22 novembro 2024 \ Caldas das Taipas
tempo
18 ºC
pesquisa

Professor Matos viveu o episódio "mais triste" da vila – a autorização das construções junto às termas

Alfredo Oliveira
Sociedade \ quarta-feira, setembro 25, 2019
© Direitos reservados
Manuel Costa Matos foi colocado na escola básica do Pinheiral em 1965, no ano anterior já estava como professora a sua mulher, Maria Elisa Rodrigues Matos. Casados a 15 de abril de 1963, tiveram os seus quatro filhos, Carlos, Paula, Elsa e Miguel, por esta ordem, no edifício que funcionava como residência e também como escola.

O professor Matos nasceu no dia 8 do último mês de 1936, enquanto a professora Elisa tinha nascido no mês anterior, no dia 23, mas de 1934. Foi sempre uma vida em comum, pois ambos eram naturais de Serafão, do concelho de Fafe. A professora Elisa aposentou-se em 1993 e o professor Matos viria a deixar o ensino em 1995.

Foi na casa onde nasceu, agora remodelada, que tivemos a conversa que nos faz viajar pelos tempos da “universidade” do Pinheiral, da sua vida política ligado ao PSD, pelo CC Taipas e pela Banda de Música das Caldas das Taipas. A quinta era dos pais e recorda-se de uma aldeia pacata que vivia da agricultura, onde partilhava muitas tarefas com os seus outros oito irmãos. A quinta foi recuperada por familiares e está mais reduzida do que foi em tempos idos. Quando pode, ainda se desloca para passar uns dias mais tranquilos.

Para ajudar nas lembranças de alguns desses períodos contamos com a colaboração do seu filho Miguel que foi dando alguns pormenores das histórias que o seu pai foi contando ao longo da sua vida.

Em 1965, veio substituir alguém ou verificou-se um aumento de vagas?

Fui substituir o meu colega José Fernandes que me deixou as turmas, o espaço residencial existente na escola bem como o telefone, aparelho muito raro nas Taipas nessa altura.

Em outubro de 1970, fui autorizado a viver na moradia anexa à escola do Pinheiral, a troco de uma renda de 77 escudos, a pagar à Câmara Municipal de Guimarães. Outros professores já tinham residido na mesma escola, caso do Pereirinha, da D. Virgínia e do José Fernandes, que viveu antes de mim na casa, como referi. Eu fui o último a ocupar essa habitação. Tinha como vizinho próximo Albino Palhas.

Entre 1965 e 1970 onde é que residiu?

Ainda passei uns tempos na casa, entretanto demolida, que existia na entrada da vila, junto à ponte, penso que era da Mariquinhas da Padaria.

Qual foi o seu percurso desde Serafão até chegar a Caldas das Taipas?

De Serafão ainda passei por Arosa, no entanto, a minha vida como professor primário teve início em Garfe, depois de ter tirado o curso em Braga, no Magistério Primário. Saí do magistério em 1961, e estive nas Taipas cerca de trinta anos, passaram muitos taipenses pelas cadeiras da escola do Pinheiral

Entre Garfe e as Taipas ainda estive em Donim e, pela lei dos cônjuges, em 1965, fui para as Taipas. Nessa altura, existiam seis professores na escola do Pinheiral, outros quatro colocados na escola do turismo, que estava no centro da vila.

Devo dizer que neste meu percurso, em 1978, integrei a Direção Geral de Desportos, inicialmente como formador de docentes do ensino básico para a introdução do desporto escolar nas primárias e, posteriormente, 1980, na sede da Delegação da Direção Geral de Desportos em Braga. Viria a terminar a minha carreira como docente na nova escola do Pinheiral, tendo passado muitos anos noutros serviços e não a dar aulas propriamente dito.

Como foram esses tempos a “dar aulas”?

Nos primeiros anos só lecionava a rapazes, não existiam turmas mistas. A escola tinha três salas a funcionar no piso de baixo e uma no piso superior, onde ficava a nossa residência. Na parte de cima, onde residíamos, com três quartos e sala e cozinha, havia a tal sala de aula no lado esquerdo. Os quartos eram virados para a rua e as salas, no piso de baixo, eram viradas para o pinhal que lá existia, uma sala virada a sul e outra para a rua. A escola era igual a tantas outras do país, tanto nos materiais como no espírito político antes do 25 de Abril.

Existia, como se diz, “mais respeito”, e não se verificava qualquer tipo de problemas na escola.

Cheguei a ter 40 alunos só de uma classe e tive muitos alunos que “deram homens”, mas não quero individualizar. Tive alguns que foram ao “prémio”, mas, devo dizer que a minha mulher teve mais do que eu. Cheguei a ir à Figueira da Foz receber esse prémio.

A escola foi evoluindo rapidamente nos últimos anos. Antes do 25 de Abril a escola estava um pouco parada no tempo, ou seja, as mudanças eram muito mais lentas. Depois, as campanhas de vacinação, os pequenos-almoços e a generalização da distribuição do leite (que se iniciou, é certo, antes do 25 de Abril), as refeições escolares e o rápido aumento das crianças a frequentar a escolaridade. Mesmo a biblioteca itinerante da Gulbenkian começou a passar mais vezes nas Taipas, mais precisamente no centro da vila.

O 25 de Abril provocou alterações significativas nas escolas, mas também na sua vida. Assumiu-se como social-democrata.

Vivi o 25 de Abril nas Taipas. Já não era jovem nessa altura e identifiquei-me claramente com o PSD. Assisti a várias reuniões do Partido Comunista nas Taipas e também me lembro de ter boicotado um dos comícios do PCP. Como? Não foi no sentido de não se realizar, mas de colocar algumas questões durante esses encontros, nomeadamente de, caso ganhassem as eleições, se manteriam as eleições livres ou faziam como na URSS? Coisas deste género ou o que tinham a dizer do livro «O Arquipélago Gulag», de Aleksandr Soljenítsin. Claro que eles começaram logo com o “Abaixo a reação!”, “Abaixo a reação!”. Ainda fui sondado pelo PS, mas o meu caminho politicamente estava já definido.

Em Caldas das Taipas concorreu a várias eleições e desempenhou diversos cargos, nomeadamente como secretário e presidente da Assembleia de Freguesia.

No mundo da política estive sempre ligado ao PSD. Fui candidato nas primeiras eleições para a Junta de Freguesia nas Taipas. O Dr. Mário foi o vencedor, mas tivemos o mesmo número de deputados e, aliados ao CDS, ficou o Zé Adélio como presidente da Assembleia de Freguesia.

Acabaria por fazer parte de várias listas e, eleito, ficava, na maior parte dos casos, como secretário. Era professor e a questão das atas empurrava-me para esse cargo. Também estive com o Noé, mas este era mais calmo do que o Zé Adélio.

Qual o episódio que lhe deixou mais marcas ou que possa destacar?

Deste período recordo com tristeza todo o processo da construção junto às Termas. O edifício viria a ser aprovado pela Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia depois de muitas pressões e muita agitação política de vários quadrantes, até o Roriz, da Câmara, veio falar comigo, a dizer que o novo edifício iria ficar bem e respondi: “As termas vão ficar aninhadas, sem respirar!”.

Houve muitos interesses particulares nesse negócio. Passaram o tempo a dizer que eu era “teimoso”. Não ficou nada bem aquele espaço com a construção, ficou tudo muito abafado, ganharam os interesses imobiliários.

Ainda disse a vários deputados, aquando da votação que foi favorável ao construtor Salgado Leite, “vendestes as Taipas”. Ainda surgiram uns textos nos jornais: “As Taipas está à venda!”, mas não adiantaram de nada, a decisão dos políticos estava tomada.

Nessa altura, essa decisão do órgão autárquico tinha valor vinculativo e recordo que o presidente da Câmara também não fez nada para contrariar essa decisão.

Na assembleia de freguesia de 5 de junho de 1985, nove deputados votaram favoravelmente a essa construção e, contra, votei eu (era presidente da assembleia) e o deputado comunista eleito pela APU, Agostinho Maiato. Já antes, o presidente da Junta de Freguesia, Domingos Sousa, e o secretário, Fernando Castro, se tinham demitido por esta questão. Viria a ser Porfírio Martinho, o tesoureiro, que também se tinha demitido, mas por outros motivos, quem assumiu o cargo de presidente da Junta de Freguesia (era o 3.º da lista da UD).

Foi o momento mais conturbado da minha vida política, fui muito pressionado. Depois estive mais virado para a Assembleia Municipal, nas Taipas já não tinha espaço.

O governador civil, Fernando Alberto, foi o seu grande amigo ligado à política.     

Fernando Alberto foi um grande senhor e, sem dúvida, o meu grande amigo da política. Devo acrescentar que as Taipas muito deve a esta personalidade. Fernando Alberto foi um grande amigo das Taipas.

Das histórias com ele, posso contar uma passada quando estava na Banda das Taipas, no tempo, penso eu, do Ilídio Matos como Maestro, quando esta pretendeu comprar novos instrumentos. A ideia era de os adquirir em França (o Zeca Batista Matos foi quem ficou com esse encargo) e fazê-los passar na fronteira, penso eu pela de Monção, onde estava o Castelar, colocado como GNR, para este “fechar” os olhos. A banda teve azar, pois este não estava de serviço e todos os instrumentos foram apreendidos. Eu, o Zeca Vieira e o Manel Alves ainda fomos à fronteira, mas nada, o material já estava na alfândega do Porto. Olharam para mim e disseram: “Só você é que pode salvar esta porra”. Na altura, havia fortes limitações à saída de dinheiro do país. O Governador Civil ainda ligou para o diretor da alfândega, mas este negou o pedido, “nada saía sem se pagar o valor do armazenamento e tudo o resto”, disse ele. Fernando Alberto teve de ir a Lisboa, com o seu secretário Marques Mendes, falar com o secretário de estado. Só com esta diligência é que os instrumentos foram levantados, com o argumento de que foram os emigrantes que oferecerem os instrumentos e, por isso, não houve saída de dinheiro.

Fernando Alberto também esteve sempre muito empenhado na resolução dos problemas dos bombeiros, isso também o sei.

Para além de Fernando Alberto, que outros nomes destaca desse tempo que passou nas Taipas?

Já fui referindo alguns, mas outro nome incontornável é o Dr. Augusto Dias, um grande homem para as Taipas e a quem eu também tenho muito a reconhecer. Nas escolas, como toda a gente sabe, mais antigamente do que agora certamente, quando as doenças contagiosas surgiam eram um problema complicado. Bastava entrar em contacto e o Dr. Augusto Dias marcava presença para combater esses surtos. Muito me lembro do taxista Miogo a contar as histórias das viagens do Dr. Augusto Dias a qual quer hora do dia e da noite a visitar os doentes.

Outro nome é o Vilinhas, o governador civil das Taipas, apesar das suas coisas, foi outro grande homem. Foi ele que me apresentou como professor primário na vila. Rosas Guimarães também merece todo o reconhecimento e é fundamental na história da vila. O Zé Fernandes, o professor que me antecedeu no Pinheiral, teve uma atividade muito importante na questão do ensino, reformou-se aos 70 anos por ser obrigado. O Fonseca Enfermeiro era outra pessoa sempre prestável, foi um grande homem, sempre disponível para colaborar quando era solicitado. Outros merecerão também o destaque, mas assim de repente… O Quim Vilas também era um rapaz jeitoso, escrevia uns bons artigos nos jornais, éramos muito amigos. Falava com ele de muitas coisas. Ainda me cruzei com o Ferreira de Castro, no Café Clube, que era um amante das Taipas, que ele tão bem retratou nos seus textos.

E o padre Manuel Joaquim de Sousa, como era a ligação da igreja com a escola?

Não tenho grandes histórias com o padre, apesar de ter estado com ele no CC Taipas. Jogava muito o dominó e ainda me pediu para ir para cursista, mas disse-lhe “não me meta nisso”. Nunca fui muito frequentador da igreja, lembro-me sim, de distribuir propaganda política no fim das missas, para isso ainda ia.

Reconheço que teve um papel importante na questão da educação de adultos, pois muitas pessoas para tirarem a carta de condução foram obrigados a tirar a 4.ª classe. O padre arranjou um espaço por baixo do Júlio Sapateiro onde ainda fui dar esse apoio para os adultos completarem a 4.ª classe e para questões ligadas à emigração.

Em termos associativos, passou pelos Bombeiros ou pelo CC Taipas?

Nos Bombeiros nunca me envolvi, pois não gostava de algumas pessoas que estavam lá, não interessa quem. O Zé Marques ainda me pediu para fazer parte, bem como o Manel da Caixa. Os Bombeiros viveram durante muito tempo em guerra, com a direção contra o comando, o comando contra a direção.

No CC Taipas dei a minha colaboração, apesar de não ser muito a minha ideia. Do Clube lembro-me do seu grande problema e que nada tinha a ver com o futebol, era a questão do jogo na sua sede e que desgraçava muita gente, jogava-se valente. O governador civil começou a receber umas cartas de algumas mulheres a dizer que os maridos chegavam a casa “tesos”. Fernando Alberto perguntou-me o que se passava e acabou por tomar algumas medidas. As pessoas das Taipas jogavam muito nessa altura, mesmo no casino da Póvoa, os taipenses eram visita regular, muito dinheiro desapareceu em várias famílias.

Deixou de visitar as Taipas?

A última vez que estive na vila foi com o meu mais velho, o Carlos, falar com o Manecas. Mas já não conheço ninguém, nem ninguém me conhece, bem… conheci ainda duas pessoas. As Taipas está diferente para melhor. O Passerelle deu um pouco de vida às Taipas e a vila foi melhorando. No meu tempo não havia vida noturna nas Taipas. As pessoas passavam muito tempo, como já referi, no CC Taipas, no Piteco, o muro era ocupado pelos reformados, depois havia o posto do Manel da Shell, onde paravam os críticos e onde se lia o jornal. Era tudo muito concentrado no centro das Taipas.

Tem saudades das Taipas?

Eu gostava muito das Taipas. Nos primeiros tempos, eu vinha de Braga às Taipas só para tomar café com os meus amigos.

Nas Taipas nasceram os meus quatro filhos, mas eu não tenho nada nas Taipas, não tenho bens, tenho ainda alguns amigos, já raros, infelizmente. Ficaram as memórias desta terra.

Esta entrevista foi originalmente publicada na edição do jornal Reflexo, de setembro de 2019.