Paragem das obras na zona das Termas afunda rendimentos dos comerciantes
Quem percorre a avenida Trajano Augusto e vira a esquina do Hotel das Taipas depara-se com um cenário imutável há pelo menos um mês: o alcatrão ladeado por calçada portuguesa da rua Doutor Alfredo Fernandes transformou-se num rio de gravilha. Ladeado por terra e cercado por redes, esse rio, imóvel, obriga os transeuntes a percorrerem o corredor exterior do edifício do hotel, se quiserem circular entre aquela rua a extremidade leste da avenida da República.
Com a via inacessível às viaturas e dificilmente acessível aos peões, a presença humana naquele recanto da vila termal escasseia. E os comerciantes ressentem-se. Na Barbearia Neves, “trabalha-se pouco”, diz ao Reflexo o responsável pelo estabelecimento, Duarte Neves. O barbeiro estava preparado para várias “consequências associadas” à requalificação do centro cívico das Taipas, iniciada a 19 de outubro de 2020, com um custo de 4,7 milhões de euros mais IVA e um prazo de execução estimado de dois anos. Mas o facto de ver tudo parado deixa-o “revoltado”.
“Isto já podia estar praticamente pronto, os saneamentos estão praticamente prontos, fizeram as interligações com tudo que é necessário, agora é finalizar, penso que é rápido. Pararam de um momento para o outro”, descreve.
Os empregados que ali passam ocasionalmente já lhe disseram que “não têm autorização” para trabalhar, pelo que a obra se arrasta. Assim, os estabelecimentos daquela zona vão ficando “isolados” e acumulando “prejuízos”, porque os transeuntes evitam circular na zona. “Ainda esta manhã [quarta-feira], um cliente deixou o carro na feira. Vinha por um lado, estava proibido, vinha por outro, proibido. Parou na feira, mas se o tempo estivesse de chuva nem vinha”, exemplifica.
Fernando Neves alega que o encarregado geral a cargo da obra realizada pela empresa ABB já esteve reunido no local com a arquiteta do projeto, Marta Labastida, a propósito de uma máquina que supostamente iria para o local da obra e já não vai, porque “custa muito dinheiro”. “Não chegaram a um acordo”, diz.
Logo ao lado, no sentido da avenida da República, Adelino Gomes contempla os Banhos Velhos a partir do café-restaurante que explora, o Mira Termas. E está descontente. “A única coisa que há aqui é terra e pedras”, diz, apontando para o espaço que correspondia à via pública. Se a área que abarcava a faixa de rodagem está intransitável, o passeio para peões ainda se vê, mas longe de intacto. “Por lei, tinha de ter uma via aberta. Já me informei que tinha de ter uma via aberta para poder atravessar. Fecharam isto tudo e não têm o que fazer”, acrescenta.
Nascido em Caldas das Taipas há 66 anos, o comerciante explora o café por debaixo do andar onde vive há pouco mais de 30 anos – “fui um dos primeiros a comprar o apartamento”, especifica. E o negócio, esse, piora a cada dia: antes das obras, fazia cerca de 50 refeições diárias; agora “faz 12 ou 13”. O decréscimo reflete-se na contabilidade. “Estou a perder por dia pelo menos 120 euros limpos. Faz diferença. Tenho de pagar renda, água, luz, fornecedores”, detalha.
Perante os constrangimentos das obras, ainda para mais paradas, Adelino Gomes sugere que a Câmara Municipal, enquanto promotora da obra, deveria suportar a renda mensal dos comerciantes daquela zona.
Obras sim, mas com “outra logística e programação”
Poucos metros adiante, já em plena avenida da República, o Atelier de Costura da Fatinha também se ressente das obras e, ainda mais, da sua interrupção. “O negócio baixou bastante. Isto tem picos, mas, em percentagem de receitas, ronda uma média de 50%”, estima Fátima Lima Leite, que explora aquele estabelecimento há mais de 20 anos.
Pagar as contas é uma das dificuldades, mas não a única; a modelista, por exemplo, não sabe a “quem se dirigir” para dissipar as dúvidas sobre o futuro da obra, mesmo sabendo que a Câmara Municipal de Guimarães é a promotora da obra. E receia que as obras naquela zona não fiquem prontas até ao final de 2021. “Fui informada pela Junta que esta estrada iria fechar ao trânsito por seis meses”, diz, apesar de lhe terem chegado alguns rumores que alongam a conclusão daquela fase até 2022.
Fátima Lima Leite concorda com a requalificação do coração de Caldas das Taipas, mas com “outra logística e outra programação”, diferentes das que se veem no terreno. Entre os maiores problemas que deteta, incluem-se a falta de uma faixa de rodagem provisória para viaturas e uma falta de sinalização para os percursos acessíveis aos peões; neste momento, eventuais clientes têm a impressão de que é impossível aceder ao atelier, quando, na verdade, é possível.
“As pessoas vão-se embora, porque nem sabem que têm passagem”, explica. “Depois ligam-me a dizerem que não podem chegar aqui, porque está tudo fechado. Não está fechado, porque há passagem. Venho para aqui todos os dias. Mas, à primeira vista, para quem chega aqui, é muito complicado”.
Questionada sobre as razões para a interrupção, a costureira não tem certezas; só ouve rumores – ora é a instalação do gás natural, ora é um diferendo jurídico entre a autarquia e a EDP, ora é a arqueologia, por causa de eventuais artefactos ligados ao passado romano da vila que possam ser descobertos.
Entre achados arqueológicos e materiais de construção, escasseiam as certezas
À margem da reunião do executivo municipal, a vereadora Adelina Paula Pinto abordou a questão, tendo sugerido duas causas para a interrupção da obra, embora sem conhecer a “situação particular”: o atraso na entrega de materiais de construção, como se tem verificado noutras intervenções pelo concelho, ou a descoberta de artefactos arqueológicos ligados ao passado romano da vila.
“Nas Taipas, de vez em quando, também tem de parar por causa das questões arqueológicas. Tem a ver com a questão de ali ter sido um centro romano. Mas não sei dizer especificamente se é essa questão. Em vários sítios, temos pressões por questões diversas”, afirmou aos jornalistas na substituição do presidente Domingos Bragança, que se ausentou dos Paços do Concelho após a conclusão da ordem de trabalhos.
A responsável pelos pelouros da Cultura e da Juventude esclareceu que, até agora, foram “encontradas pequenas coisas”, mas sem dimensão para forçar a paragem da obra; ainda assim, qualquer descoberta exige a notificação da arqueóloga responsável. “Mas quando se encontra qualquer coisa, tudo tem de ir à arqueóloga. Tudo isto são processos necessários. A probabilidade de se encontrar algo naquele local é imensa”, realçou, dizendo que a “obra vai ter algumas complicações”, por causa do interesse histórico em causa.
Quanto à hipótese dos materiais de construção, Adelina Paula Pinto vincou existirem casos em que “não há entrega de materiais de construção há cerca de um mês”. “Esse tem sido um problema recorrente que nos tem atrasado e que, eventualmente, se passa nas Taipas, embora não conhecendo a situação específica”, reiterou.
A vereador admitiu ainda o “desejo de que as obras avancem” o quanto antes, face aos constrangimentos de quem ali vive ou trabalha. “Mesmo quando a obra anda bem, há uma reação muito contrária das pessoas. Quando a obra pára, a reação é muito complicada de gerir”, completou.
* Com Bruno José Ferreira, Carolina Pereira, Hugo Marcelo e Pedro C. Esteves