Nas escolas das Taipas, há portas que reabrem ao toque das crianças
Os jardins de infância e o 1.º Ciclo do Agrupamento de Escolas das Taipas têm quase mais 100 alunos face ao ano letivo transato. A crescente procura escancarou algumas salas até agora fechadas, em Agrolongo, escola na União de Freguesias de Sande São Lourenço e Balazar, num processo com participação dos pais, e na escola da Igreja, em São Martinho de Sande. Noutras, foi impossível fazê-lo: a Charneca e o Pinheiral, na vila termal, estão lotadas. Com crianças a residirem numa freguesia e a matricularem-se noutra, direção realça progressiva homogeneidade entre as escolas na qualidade educativa.
De bata e chapéu de balde, crianças brincam no escorrega, no cavalo mola ou em torno de um pequeno iglu, evitando expor-se demasiado ao calor. O sol matinal brilha sem nuvens, mas o espaço de brincadeira é o recreio da Escola Básica de Agrolongo, na União de Freguesias (UF) de Sande São Lourenço e Balazar. As férias já eram e o ano letivo está aí em força, com as salas de aula, o refeitório, os cheiros a as cores dos materiais a reemergirem como palco para as relações que entrelaçam professores, assistentes operacionais e alunos. Helena Pereira supervisiona o recreio; depois de ter chegado à escola em 2022/23, a docente assume a coordenação em 2023/24, ano de vincado crescimento nas matrículas.
O número de crianças aumentou de 50 para 73 – quase 50% - e criou a pressão suficiente para a reabertura de duas salas daquele edifício. Uma ostenta as mesas dispostas em “u”, com pequenos cestos para material de escrita e desenho cuidadosamente alinhados. É a nova sala do 1.º ano. Noutra divisão, as mesas são redondas e espalham-se por toda a área, com exemplares de Lego para um canto, lápis de cor para outro e exemplos de fruta para um terceiro. É ali que algumas das crianças em idade pré-escolar passam muito dos seus dias.
Tudo está a ser mais complexo do que no ano passado, mas também gratificante, confessa a professora ao Reflexo. “Acaba por ser diferente gerir o início do ano letivo. É gratificante ter mais crianças. Como temos mais salas, temos turmas mais pequeninas e estamos a trabalhar muito bem”, descreve. Sete anos depois de quase fechar portas, a escola vê-se a crescer, ainda com espaço para receber mais alunos. “Ainda podemos acolher mais alunos. Se houvesse mais procura, ainda tínhamos turmas em aberto, a não ser uma do ensino pré-escolar”, esclarece a professora com 26 anos de carreira.
“Quando nos disseram que iam abrir as salas, sabíamos perfeitamente que tínhamos condições para isso. Os pais estão muito felizes. As crianças também estão. Está a correr tudo bem com o aumento”, Cristina Almeida, presidente da Associação de Pais da Escola Básica de Agrolongo
O que explica então esta súbita primavera na demografia escolar após anos de inverno? Uma das razões, diz Helena Pereira, é o “aumento da natalidade” naquela UF. São Lourenço de Sande e Balazar estão na minoria das freguesias vimaranenses cuja população cresceu entre 2011 e 2021; segundo o mais recente Censos, o número de habitantes cresceu 3%, para os 1.583. A UF também se destaca como o território que menos crianças perdeu no norte do concelho; a população até aos 14 anos diminuiu 1,2%, dos 246 para os 243 habitantes, quando os territórios em redor viram o número de crianças diminuir 10% ou mais.
Já as condições da escola, quer a nível interior, quer exterior – tem ainda um amplo espaço arborizado e campo de jogos -, são outro fator de atração para os pais da UF e também para os de freguesias vizinhas. “Temos crianças de freguesias vizinhas - Caldas das Taipas e São Martinho de Sande. Temos um espaço físico onde podem andar livremente nos intervalos”, descreve a coordenadora.
A crescente afluência de crianças não é exclusiva de Agrolongo, porém. É a tendência global do agrupamento; o número de matrículas subiu de 1.363, em 2022/23, para 1.422, neste ano letivo (4,3%). Os jardins de infância têm 267 crianças, mais 31 do que no ano letivo transato (subida de 13,1%), enquanto as escolas do 1.º Ciclo atingiram os 484 alunos, mais 60 do que em 2022/23 (aumento de 14,1%). A pressão nas idades mais tenras colmata a quebra de alunos no 2.º e no 3.º ciclos de um agrupamento que já crescera de 2021/22 para 2022/23. “O crescimento de 2021/22 para 2022/23 foi de quase 18%. Neste ano, atenuou-se, mas está acima dos 5%”, compara o diretor do AE Taipas, João Montes.
Líder do agrupamento desde 2019, o professor salienta que “a maior pressão nas escolas de maior centralidade”, as do Pinheiral e da Charneca, já lotadas, contribuem para a disseminação dos alunos por outras escolas do agrupamento. Mas o padrão de qualidade educativa assemelha-se cada vez mais entre as escolas, o que facilita a mobilidade das crianças entre freguesias, argumenta. “Os pais vão percebendo que não é a geografia onde as escolas estão que dita o serviço de educação, mas a qualidade desse serviço. Estamos cada vez mais próximos de uma grande homogeneidade”, explica, vincando a “perspetiva cada vez mais integrada da ideia de agrupamento”.
“Sabíamos que tínhamos condições”
O diretor do AE Taipas salienta ainda a cooperação das associações de pais no arranque do ano letivo. No caso de Agrolongo, a associação criada há dois anos reivindicou a abertura de novas salas depois de se habituar a ver algumas das crianças da freguesia reencaminhadas para Caldas das Taipas ou para Longos. “Já tínhamos crianças, mas as nossas crianças eram reencaminhadas para outras escolas. Neste ano, batalhámos muito para conseguirmos abrir mais salas”, descreve ao Reflexo a presidente, Cristina Almeida.
Face à crescente afluência ao ensino pré-escolar, os pais estavam avessos à deslocalização de algumas das crianças para freguesias vizinhas, quando havia a possibilidade de abrir mais salas em Agrolongo. Por isso, reencaminharam vários e-mails para o AE Taipas, insistiram na abertura de salas e foram bem-sucedidos, conta a responsável, mãe de uma criança do 1.º ano. “Quando nos disseram que iam abrir as salas, sabíamos perfeitamente que tínhamos condições para isso. Os pais estão muito felizes. As crianças também estão. Está a correr tudo bem com o aumento”, descreve.
A coordenadora de Agrolongo enaltece o trabalho da associação de pais, em rede com a escola, o AE Taipas e a Junta de Freguesia como exemplo de “colaboração estreita e muito saudável” para a comunidade. “Foi crucial essa ligação à escola. A comunidade não está ausente. Todas estas entidades de que falei estão articuladas, a tentar que a escola tenha mais crianças, com as condições que tem, maravilhosas”, realça Helena Pereira.
A docente vinca, aliás, que as crianças “sentem-se ali em casa”, pela adesão que existe às Atividades de Apoio à Família e às Atividades Extracurriculares, iniciativas facultativas que estendem a sua permanência na escola básica desde as 07h30 até às 18h30, colmatando assim a indisponibilidade dos pais para estarem com os filhos. “Sentem-se como se estivessem em casa. Esta escola é uma família. Não há pré-escola, nem 1.º Ciclo, nem educadora x, y ou z. Somos todos. Estamos todos a trabalhar para as crianças”, reitera.
Procura em Sande devolve às crianças uma das (várias) salas vazias
Outros dos fenómenos que pode contribuir para a crescente procura pelo AE Taipas nas mais tenras idades é o das migrações, admite João Montes. Essa perspetiva está em linha com o que adiantou a vereadora municipal para a educação, em setembro; Adelina Paula Pinto referira que o número de alunos em Guimarães entre 2022/23 e 2023/24 subiu de 17.200 para 17.700, mas o efeito é pouco sentido em Agrolongo. Naquela escola, um menino de nacionalidade indiana é a exceção num contingente com nacionalidade portuguesa.
Na Escola Básica da Igreja, são três as crianças com nacionalidade estrangeira: um menino brasileiro e duas meninas francesas. “Não temos tido dificuldades de comunicação. As meninas francesas não sabiam o português, mas trabalhámos com elas a língua portuguesa. Nesta altura, estão no 4.º ano e falam corretamente o português”, descreve Manuela Correia, coordenadora da escola de São Martinho de Sande.
Há 15 anos ao leme daquela unidade com a silhueta típica do final da década de 70 e do início da década de 80 do Século XX, a professora também se depara com mais crianças neste ano letivo: o número subiu de 105 para 115. Embora ligeiro, o aumento chegou para reabrir uma das várias salas vazias; a circunstância contraria a perda de crianças que Manuela Correia presenciou ao longo dos anos, em linha com a quebra demográfica da freguesia: entre 2001 e 2021, a população diminuiu 22%, de 2.880 para 2.239 habitantes, segundo os Censos.
“Não podemos acolher mais alunos, mas tivemos imensas inscrições. Tínhamos muitos alunos com a Charneca como primeira prioridade”, Ricardina Silva, coordenadora da Escola Básica da Charneca
Aquela divisão constitui agora uma segunda sala para jardim de infância; no ano passado, a escola tinha 25 crianças para JI, precisamente o número limite de uma sala. Como neste ano, recebeu 28, distribuiu-as por duas turmas, uma com 15 e outra com 13 alunos. A mudança foi recente e as disparidades entre as salas ainda são notórias: numa, há material de tons vários que reveste as mesas e os armários, uma minibiblioteca e o espaço para brincadeiras mais livres cuidadosamente alinhado num dos cantos; na outra, o ambiente é mais despido.
"Ainda está a faltar material: mesas, cadeiras, armários, os cantinhos da brincadeira para o pré-escolar. Isso ficou de vir, mas ainda não recebemos. Isso demora, porque depende da aprovação de concursos”, explica a coordenadora. Para colmatar essas lacunas, as professoras levam material próprio para a escola - jogos e livros. Pese essa escassez e também o próprio formato das mesas e cadeiras – “podiam ser mais ergonómicas, mas estão dentro do normal”, constata Manuela Correia -, a escola dispõe de “imensos espaços para brincar” no exterior e de um espaço polivalente no interior, útil em dias de chuva, embora de área reduzida se se quiser albergar todos os alunos ao mesmo tempo. “Poderíamos ter mais espaços cobertos, mas não nos podemos queixar. Há escolas piores do que a nossa”, vinca, relembrando que a Escola Básica da Igreja tem várias salas vazias, passíveis de utilização.
Com alunos de São Martinho de Sande, mas também de freguesias vizinhas, a Escola Básica da Igreja é a nova casa de Alexandra Gonçalves, professora há 26 anos. Ao lado de Manuela Correia, a docente afirma estar numa escola com condições, pese a falta de algum material, nomeadamente mobiliário.
Limitação de espaço favorece “ambiente familiar”
Numa das escolas básicas de Caldas das Taipas, a da Charneca, há inscrições que ficaram sem resposta; no ensino pré-escolar, há 50 alunos distribuídos por duas salas. “Não podemos acolher mais alunos, mas tivemos imensas inscrições. Tínhamos muitos alunos com a Charneca como primeira prioridade”, constata Ricardina Silva, coordenadora daquela escola há quatro anos.
Ladeada por uma das principais vias rodoviárias da vila termal, pelo pavilhão do CART e pelas correntes de vivendas em torno, aquela unidade de ensino não tem por onde crescer, prossegue. Se tivesse, abrir-se-ia uma outra sala para jardim de infância, face à procura. Assim, a coordenação da Charneca define prioridades no acesso ao JI; fá-lo por idades, privilegiando as de cinco anos, depois as de quatro e, por fim, as de três. Crianças de cinco anos no preenchimento de eventuais vagas. “Há crianças que vêm, por exemplo, do Centro Social [das Taipas] aos cinco anos. Os pais inscrevem-nos cá e têm logo prioridade porque são as mais velhas no pré-escolar. O objetivo é depois transitarem para o 1.º Ciclo”, descreve.
Esse ciclo também está preenchido, com turmas de 24 alunos ou de 20, caso haja pelo menos um aluno com necessidades educativas especiais. A prioridade é dada a quem frequenta o Jardim de Infância, cabendo as restantes vagas a quem se candidata de fora da escola; neste ano letivo foi possível integrar um menino brasileiro no 4.º ano devido à saída de algumas das crianças desse ano. É uma das três crianças dessa nacionalidade matriculadas na Charneca, estando as outras duas no ensino pré-escolar.
A falta de espaço limita o crescimento da escola, mas também propicia a proximidade que aí se vive, com professores e funcionários a terem tempo e espaço para “darem atenção a todas as crianças. “Há um ambiente familiar que nos ajuda. Há muita proximidade. Quando as crianças vão para o 1.º Ciclo, já sabem, à partida, qual é o professor que vai ficar com elas, já o conhecem das atividades. Acaba por ser bom nesse sentido”, diz Ricardina Silva, a propósito de uma escola inaugurada em 1995, com um espaço exterior que alberga campo de futebol com relvado sintético, campo de basquetebol e uma pequena área coberta.