Nesta vila há gatos errantes, mas também há quem cuide deles
Enquanto Conceição fala, uma gata circunda o local e solta um miar dissimulado. Códigos de uma relação que já leva mais de oito anos. O felino, de pelo acastanhado, ronda os dez anos e não foi batizada – por ali, habitou-se a "bichaninha". Acostumou-se a procurar conforto junto de Conceição. A relação solidificou-se e é recíproca. “Eles não têm uma casa, não têm comida na mesa. Só têm porque nós lhe damos, só estão assim bonitos porque lhes damos. É uma responsabilidade grande, mas sinto-me bem a dar, a ajudar”, refere.
Conceição Ribeiro é voluntária do projeto “Aqui há Gato!”. Desenvolvido pela Junta de Freguesia de Caldas das Taipas em articulação com o Centro de Recolha Oficial (CRO), destina-se a albergar felinos errantes. Ao abrigo do programa CED (Capturar-Esterilizar-Devolver), o objetivo passa por controlar as colónias de gatos e reduzir as populações felinas silvestres. A pequena construção de madeira, em forma triangular, na Avenida dos Bombeiros Voluntários, trouxe bastantes vantagens para a comunidade, no entender da voluntária: “Os gatos acabam por ter uma vida mais feliz, ter comidinha e onde dormir. E até dá beleza ao jardim.”
Estes abrigos para felinos errantes já existem em vários pontos do país, mas a construção é pioneira no concelho de Guimarães. José Fonseca, responsável por articular a ligação entre voluntária e CRO – onde os felinos são esterilizados, realizam testes e recebem um microchip– reforça a importância deste projeto e da boa-vontade de pessoas como Conceição, que alertou para o problema: “Tínhamos mesmo de atuar. Os gatos têm ninhadas duas vezes por ano e as colónias multiplicam-se, temos que tentar intervir o mais rapidamente possível quando elas são pequenas. Esta cuidadora, pela informação que tinha, já tem acompanhado a colónia há vários anos e foi-me dizendo que estava quase incomportável. Foi aí que nos deu o alerta para fazermos esta intervenção de castração”.
Uma das razões que levou a freguesia a intervir naquela colónia específica foi mesmo “o carácter e a proximidade” que Conceição tem com os felinos. A captura dos animais fica a cargo da cuidadora, que faz uso de armadilhas cedidas pelo CRO. A casinha amarela de felinos errantes foi a primeira, mas o plano agora passa por alargar este tipo de abrigos a outras zonas da vila. Para já, o feedback é positivo. “Nós também queríamos que esta experiência corresse bem. Queremos ver como funciona, sedimentar, observar como é que ela se implementa para, depois de aprendermos com os erros, com experiência, alargar na freguesia. Nós já temos um bom retorno”, explica. Segundo Conceição, daquele espaço já saíram quatro gatos rumo ao CRO. Mas há mais sinalizados. “Entretanto, as pessoas acabam por saber e depois acabam por me contactar. Até temos iniciativa de pessoas que encontram gatos nos quintais”, indica o responsável pela Brigada Verde, José Fonseca.
E é esse espírito de entreajuda, de solidariedade, que José Fonseca sublinha neste processo. É a entrega dos intervenientes que incentiva todas as partes a continuar a trabalhar. “Os cuidadores têm cuidado, preocupam-se. Do CRO tivemos uma recetividade muito grande. Este cuidado, este sentimento que estas pessoas têm pelo bem-estar animal, é de salientar, de salutar. São boas pessoas. Merecem esse destaque”.
Quando os “bichinhos” foram levados para o CRO para o processo de esterilização, Conceição ficou abatida. Mesmo sabendo que os pequenos felinos regressariam pouco tempo depois, o apego aos animais sobrepôs-se. É fruto de uma ligação alimentada durante muitos anos, mesmo antes de cuidar dos muitos gatos que lhe foram aparecendo à porta. “Eu faço algo que se calhar ninguém fazia, que é, quando percebo que precisam de veterinário, eu levo, já gastei um dinheirão”, explica a voluntária.
Cerca de 1000 gatos esterilizados
Guida Brito, veterinária municipal, também realça o papel “importante” destes cuidadores. Como Conceição, há vários espalhados pelo concelho que ajudam neste processo de captura. O CRO já esterilizou cerca de 1000 gatos. No terceiro ano de aplicação do método CED, a veterinária salienta o impacto positivo na comunidade: “Durante muitos anos não havia qualquer controlo, tínhamos colónias muito numerosas, com 50 ou mais animais. É importante que os gatos existam, ajudam a controlar os roedores de uma forma natural e outras pragas. Mas, claro, se for descontrolado começa a causar distúrbios”
E é por isso que projetos como o “Aqui há Gato!” ganham uma relevância acrescida. “Uma das vantagens é que evita a reprodução descontrolada e como temos um sistema de identificação eletrónica conseguimos sempre monitorizar os gatos. Se se perderem, podem ser devolvidos às colónias. Quando estão anestesiados recolhemos sangue e realizamos o teste FiV e FeLD para despiste para doenças víricas que são contagiosas, é importante essa questão sanitária”, resume Guida Brito.O que distingue a iniciativa da freguesia de Caldelas é a colocação do abrigo. “É uma vantagem”, indica, até porque “eles vão lá comer, descansar, consegue-se ver se estão doentes, se não estão, fazer uma monitorização mais direta”. “É sempre gratificante. É uma forma de os animais poderem socializar também, porque vão permitindo a aproximação das pessoas. Não os vamos privar da sua liberdade”. No caso de os felinos ainda serem pequenos, o CRO tenta arranjar uma família; aos mais adultos, como essa possibilidade fica vetada – “não se dão, sentem-se ameaçados numa casa”, o método CED permite aos felinos continuarem a “vida nómada”, tendo por perto os cuidadores que garantem o seu bem-estar.
Palavra de ordem: sensibilizar
No entender de José Fonseca, esta iniciativa dá seguimento a um trabalho que tem vindo a ser feito no sentido de “sensibilizar as pessoas para o bem-estar animal”. A casinha que foi construída na Avenida dos Bombeiros Voluntários é uma “mensagem importante” e um aceno à comunidade taipense que mostra que estes assuntos continuam na agenda. O parque canino, inaugurado no ano passado, foi a primeira estrutura do género do concelho. O lema aplicado ao “Aqui há gato!” é o mesmo: “Os animais são nossos amigos”. O responsável indica que tem conhecimento de outras colónias na vila e para aí vão ser dirigidos esforços para mitigar o crescimento da população felina.
Segundo a Animais de Rua, uma associação que tem auxiliado outros municípios a adotar o método CED, este programa acaba por trazer benefícios à colónia e à comunidade. É que se a população vai diminuindo com o tempo, há uma redução drástica de barulho e os felinos controlam a presença de roedores, também acaba por se traduzir em menos gatos silvestres, menos abates e a ampliação de ações de voluntariado. Conceição espera que haja mais pessoas a cuidar. No final do dia, depois de mais horas de convivência com a colónia que "adotou" há oito anos, sente-se "feliz, de consciência tranquila”.
* Com Carolina Pereira