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Obras atrasam e o cliente “desaparece”: “Não sei se aguentamos até ao fim”

Pedro C. Esteves
Sociedade \ quinta-feira, outubro 20, 2022
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“Se nos dizem que é para meio ano, faz-se um bocado de sacrifício; agora é mais um…”. A obra estender-se-á para 2023 e lojistas pedem esclarecimentos. Município promete “mitigar as dificuldades”.

Os pneus grossos dos camiões rolam sobre a terra batida e misturam-se com o som agudo do assobio mecânico de uma retroescavadora. Miguel Silva já se habitou – é assim há meses. “O pessoal está farto, vemos casas de comércio a levar na cabeça, a gente não suporta as despesas, já não dá, isto está muito caótico”, diz. O Quiosque Jardim está na “linha da frente” do batalhão de maquinaria que desfila na Avenida da República e há desânimo na voz do comerciante. Fala num “impasse brutal” que está a empoeirar perspetivas de retoma.

O quiosque de Miguel Silva está “estacionado” no coração da artéria principal de Caldas das Taipas há 40 anos. Já não se vendem os 120 exemplares do Jornal de Notícias ao domingo como há largos anos, mas os leitores foram desaparecendo ainda antes da intervenção de requalificação do centro cívico estar no papel. Agora, não faltam somente os que iam em busca de notícias. Faltam também os outros. “Tenho sentido na pele que o negócio está a levar na cabeça e, no mínimo, veio para metade. O dinheiro que faço agora já não me dá para pagar as despesas que tenho, é uma quebra de 50%”, desabafa. Fala com o Reflexo numa tarde de sexta-feira – em tempos, o melhor dia para a casa – e atende quem chega para tentar a sorte em (mais uma) raspadinha – quem se aproxima do balcão para tentar a sorte pede “uma que tenha prémio”.

 

“Vimos para o emprego e estamos presos”

Tem mais tempo para folhear jornais. Diz que viu num “aqui há atrasado” que os trabalhos no terreno acabariam em maio (ver cronologia ao lado). Entretanto, soube-se que “trabalhos complementares” fizeram com que a obra fosse prolongada por mais 370 dias para além do prazo apontado para o fim: este mês de outubro. “Se nos dizem que é para meio ano, a gente faz uma bocado de sacrifício; agora dizem que é mais um ano, até outubro. E depois vamos ver se é para o Natal”.

Quem também espera que “a obra termine nos prazos definidos” é Domingos Bragança. O presidente da Câmara Municipal de Guimarães foi interpelado na última Assembleia Municipal a propósito da prorrogação para a conclusão da empreitada, mas ressalvou: “Nem eu, nem o empreiteiro, nem ninguém, poderá dar certezas quanto à conclusão da obra”. E explicou: “Está firmado contratualmente que a obra terminará neste prazo, mas se o processo que vivemos mundialmente, aqui em Portugal também, levar a falta de mão-de-obra ou a outras situações emergentes, ninguém pode garantir nada”.

O autarca disse ainda que o município “estará” com a Junta de Freguesia, com as entidades e com os comerciantes “a tentar explicar tudo o que se passa, a tentar mitigar as dificuldades que uma obra desta envergadura implica”. Para já não tem acontecido, afirma Alberto Silva. A Taipas Joias está na cota superior da Avenida da República. Desde que o arruamento começou a ser intervencionado, olha pela janela e vê o andamento “aos quadradinhos”.  “Deixaram-nos este corredorzinho”, indica, enquanto aponta para o passeio esguio que passa à porta, “e parece que estamos atrás de grades, presos”. “Vimos para o emprego e estamos presos”, lamenta.

 

Desapareceu o cliente

Alberto não é contra as obras e espera pelo dia em que “vai estar tudo arranjadinho”, mas, entretanto, “desapareceu o cliente”. Tal como no caso de Miguel Silva,  o “negócio caiu mesmo muito”. “Esta rua aqui está para aí uns seis meses em obras. Já fizemos o verão assim, já entrámos numa monotonia, já faz parte do quotidiano. O mal disto não é a intervenção, é começarem e não acabarem”, atira.

Alberto Silva diz ainda que o que podia aplacar o desconforto se chegassem mais informações sobre a forma como a intervenção está a ser feita.  “O que me revolta é não ver a junta e a CMG não dar explicações. A junta mesmo não tendo poder sob a obra devia ter alguém, um mediador, que viesse falar connosco e tentar explicar porque é que temos de aguentar mais um ano. Ou porque é que isto é tão lento, nem que seja só para conversar. Ajudava”, refere.

Na última Assembleia Municipal, José Fonseca, em representação da junta, vincou que os elementos do executivo “são inúmeras vezes interpelados na rua e nos atendimento  sobre o andamento dos trabalhos e a data estimada para finalização da obra”. Só que não há “resposta concreta para dar”. “As pessoas não compreendem a falta de informação, consubstanciada em explicações das opções de abertura de novas frentes de obra, do corte de arruamentos e da inconclusão das frentes mais antigas”, relatou o secretário da Junta de Freguesia – o tema foi também debatido na Assembleia de Freguesia (ler mais nas páginas 08 e 09).

“As pessoas já percecionam a complexidade do entrosamento das inúmeras especialidades que envolvem a realização da obra e já tomam o pulso á sua verdadeira dimensão e abrangência. Nesta obra, a primeira fase, a da destruição, carregou, e ainda carrega, a nostalgia e a saudade do existente. Esta fase foi difícil do ponto de vista emocional”, continuou. José Fonseca adiantou ainda que o empreiteiro “está a envidar esforços para concluir a circulação automóvel pela via definitiva da Avenida da República para a rua de Santo António”. “No entanto, é urgente finalizar a outra extremidade, que estabelece a ligação bidirecional à rua da Lameira”, sublinhou.

 

A sul... nada de novo

A obra de requalificação do centro cívico das Taipas avançou para a parte inferior da Avenida da República, no troço entre os Correios e a Praça Dr. João Antunes Guimarães, em março. Mas o cenário que abrange a artéria principal da vila já é conhecido há mais tempo na zona sul. Desce-se a Avenida Trajano Augusto e o espaço existente entre os Banhos Velhos e as Termas das Taipas, local onde as obras se iniciaram, continua a ser intervencionado. Há um grande retângulo alaranjado, por onde se continuam a atravessar máquinas e homens de trabalho.

“Estamos a falar de prejuízos imensos, basta comparar faturações. E ninguém dá soluções”. Não bastava a inflação, também o atraso nas obras prejudica diariamente o negócio de Sílvia Carina Ribeiro, proprietária de um mini-mercado na Rua Professor Ilídio Lopes Matos. “Estão a conseguir estragar o comércio aqui nas Taipas, eu não sei se aguentamos até ao fim das obras, se aguento mais um ano com isto assim, eu tenho clientes semanais que chegam ao cúmulo de me dizerem: ‘Eu não sei como é que vou para aí’. E eu não posso ficar chateada. Fico triste, perco clientes”.

Depois, há os “remendos” que não dão garantias a quem vem. Por exemplo, para facilitar o acesso a pessoas de mobilidade reduzida ao mercadinho, Carina teve de pedir para colocar um par de pedras a fazer de degraus. E se é verdade que foi aberto um passadiço para facilitar o acesso às lojas, a terra ainda não é lama – e os meses de inverno aproximam-se. “Vai chegar a chuva, e vai ser pior. Estamos indignados”, afirma. E prossegue: “Acho que mesmo a CMG podia ajudar com o suporte de despesas inerentes às dificuldades, com ajuda da luz e da água”. A comerciante adianta que já reportou a ideia ao município, mas ainda não obteve resposta.

“Não sei se vai ser mais um ano, não que pode haver falta de pessoal, sei que são coisas que podem acontecer, mas podia haver mais coordenação. Chegámos a um ponto em que isto se vai arrastando e nós sobrevivemos porque temos pessoas daqui que são nossas amigas e que continua a comprar cá”, reporta.

 

Coreto discutido na Assembleia de Freguesia

Uma das principais dúvidas relativamente à intervenção de requalificação do centro cívico da vila prende-se com o coreto. Vai ou não ser demolido? Na última Assembleia de Freguesia (ver o relato na página 08 e 09), o presidente da Junta de Freguesia indicou que “não vai abaixo”.  “Do que tenho conhecimento do processo, com as alterações que pedimos para introduzir, o coreto não vai abaixo”, afirmou, em resposta a uma interpelação de Constantino Veiga. O antigo presidente de junta tinha questionado o executivo relativamente ao muro de betão que está a ser erguido na zona envolvente do coreto e apontou ainda o dedo ao “caos” urbanístico em que a vila se encontra.