB 2 e 3 pelo sentido contrário faria com que o trânsito fluísse de forma mais rápida, impedindo que os carros parassem na variante. Só paravam no estacionamento. Faria também com que a paragem de camionetas tivesse maior capacidade”, frisa Luís Soares.
O grupo de trabalho em causa debruçou-se sobre os restantes eixos viários, tendo daí resultado outras sugestões para a futura organização do trânsito no coração da vila termal: o incentivo à circulação rodoviária em anel no centro da vila e nas envolventes à EB 2 e 3 e à Secundária, a alteração do sentido da rua Joaquim Ferreira Monteiro, para devolver o acesso à Alameda Rosas Guimarães a quem circula no sentido Guimarães-Braga ou a concentração das paragens de autocarros numa “paragem central”, idealizada para o troço sul da variante, alinhado em paralelo ao rio Ave.
“Queremos um hub central para todos os transportes coletivos. É esse o objetivo, desde que garantida a segurança para os alunos acederem quer à Escola Secundária, quer à EB 2 e 3”, especifica o também deputado à Assembleia da República pelo PS.
Ruas com novos sentidos e o “lamento” das ruas interrompidas em simultâneo
O documento em causa foi remetido à Câmara Municipal de Guimarães em 2018 e, depois, em 2020, na sequência do arranque das obras, em outubro. Além dos braços das retroescavadoras de um lado para o outro e das mudanças de piso que já se vislumbram, ora na Avenida Trajano Augusto, ora na Avenida da República, a intervenção no centro da vila também retorce a organização viária.
Nos últimos dois anos, traçados previamente desenhados pelos automobilistas deixaram de se ver: desvaneceram-se os carros pela rua António de Barros até à Estrada Nacional 101, deixou de se ver trânsito no sentido da Avenida da República para as termas, a rua Padre José Maria Felgueiras serve agora os que se deslocam para a EB1 do Pinheiral e não para os bombeiros.
E a circulação da rua Padre Silva Gonçalves para a Avenida da República encerrou, circunstância que
tem dificultado o acesso à Escola Secundária de Caldas das Taipas (ESCT) pela manhã, para os docentes que vivem em Braga e utilizavam a rota da Falperra; esse tráfego pressiona agora a Estrada Nacional 101 (EN 101), o que espoleta “constrangimentos” na rotunda junto à fronteira entre Caldas das Taipas e São Martinho de Sande, observa o seu diretor.
“Temos o mesmo horário de funcionamento do Agrupamento de Escolas das Taipas (AET), com início às 8h15. Neste ano letivo, temos gente que diz ter de chegar à rotunda antes das 08h00 para estar às 08h15 na escola de forma folgada”, reitera Celso Lima. O acesso à rua Professor Manuel José Pereira reveste-se por isso de “dificuldade” àquela hora da manhã, mas também por volta das 13h00 e “ao final da tarde”, principalmente nos dias de “maior número de turmas a sair a essa hora”.
Também ali se preveem mudanças no fluxo de trânsito; a requalificação prevê a circulação em ambos os sentidos no troço que ladeia a portaria da ESCT e que dá acesso à portaria secundária da EB 2 e 3, e a inversão do trânsito no troço mais a leste, que passa a dar-se no sentido da EN 101. “A obra da centralidade vai no sentido de se mudar o sentido de trânsito na rua Professor Manuel José Pereira”, confirma Luís Soares.
Funcionamento do trânsito no centro da vila após a conclusão das obras. (Fonte: Câmara Municipal de Guimarães)
Mas o novo sentido permite apenas viragem à esquerda, para a rua Comandante Carvalho Crato, já que o largo de Santo António será pedonal, separando os fluxos de trânsito das escolas e o do centro da vila – na avenida da República, os veículos terão de circular no sentido da EN 101 e virar depois para Guimarães, podendo regressar ao coração da vila pela rua António de Barros.
A nova face do centro das Taipas prioriza os sentidos únicos, com mais espaço para peões, princípio no qual a Junta de Freguesia se revê – “a nossa posição é a de adesão a esse princípio menos carros, mais pessoas”, vinca o autarca. Mas o processo rumo a uma mobilidade diferente está longe de consensual; merece até algum “desagrado” por parte do executivo que lidera a freguesia. A realização de obras em “várias frentes” ao mesmo tempo é um dos motivos. Luís Soares reconhece a vontade de a Câmara terminar a obra “o mais rapidamente possível”, face ao “atraso” – inicialmente projetada até outubro de 2022, foi prorrogada até outubro de 2023 -, mas a intervenção de “forma faseada” seria, a seu ver, mais adequada.
“Não podemos interromper tantas ruas em simultâneo, porque isso depois inferniza a vida das pessoas. É um lamento, porque, compreendendo as dificuldades da Câmara, era possível uma execução de forma diferente. Tem faltado alguma sensibilidade desse ponto de vista”, salienta.
O autarca vê, contudo, uma “boa notícia” no meio de um cenário de “grande dificuldade”: é que “pior não pode estar”. “À medida que as obras forem terminando e as ruas libertadas, só há margem para melhorar”, frisa. E quando a intervenção estiver concluída, a Junta de Freguesia espera margem junto da Câmara para a correção de “alguns aspetos que possam melhorar a circulação”.
Inverter a “pouca autonomia dos alunos” para mudar o trânsito
Subsiste, portanto, a incerteza quanto à feição da circulação rodoviária das Taipas no pós-requalificação do centro. E a mera reorganização dos eixos viários pode não chegar para acabar com futuros congestionamentos. Se os encarregados de educação transportarem os alunos de carro e continuarem a parar junto ao portão, o trânsito na variante vai continuar a emperrar, avisa o diretor do AET. “Quando param a cinco ou 10 metros da entrada principal, junto ao portão, quem vem atrás já não passa”, frisa João Montes.
Essa dependência do automóvel justifica-se ainda menos quando se trata de estudantes que residem a menos de um quilómetro: “Trazer o aluno à escola quando se vive a 200, 300, 400, 500 metros não é condição bastante para pegar no automóvel. Pode vir a pé ou de bicicleta”, defende o responsável.
Exige-se, por isso, uma alteração na “mentalidade do conceito de deslocação” numa vila que apresenta “uma densidade urbana significativa”, com vários “serviços fundamentais” e utentes a viverem “na periferia próxima”. “Andar de bicicleta ou andar a pé pode ser determinante para reduzir o volume de trânsito na vila”, ressalva.
O diretor da ESCT concorda. “O trânsito em grande escala deve-se, em parte, à pouca autonomia dos alunos”, aponta Celso Lima. O docente favorece assim a “inversão” do “hábito de levar os filhos à escola”, intensificado na sequência da pandemia de covid-19. Embora reconheça a “legitimidade” de cada família para fazer a “gestão dos recursos” como bem entende, o responsável sugere um “binómio” entre a “sensibilização da população para a emissão de gases poluentes e para o objetivo da neutralidade carbónica” e a “otimização da rede de transportes”.
Apesar das “reclamações de atrasos” na ligação entre as Taipas e a Póvoa de Lanhoso, o serviço Guimabus, em vigor desde 01 de janeiro de 2022, e o consórcio de transportes da CIM do Ave, em circulação a partir deste dezembro, podem “garantir alguma frequência de transportes”, que modifique o hábito de “depender confortavelmente da viatura própria”, acrescenta Celso Lima. Essa mudança de rumo exige também “informação mais cuidada” – “uma página num sítio da Internet não chega” – e a reflexão sobre a gratuitidade, já discutida no seio do Conselho Municipal de Educação.
A eventual redução do fluxo automóvel pode também libertar espaço no parqueamento das escolas, libertando espaço para os trabalhadores com deslocações mais longas. Pelo menos na EB 2 e 3 de Caldas das Taipas, “estacionar é um drama”. Além de “reduzido” em número de lugares, o parqueamento é público e, por isso, “utilizado ao longo do dia por quem tampouco se serve da escola”, observa João Montes.
“Muitas vezes, quando os docentes chegam à escola, o parque já está 50 ou 60% utilizado. Os nossos professores e o pessoal não docente têm de utilizar outros espaços de periferia da escola, constrangendo a mobilidade nessas ruas”, detalha. Exige-se, por isso, uma “decisão camarária” para se mudar algo. “Não peço um parque privado, mas, entre as 08h00 e as 18h00, funcionaria como um parque destinado aos utentes da EB 2 e 3”, sugere.
Criação do largo de Santo António arranca em janeiro A criação do futuro largo de Santo António, espaço público pedonal a separar o entroncamento com a rua Padre Manuel José Pereira do centro da vila, arranca em janeiro, informou a Câmara Municipal de Guimarães. Inquirido pelo Reflexo, o município, promotor da obra, confirma também que a Avenida Trajano Augusto e a rua Ilídio Lopes de Matos abrem ao trânsito no primeiro mês de 2023, com sentido único – da sede da Junta de Freguesia para o edifício dos Banhos Novos. Os sentidos únicos definem, aliás, a circulação automóvel no coração da vila termal, estando já implantados na rua António de Barros, na rua Reitor Antunes Machado e na Avenida da República, com os veículos a seguirem do edifício dos correios para a Praça Doutor João Antunes Guimarães. A 03 de dezembro, sábado, foi reaberto a circulação a partir da Alameda Rosas Guimarães para a rua Padre Silva Gonçalves, o único sentido agora disponível. Essa organização reflete um “modelo de mobilidade” que visa remover a “função principal de cruzamento rodoviário em que se tem vindo a converter o centro da vila”, atesta a Câmara em nota enviada ao Reflexo. O desígnio das obras é o de transformar a área intervencionada “num espaço que complementa o lazer e as atividades comerciais e de serviços”, promovendo-se “um uso coletivo e o encontro de percursos pedonais e cicláveis” para se evitar “conflitos com o automóvel”. |
ndr. Reportagem publicada originalmente na edição de dezembro do Jornal Reflexo.