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Passerelle nasceu há 35 anos para “engrandecer a vila”: “Vinha tudo cá ter”

Bruno José Ferreira
Sociedade \ domingo, setembro 22, 2024
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José Cid esteve numa inauguração que atraiu uma autêntica multidão em torno de um conceito que proliferava. “Obra de arrojo”, fez-se acompanhar de uma ambição de afirmação da vila.

Apresentado à comunidade com “pompa”, o Centro Comercial Passerelle ergueu-se nas Taipas por mão da empresa Irmãos Vieira – Construções Civis. José Cid esteve numa inauguração que atraiu uma autêntica multidão em torno de um conceito que proliferava. “Obra de arrojo”, fez-se acompanhar de uma ambição de afirmação da vila. Ao fim de 35 anos, o percurso foi feito de “altos e baixos” com a pujança inicial a fazer-se seguir a um período de decadência e de lojas fechadas. Hoje o cenário é diferente, o espaço precisa de obras e suspira-se por uma “comissão” que o dinamize.

 

Há 35 anos, no dia 27 de agosto de 1989, a vila das Taipas vivia um dia “muito bonito e com grande aparato”. O concerto de José Cid, já um nome de relevo no panorama musical nacional, foi apenas mais uma pincelada de um momento em que se pintou um quadro de esperança e orgulho com a inauguração do Centro Comercial Passerelle. “Caldas das Taipas mais «vila» com o «Passerelle»”, escrevia o jornal Notícias de Guimarães na sua edição de 01 de setembro de 1989.

Numa época em que proliferavam um pouco por todo o país estes espaços comerciais com várias lojas, após abrirem os primeiros centros comerciais no centro da cidade o conceito chegava também às Taipas com “85 stands onde há de tudo um pouco”, noticiava o referido jornal na reportagem em que dava conta da inauguração do Passerelle, uma “obra de arrojo e ambicioso projeto da empresa Irmãos Vieira – Construções Civis”.

Numa analogia com o quadro que ainda hoje está junto a uma das entradas do centro, no mapa do Minho Caldas das Taipas aparece em plano de destaque. Era precisamente esse destaque que se esperava que esta valência pudesse trazer. “Passos de gigante para um lugar de relevo no conceito regional”, pôde ler-se no Notícias de Guimarães, que apontava que “novos horizontes se abriam para as justas aspirações dos habitantes de Caldas das Taipas, para o seu progresso e expansão”.

José Cid, Banda das Taipas, fanfarra e o “povo em massa”: Inauguração com “muita pompa”

Recuando 35 anos no tempo, até ao dia 27 de agosto, a inauguração do Centro Comercial Passerelle – cujo nome é inspirado numa telenovela da RTP que fez sucesso – tem um adjetivo comum entre aqueles que assistiram ao evento: “pompa”. Foi um verdadeiro evento. José Cid foi, então, o nome forte ao protagonizar um concerto inusitado, num local pouco amplo para o nome do artista, em que inclusive teve de se mudar ligeiramente o local de atuação para que o cantor não ficasse atrás de uma coluna.

Rui Gonçalves, um dos lojistas do qual já falaremos mais à frente, recorda o concerto como parte de um evento que “mexeu com as pessoas”. Mas, antes do dia propriamente dito, pela vila já se vivia a azáfama do que estava a acontecer. “Havia por aqui por todo o centro muito merchandising a dizer “Irmãos Vieira”, que eles davam: réguas, t-shirts a dizer Passerelle; discos e cassetes”. O último dos três irmãos que compõe a Barbearia Freitas, desvia o olhar e diz que provavelmente ainda tem uma das cassetes com músicas alusivas ao centro comercial. “Mandaram fazer músicas e gravaram, uma espécie de hino”, diz. Trauteia com sorrisos o refrão da Marcha do Centro Passerelle, produzida pelo Conjunto Rio Ave.

“Dos mais modernos deste país”, dizia a marcha, na qual se aludia que o Passerelle “vem engrandecer as Taipas, dar vida e alegria com muita luz, cor e alegria – olha o futuro no dia-adia”. Tal como a Barbearia Freitas, também a loja de pronto a vestir JR, de Joaquim Ribeiro, está no centro comercial desde os seus primórdios. Joaquim Ribeiro, o proprietário, também não ficou indiferente a uma inauguração com “um aparato muito bonito”. “Lá fora, onde tem o prédio, era um campo aberto, houve uns aviões que vieram e lançaram paraquedas, foi um aparato, muito bonito”, recorda. As imagens estão na memória, lembrando-se inclusive da queda “do senhor que andava aí a filmar”. “Um paraquedista caiu quase em cima dele, a câmara andou aos trambolhões”, atira.

A sessão de inauguração foi presidida por D. Jorge Ortiga, bispo auxiliar de Braga, sendo que foram notadas as presenças de Fernando Serqueira Roriz, vereador municipal, assim como de Manuel Ferreira, vereador com o pelouro do turismo da Câmara Municipal de Guimarães. O deputado na Assembleia da República Lemos Damião foi outra das figuras presentes no momento festivo em que “o povo, esse, compareceu em massa, emprestando com o seu entusiasmo e calor, moldura humana condigna”, descreveu o Notícias de Guimarães. Para além de José Cid, a Banda Musical das Taipas e Fanfarra de São Cláudio de Barco abrilhantaram o momento, enquanto que os Bombeiros das Taipas fizeram guarda de honra para assinalar, então, a inauguração de “um dos maiores e bem delineados centros comerciais do concelho de Guimarães”.

Inauguração em agosto, arranque em outubro

Aproveitando a presença de emigrantes e a tradicional azáfama de agosto, a inauguração do Centro Comercial Passerelle teve lugar no mês de verão, mas o centro apenas ganhou vida verdadeiramente em outubro, quando as lojas entraram em funcionamento. Num dos cantos mais remotos a loja 57 está desde o início entregue à Barbearia Freitas. Francisco Freitas usa a cadeira da esquerda, ao meio é José Freitas – o mais novo – a operar as tesouras e as lâminas e na direita está António Freitas, o mais velho. Numa família de barbeiros, os dois mais velhos já exerciam a arte em 1989; o Passerelle foi uma oportunidade que surgiu para se estabelecerem por conta própria.

“Alugámos a loja em agosto, perto na inauguração, e abrimos no dia 01 de outubro. Tivemos que correr bem, porque naquela altura arranjar material de barbeiro não era tão simples como agora”, recorda António Freitas. Já depois das 19h30, enquanto se ultimam pormenores para fechar portas após mais um dia de barba e cabelo, Francisco Freitas complementa a ideia. Lembra que já trabalhava em Guimarães e “queria abrir uma barbearia há mais tempo”. “Em 1987 já tínhamos a ideia, mas não arranjava loja e também tinha medo, porque ia para a tropa”. Até que o centro comercial apareceu, então, na hora certa. “O meu pai conhecia o dono desta loja, falou com ele e disse que alugava. Então decidimos os dois abrir isto”, sustentam. Já com clientela da atividade que desenvolviam, rapidamente fizeram a casa e António Freitas tem ainda ideia do primeiro impacto: “Muita gente pensava que devia ser muito caro, por ser num centro comercial. Passava de lá de fora e punha-se a olhar, perguntavam quanto é que custava e só depois é que entravam”. Com sorrisos, José Freitas resume que “as pessoas tinham medo, ainda não havia shoppings, isto era o topo de gama”.

Uns metros ao lado, no corredor central também desde início está lá a loja JR, um pronto a vestir. O taipense Joaquim Ribeiro era comerciante, tinha um comércio ambulante e fazia várias feiras, abriu a loja, na altura, para a mulher. Mas, a segunda gravidez obrigou a repouso total e acabou por ser Joaquim Ribeiro, cujas iniciais denominam a loja, a assumir os destinos da loja. “Fiz opção por ficar cá. Como já tinha aqui o investimento feito, a loja é minha, optei por vender o passe do comércio ambulante e fiquei com esta loja fixa”. Abriu no dia 05 de outubro “com os produtos que tinha no comércio ambulante, um pouco em cima do joelho”, admite. “Não comprei ao empreiteiro, mas a outra pessoa, quando comprei foi já um pouco em cima da mesa para a abertura. Tive de andar a correr, enchi a loja com o produto do ambulante, e depois apostei numa nova coleção”, atira com um sorriso nostálgico. “Quase que se pode dizer que sou um dos fundadores”, assegura.

Rui Gonçalves está à frente de outra das lojas que está desde início no Passerelle, a Sapataria Costa. É já a segunda geração do negócio, genro do fundador da loja de calçado. Surgiu, na altura, também como uma oportunidade. “O meu sogro estava a viver no estrangeiro, era emigrante, e quando regressaram a Portugal apostaram em vários negócios”, dá conta. A Sapataria Costa é um deles, ainda no ativo, sendo que numa das lojas ao lado tinham o Clube de Vídeo Costa. “Mas, os clubes de vídeo, com o tempo, como se sabe, desapareceram todos”, pontua Rui Gonçalves, natural de Guimarães.

Com “altos e baixos”, sinais de retoma após o apogeu e o deserto

Cafés, snack bares, uma escola de música, prontos a vestir, sapatarias, fotografia, ourivesarias, tecnologia, estética e serviços. Entre outros. Atualmente o Centro Comercial Passerelle apresenta uma oferta considerável na ligação entre a Avenida dos Bombeiros e a Avenida da República. A passagem central é aquela que sempre esteve mais preenchida, contando o centro com recantos com um lago de peixes – ainda operacional – e em tempos um espaço para pássaros. À entrada pode ler-se, num aviso visivelmente já gasto, a indicação que não é permitido jogar à bola, andar de patins ou skate. O quadro de entrada com os principais locais minhotos é um dos ex-líbris do centro, e junto ao lago dos peixes as paredes exibem-se imagens de D. Afonso Henriques, do Castelo de Guimarães e da Batalha de São Mamede.

Ao longo destas três décadas e meias “o Passerelle teve altos e baixos”, constata José Freitas. Uma realidade que, de resto, é reconhecida por todos. Rui Gonçalves está há meia dúzia de anos no Passerelle, no negócio de família. Não tendo estando 35 anos no centro comercial, tem plena consciência das “várias fases de movimento”, até pelas conversas em família. “Isto abriu muito forte, foi um grande boom porque foi dos primeiros centros comerciais aqui à volta, toda a gente vinha aqui ter e o negócio funcionou uns bons anos, talvez uma década”, começa por descrever.

“Depois houve uma quebra bastante grande, a maior parte das lojas ficou mesmo vazia. Como o centro comercial ficou vazio as pessoas também perderam o hábito de vir cá. Foram uns anos largos em que isto esteve parado”, constata Rui Gonçalves, da Sapataria Costa. Na barbearia a perceção é a mesma: “Desde que abriram os shoppings isto começou a cair muito” aponta António Freitas. “Houve períodos em que estivemos mesmo isolados neste canto com tudo fechado”, complementa José, o irmão mais novo. Mesmo não se sentido diretamente no seu negócio, “não era a mesma coisa”. “Nós não sentimos a nível de clientela, porque quem vem a um barbeiro é diferente de quem compra uma camisola, mas era muito mais triste, ver as lojas fechadas e isto sem movimento. Fechava esta, depois aquela, e ficávamos aqui isolados”, sublinha Francisco Freitas, complementando que “já são tantos anos que os clientes sabem como nos encontrar, porque se estivéssemos à espera do cliente que vem de passagem, era complicado”.

Ou sejam em 35 anos o Centro Comercial Passerelle teve uma espécie de apogeu no arranque com uma pujança assinalável e seguiu a rota deste tipo de centros com a desertificação das lojas. Entre altos e baixos, há a sensação de retoma e de uma nova vitalidade. “Acho que ultimamente começou novamente a revitalizar, notou-se isso um pouco antes da pandemia”, refere Rui Gonçalves. O sentimento é o mesmo por parte de António Freitas, que ao passar entre a cadeira e o espelho olha em perspetiva e nota que “neste momento já estão mais abertas”. Aponta em frente repara que “abriram aqui em frente duas recentemente que estiveram anos fechadas”.

Obras também se fizeram sentir no Passerelle

Se o Centro Comercial Passerelle permanece igual desde a sua criação, sem intervenções de vulto em 35 anos, no exterior os últimos tempos foram de revolução. A longa intervenção no centro cívico das Taipas alterou por completo o exterior e os comerciantes admitem que acabou por se sentir no centro comercial. “Apesar de ser lá fora, não diretamente aqui, acabou por se sentir na dinâmica geral da vila. Tive pessoas a dizerem-me, durante as obras, que não vinham cá, às Taipas, porque era impensável dado o transtorno que era”, repara Rui Gonçalves. “As obras quebraram muito o negócio”, repara o responsável pela Sapataria Costa. Da forma que isto estava no decorrer das obras, numa simples vila, as pessoas não conseguiam cá andar. Para isso preferiam ir a uma cidade, que ao menos têm opções e outras soluções de trânsito”, complementa.

Joaquim Ribeiro tem uma opinião que vai de encontro ao deste lojista. Aprecia as obras, mas apontas aperfeiçoamentos necessários para que o fruir das pessoas seja mais acentuado. “Acho que as Taipas está um pouco parada; as obras que fizeram aí ficaram bem, para mim estão 90 por centro aprovadas, mas há coisas a fazer, como umas escadas em frente ao banco, aqui à saída, para ter mais fluidez das pessoas a circular”, remata o comerciante que, fruto do seu passado no comércio ambulante, consegue atrair ao Passerelle clientes de diferentes latitudes para acrescentar à clientela padrão: essencialmente “taipenses e dos arredores”, dão conta os lojistas. 

“Obras” e “uma comissão” para dinamizar o centro: as necessidades apontadas

Sem qualquer entidade responsável pelo Centro Comercial Passerelle, o espaço comercial taipense é zelado no formato de condomínio, que trata da limpeza do espaço e da abertura e fecho de portas. “De resto, arrendadas ou do próprio, cada lojista faz como quer, faz os seus horários”, explica António Freitas. No entender dos lojistas ouvidos pelo Reflexo, é preciso mais para que o Centro possa organizar-se e funcionar com outra orgânica. “Precisávamos de momentos de animação, festividades. Devíamos ter uma comissão, alguém, a Câmara ou a Junta, e nós comparticipávamos para se organizar eventos, momentos de atratividade. Temos vários espaços aqui para isso”, defende Joaquim Ribeiro, de 68 anos.

As redes sociais é uma das apostas de Rui Gonçalves para tentar chegar a mais público com o seu calçado, corroborando da ideia que é necessária “mais ação, mais movimento, chamar as pessoas”. “Se não for os lojistas não há ninguém que faça nada por nós, já vimos isso. Mesmo no Natal tiraram a Vila Natal daqui para levar lá para baixo para o ringue, onde não há lojas nenhumas, fomos nós obrigados a fazer alguma coisa para chamar as pessoas para cá, porque se não…”, desabafa.

O diagnóstico é consensual, sentindo-se a carência de um maior dinamismo coletivo na organização de eventos ou outras iniciativas. A forma de alavancar essa realidade é que deixa reticências. “Não sei, uma comissão ou uma organização, acho que fazia falta para tentar ter mais dinâmica, que faça coisas e chame pessoas”, atira Rui Gonçalves.

Na ótica de Francisco Freitas, mais premente do que dinamização, que também considera necessária, o barbeiro olha para o Passerelle e destaca a necessidade de uma intervenção na estrutura. “Isto precisava de obras, claramente”, pontua, sustentando que o Passerelle depara-se com “problemas de infiltrações de água”. “Já gastámos aqui mais de 100 mil euros, entre todos, foi a obra maior há relativamente pouco tempo, mas pouco resolveu. Neste momento estamos com infiltrações de água, a administração pediu orçamentos, depois pediu dinheiro aos proprietários para as obras, mas ainda nada”, destaca.

No entender do elemento que constitui a Barbearia Freitas “isto andou mais ou menos quando a administração era de lojistas, pessoas que tinham interesse que funcionasse bem”, lamentando que, na sua opinião, “a partir do momento que entraram empresas isto piorou”. Rui Gonçalves, da Sapataria Costa, tem a mesma opinião: “O condomínio que está a gerir o centro também está a deixar isto um pouco degradado”, conclui.