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Nos horizontes de quem estuda, cabem as muitas Europas

Tiago Dias
Cultura \ sábado, junho 15, 2024
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Jantar às 16h30 ou às 22h00, comunicar fluentemente em inglês ou por telemóvel, conviver com jovens mais extrovertidos ou por regra formais:

as experiências multiplicam-se entre os mais de 70 alunos da Escola Secundária de Caldas das Taipas que, nos últimos cinco anos, estiveram em escolas estrangeiras. Na hora do regresso, há um sentimento comum: o de maior autonomia e abertura para com a diferença. Depois de vários projetos individuais, a Secundária garantiu a acreditação Erasmus + até ao fim de 2027. É mais um passo na internacionalização de uma escola que também se mostra preparada na hora de receber quem vem de fora.

 

Entre as várias bandeiras estendidas no recreio, da Finlândia à Eslovénia, da Turquia à Noruega, Ânia Costa exibe a de Espanha como testemunho da experiência vivida em fevereiro: viajou então para Alcover, localidade de cinco mil habitantes na Catalunha, “culturalmente parecida” ao que encontra em terras lusas, mas com algumas diferenças que a surpreenderam. “Jantam muito tarde, às 22h00. Às vezes ficávamos com alguma fome, porque ainda faltava muito para jantar”, recorda.

A estudante do 12.º CT1 aventurou-se nessa jornada com mais oito alunos da Escola Secundária de Caldas das Taipas (ESCT) e visitou Reus, Tarragona e Barcelona, enquanto desenvolvia competências na matemática e na tecnologia. Eram esses os focos de “Empowering Math Literacy Skills of Learners Through Innovative Digital Tools”, iniciativa com chancela Erasmus +, programa da União Europeia (UE) que contempla a mobilidade de professores e alunos para apoio à educação, à formação, à juventude e ao desporto.

Entre 09 e 15 de março de 2023, Pedro Costa esteve na Polónia pelo mesmo motivo. De bandeira vermelha e branca aos ombros, o aluno de 17 anos recorda um processo que se iniciou em outubro de 2022; com um formulário preenchido e a apresentação de um curto vídeo para a candidatura. A par de Catarina Peixoto, Francisca Castro, Inês Cunha e Joana Cunha, foi escolhido para rumar a Swidnik, cidade no sudeste polaco, a cerca de 100 quilómetros da fronteira com a Ucrânia. “Por causa do conflito, tivemos de assinar uma autorização especial. Chegando à cidade, encontramo-nos logo com a família de acolhimento. Foi um choque muito grande porque não conhecia as pessoas”, descreve o estudante que é agora da turma 11.º CT3.

Num roteiro que incluiu passagens pela vizinha cidade de Lublin, pela capital Varsóvia e por Cracóvia, bem como pelos outrora campos de concentração de Auschwitz, os horários foram outro desafio. “Como fica de noite mais cedo, o jantar era servido às 16h30. Faziam um jejum intermitente durante muitas horas. Foi complicado, mas também foi engraçado”, testemunha.

Pelo meio, os cinco alunos trabalharam as matérias do projeto com alunos locais, mas também de Alcover e da cidade turca de Hatay, supervisionados pelos professores Pedro Castro e Carla Abreu, membros da direção desde julho do ano passado. Ligada à Secundária das Taipas desde 2013/14, a professora de inglês e alemão coordena a equipa Erasmus + desde 2019/20. “Escrevo sozinha ou coescrevo os projetos da escola e submeto-os à UE”, indica. Nos últimos cinco anos letivos, esse trabalho materializou-se na aprovação de seis projetos que garantiram 77 mobilidades de alunos, 23 mobilidades de docentes, bem como a de um assistente operacional e a de um assistente técnico. E a recente acreditação Erasmus +, válida de 01 de fevereiro de 2024 até 31 de dezembro de 2027, consolida a internacionalização de uma escola com plano nesse sentido desde 2009.

 

Encontrar caminhos no “choque de culturas”

A sua primeira experiência de mobilidade deu-se a título individual, ao abrigo do Comenius, uma iniciativa da UE para aprofundar o conhecimento das diferentes línguas e culturas europeias. Carla sempre teve “o bichinho de ir lá para fora” e até equacionou uma carreira no turismo, antes de conjugar duas vocações ao seguir a carreira docente. “Como achei que tinha jeito para ensinar, arranjei uma forma de cumprir os meus objetivos de conhecer outros povos, de viajar”, esclarece.

A mobilidade docente foi, aliás, a prioridade da ESCT entre 2015 e 2019, com 47 dos seus elementos a realizarem ações de formação no estrangeiro, antes de a bússola mudar de orientação para abrir horizontes aos estudantes. “O que mais me move é a alegria dos miúdos sempre que entram no avião pela primeira vez, a primeira vez que dormem fora de casa, a primeira vez que conhecem pessoas de outros países”, confessa.

A 01 de setembro de 2020, a Secundária das Taipas abraçava uma iniciativa para 25 dos seus alunos, em parceria com escolas de Istambul (Turquia), Helsínquia (Finlândia), Almería (Espanha) e Brindisi (Itália); coube precisamente à italiana IISS Ettore Majorana coordenar um projeto sobre matemática e arte, financiado em 163 mil euros e concluído em 31 de agosto de 2023. “Correu muito bem. Os italianos eram muito experientes. Eu, novata em projetos de alunos, aprendi imenso com a coordenadora. É como se fosse um bebé. Nunca mais me vou esquecer das experiências dos alunos”, recorda.

Distribuídos por grupos que viajaram a cada país parceiro, os 25 selecionados regressaram a Caldas das Taipas com algo novo para contar; se os ritmos e os modos de Espanha e Itália são parecidos, o mesmo não se pode dizer da Finlândia e da Turquia. Na encruzilhada da Europa com a Ásia, as jovens taipenses perceberam que a condição da mulher é diferente e que muitos alunos vão todos os dias para a escola com “metade das condições”, mas “imensa motivação”. “Houve pais que agradeceram este choque de culturas. Disseram-me que os filhos nunca tinham perguntado quanto custava ir almoçar fora. E agora já indicam o que é caro e o que o é”, vinca a docente. Comunicar em inglês também podia ser “extremamente difícil”, forçando o recurso às traduções no telemóvel. “Perceberam também que falar uma língua estrangeira é vital”, acrescenta.

Na Europa nórdica, isso nunca foi problema. Agora matriculado na Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha, Gabriel Machado rumou à Finlândia na primavera de 2023 e conversou facilmente em inglês com qualquer interlocutor local. Outras rotinas eram diferentes, contudo: jantava quase sempre às 17h00 depois de manhãs dedicadas à matemática e de inícios de tarde reservados à parte cultural. A passagem pelo museu de Alvar Aalto, arquiteto e designer de renome no século XX, continua a inspirá-lo no caminho que segue como universitário; o estudante de Ciências e Tecnologias encarregou-se do design gráfico das suas mobilidades, aprendeu Adobe Illustrator e Photoshop como autodidata e escolheu esse caminho como universitário. “Quanto conto a minha história no curso de design gráfico, costumam ficar fascinados”, adianta o ex-estudante da ESCT.

Presente nessa deslocação, Carla Abreu lembra que os estudantes lusos viveram a proximidade finlandesa com a natureza, nas cabanas ou nos lagos, e voltaram a Portugal com um sentido mais prático do quotidiano. “Ficaram a perceber o que é verdadeiramente cumprir regras, horários, serem práticos, objetivos. Tendem a ser os mais rápidos e práticos. Vem do espírito de aproveitar bem o tempo”, salienta.

Meses depois, Gabriel rumou a Brindisi, meio onde contactou com monumentos mais antigos, “um povo muito mais extrovertido” e a tendência para se fazer as coisas mais tarde, embora acordasse sempre às 06h00, pela distância da casa da família de acolhimento à escola.

 

Uma “escola organizada”… e creditada

Quando as mobilidades decorrem em sentido inverso, há duas ideias que sobressaem entre quem visita Portugal: o tempo soalheiro e um acolhimento “tão surreal que dá medo”, nas palavras de um estudante finlandês. “Na Finlândia, foram impecáveis a receber-nos. Pensei que seriam mais frios. Mas a alegria portuguesa na partilha, no ser-se dado, em tirar a camisola para dar ao outro, na espontaneidade é diferente”, compara a docente. Outra impressão comum é a de que a ESCT é “mais organizada” do que estariam à espera, com “Imensos cursos e projetos”. “Na tecnologia e no inglês, os nossos alunos não estão assim tão distantes de outros países”, complementa.

Quer na hora de receber, quer na hora de viajar, os alunos têm ficado sempre em casas de famílias. Assim aconteceu também no projeto “Erasmus Update_Upskilling People”, vocacionado para a literatura e o teatro, com alunos da República Checa e da Noruega, e no projeto sobre inteligência artificial que reúne a Universidade do Minho, a Universidade de Liubliana (Eslovénia) e Universidade da Corunha, que tem Caldas das Taipas como escola secundária parceira em solo luso. “Já tivemos a mobilidade aqui na escola, na semana do 25 de Abril”, detalha Carla Abreu.

A exceção avizinha-se na deslocação à Turquia, programada para outubro: os cinco alunos vão ficar num dormitório a mais de 100 quilómetros de Hatay, ainda no decurso do projeto que funde matemática e ferramentas digitais, envolto em tragédia; a coordenadora turca, Pinar Karaca, foi uma das mais de 50 mil pessoas que morreu durante os sismos que abalaram Turquia e Síria entre fevereiro e março de 2023. “Foi muito duro para mim. Dávamo-nos muito bem e já estávamos a escrever outro projeto”, recorda.

Projeto é um termo que pontua o quotidiano da professora de línguas estrangeiras; acabou de submeter um outro, designado “Digital Detox”, em parceria com Turquia, Grécia e Finlândia, com o objetivo de “promover a convivência dos alunos”. Nesse sentido, os candidatos têm de abdicar do telemóvel por uma semana. Carla espera vê-lo aprovado, embora as pontuações exigidas para o financiamento sejam cada vez mais elevadas. “A avaliação mínima é de 70 em 100. Há uns anos, eram aprovados com 75 ou 80 pontos. Agora precisam de 90 ou 95”, detalha.

À margem desses projetos individuais, a Secundária das Taipas submeteu, em outubro de 2023, a candidatura à acreditação de escola Erasmus +. Fê-lo com sucesso, após o 15.º lugar entre as mais de 170 candidaturas nacionais. A ESCT está agora habilitada a participar em iniciativas que se enquadrem nos três eixos prioritários para o intervalo 2021-2027, com um orçamento continental de 26,2 mil milhões de euros: a inclusão social, a transição ecológica e digital e a promoção da cidadania ativa nos jovens. O resultado da candidatura assegura, para o ano letivo 2024/25, a mobilidade de 22 alunos e de três professores para job shadowing – acompanhamento em tempo real de tarefas equivalentes à do seu ramo.

 

Despertar a “abertura ao mundo”… para todos

Asseguradas tais mobilidades, a ESCT já calendarizou atividades Erasmus + para o próximo ano letivo, incluindo novo intercâmbio com a escola de Brindisi: a receção à comitiva italiana dar-se-á entre 21 e 26 de setembro, antes de um grupo de alunos taipenses devolver a cortesia. São 19 os alunos a entrevistar com vista a uma seleção. “Contactei o grupo Eco-Escolas para me ajudar. Até ao final do ano, vou selecionar alunos não só para acolherem estes italianos, mas também para verem como trabalham a ecologia em Itália”, adianta a docente. O regresso à Finlândia, “bom sítio para formação de professores”, pela “organização fora de série”, também está em cima da mesa.

O leque de selecionados ao abrigo da acreditação reparte-se em dois lotes: um de alunos “dedicados e motivados”, “envolvidos em questões de ambiente e cidadania”, “proativos no sentido de levarem os projetos para a frente”, e outro com “dificuldades financeiras, motoras ou de aprendizagem”. O propósito, reitera Carla Abreu, é o de dar oportunidade àqueles que “nunca são escolhidos”. “Se formos só escolher alunos ótimos a inglês, ótimos a matemática e que já viajaram, porque os pais têm essa possibilidade, não é igual. Metade dos alunos tem de ter algum tipo de handicap”, afirma.

Há seis anos ligada aos projetos Erasmus + na ESCT, a professora de inglês e alemão continua-lhe a reconhecer poder transformador. “Agora estou na direção, mas, se pudesse, dedicava-me só a isto e a dar aulas”, sorri. Para o ilustrar, dá exemplos de alunos antes “introvertidos e virados para dentro” que se tornaram mais “proficientes e práticos” ou do “bichinho” dos estudantes agora no Ensino Superior, prontos para nova aventura. O conhecimento relativo ao programa dissemina-se na ESCT, mas também nas escolas do ensino básico. “Cada vez mais os miúdos se apercebem do quão importante é saber uma segunda língua. Depois há a questão da abertura ao mundo, do interesse por viajar”, resume.

Ânia Costa e Pedro Costa concordam. Além de lhe trazer boas recordações da família de acolhimento, calorosa, a passagem pela Catalunha “abriu portas” à estudante do 12.º ano. “Deu nos muita autonomia e competências”, indica. O aluno do 11.º saúda, por seu turno, uma experiência que o fez “sair da zona de conforto e crescer”: “Depois da viagem, tornei-me mais autónomo e ganhei vontade de me desafiar. É uma experiência única. E não se perde nada ao tentar participar”.