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Um bombeiro vai subir o Bom Jesus: “Os últimos podem ser primeiros”

Tiago Dias
Sociedade \ segunda-feira, maio 20, 2024
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Luís Filipe Silva está a treinar para escalar os 566 degraus do santuário bracarense e superar a Doença de Parkinson e a fibromialgia, duas enfermidades que lhe limitam a mobilidade.

Membro do Quadro de Honra dos Bombeiros Voluntários das Taipas, vai participar pela primeira vez no Bombeiro de Elite. O objetivo está traçado: concluir a prova no último lugar para transmitir mensagem de inclusão.

Luís Filipe Silva já se imagina a subir o último degrau do escadório do Bom Jesus do Monte a 28 de setembro, último sábado desse mês. “Vou‐o subir naquele dia. Aquele dia é meu”, promete. Aos 48 anos, treina diariamente para escalar 566 degraus, correspondentes a 615 metros de extensão e a 116 de desnível, no Bombeiro de Elite, prova que reúne centenas de operacionais desde 2017. O objetivo é claro: ser o último a cumprir o trajeto, cenário já articulado com a organização. “A prova começa às 09h00 e acaba às 12h00. Assim sei as horas a que tenho de sair. Se alguém estiver atrás de mim, vou ter de esperar que passe para eu ser o último”, antecipa o bombeiro do Quadro de Honra da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Caldas das Taipas.

E porquê o último? Luís Filipe tem Doença de Parkinson, diagnosticada há quatro anos, e fibromialgia, detetada recentemente. São duas condições incuráveis e degenerativas que o deixam com 93% de incapacidade motora. Auxiliado no dia a dia por uma bengala e por uma scooter para pessoas com mobilidade reduzida, está determinado a mostrar que, havendo “motivação e força de vontade”, tudo se consegue. "Há um ditado que diz que os últimos são os primeiros. Vou ser o último, mas serei o primeiro com limitações a pedir à organização para participar. Vou em representação de muita gente com deficiência que gostaria de fazer a prova”, salienta.

O bombeiro já previa subir o escadório em 2023, mas teve de adiar o desafio face a “compromissos familiares”. Em retrospetiva, foi uma boa decisão. “Deu para ponderar mais um bocado e ver que tenho de treinar para chegar lá acima”, assume. Há assim um plano a seguir até à meta a cruzar: começou a treinar em dezembro, descendo até à garagem do prédio em que habita, no piso ‐1, para subir ao piso 5, 18 degraus por piso. “Fui aumentando o treino até chegar ao quinto piso. Depois subi ao ponto de fazer o prédio cinco vezes”, esclarece.

Atingido esse patamar físico, estava na hora de escalar o Bom Jesus pela primeira vez. Sem avisar a esposa, Cláudia Rodrigues, pegou no carro, deslocou‐se a Braga e lá subiu as escadas, “tranquilo, a ver as capelinhas todas”. Na segunda vez, parou menos vezes, embora sem cronometrar o tempo. O “desafio é provar a toda a gente que consegue” subir aquela montanha, já que descer é bem “mais difícil”; concretizado o objetivo, o “convívio com a família” é a prioridade.

 

Lutar pela inclusão: outra forma de se ser bombeiro

Os participantes devem utilizar o equipamento de proteção individual com botas de fogo urbano e aparelho respiratório isolante de circuito aberto, mas Luís Filipe Silva não vai “sobrecarregar o corpo a esse desafio extra”. “Seria pedir de mais. Depois iria sofrer”, adianta ao Reflexo. O seu equipamento será a designada Farda n.º 3, com bota, calça, camisola e capacete.

As suas funções na corporação taipense são limitadas enquanto membro do Quadro de Honra desde 30 de janeiro de 2023 – “aparecer no dia de aniversário e comer”, brinca –, mas a sua condição guiou‐o a outra maneira de estar no terreno: tornou‐se mais sensível aos mais velhos, aqueles que estão sós nos bancos, fazendo “toda a diferença” com um simples “bom dia” e vai às escolas, aos mais jovens, falar dos direitos das pessoas com deficiência aos mais jovens; vai de bengala, o que “não é normal” num bombeiro, mas fardado. “Mais de metade dos doentes não sabem os direitos que têm para terem conforto, para terem uma vida com dignidade e alguma independência”, realça.

Ciente das dificuldades do dia a dia, palpáveis na falta de rampas para quem acede ao centro das Taipas a partir da rua Professor Manuel José Pereira, no uso dos transportes públicos ou na discriminação de quem vê os tremores de um doente de Parkinson como “algo contagioso”, Luís Filipe Silva realça que a vila onde reside há 16 anos é “um pequeno paraíso”.

Habituado a lutar pela vida desde que nasceu em Vila Nova de Famalicão, face à “surdez neurosensorial de grau profundo” no ouvido esquerdo, a subida do Bom Jesus é também mensagem de inclusão: “O objetivo é mostrar que as pessoas com limitações conseguem fazer as coisas que as pessoas ditas normais fazem. Precisamos é de mais tempo”.

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