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Há qualquer coisa de “gostosa” nas Taipas que leva brasileiros a viver cá

Carolina Pereira
Sociedade \ domingo, dezembro 26, 2021
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O carisma é inconfundível, mas para o comum cidadão é preciso ouvir para perceber se estamos diante de um brasileiro. Muitos brasileiros acabaram por adotar as Taipas como casa.

Bem no centro da pitoresca Vila de Caldelas, uma bandeira verde está estendida numa vitrina e é representante do país onde Cátia, Paloma e Carol são nativas – Brasil. Cátia Coelho está pelas Taipas faz 19 anos, Paloma Vargas três e Carol Oliba 13. Chegaram por motivos diferentes, mas com uma coisa em comum: o sentido de aventura. Assim que surgiu oportunidade, todas meteram mochila às costas e voaram.

Carol veio realizar o seu mestrado na Universidade do Minho, tinha intenções de terminar a sua dissertação em Goiana, mas o casamento mudou-lhe os planos e veio viver para a vila do marido. Quanto a Cátia, é num tom alegre e cantado, como se ritmado pela música que toca de fundo, de Gino&Geno, que partilha a sua história. Veio seduzida por uma amiga que lhe ofereceu ajuda a arranjar uma vida melhor. A bela-horizontina vem de uma família humilde e sublinha que nunca passou fome, mas, para dar uma ajuda maior aos pais, precisou de os deixar por lá, com apenas 21 anos. “Sabe que o Brasil é muito rico, mas uns ficam com tudo e outros ficam com nada. Eles falam que existe classe média porque lá se considera de classe média quem consegue trabalhar, comer, beber e andar. É que tem uns que não consegue nem sobreviver. Eu pensei na altura: do que adianta ficar na beira dos meus pais e não os ajudar?”. Foi ao trabalhar em festas de rua e um dia visitar Caldelas que se encantou pela beleza deste lugar, que foi o bastante para cá ficar. Paloma também queria um novo rumo na sua vida. Veio porque “estava cansada de lá estar” e por motivos pessoais. Enquanto lá estava pensou: “Um dia vou sair desta cidade e vou morar em Portugal, não sei onde, mas vou”. Achava que seria fácil, mas ficou dois anos sem ver a sua filha, que ficou por Porto Velho,capital do estado de Rondônia.

Ao contrário daquilo que se possa pensar, há uma comunidade numerosa de brasileiros pelas Taipas. E se para o comum cidadão é preciso ouvir o sotaque para a reconhecer, para Cátia Coelho, proprietária da Bifanas House, basta olhar.

“Ninguém imagina o tanto brasileiro que tem! Somos mais de uma centena. Às vezes estou aqui em pé e passam brasileiros que eu já nem conheço. Mas basta ver andar ao longe que eu falo “é brasileiro”, nem preciso de ouvir, nem vou pelo tom de pele, eu reconheço o jeito. É diferente. O jeito de sorrir, porque se for uma coisa de piada nós rimos a sério. Brasileira anda mais gingada, é o nosso jeito até por causa da correria do nosso dia a dia lá. Aqui é sossegado, mas ainda temos esse ritmo”.

"A gente imagina isto igual a Natal: um mundo cheio de luzes, bonito ()... e sem problemas"

Diz-se que Portugal e Brasil são países irmãos. Há quem concorde e há também quem diga que “nem primos”, porque ainda há “preconceitos” e “rivalidade” por cá, que ainda hoje as brasileiras dizem sentir. Cátia não gosta quando tentam imitar o sotaque brasileiro, mas pior, é quando oferecem um prato específico. “Quer matar uma brasileira? Chegue e diga “temos picanha”. Quem dera que toda a brasileira lá no brasil pudesse comer picanha! Picanha é o preço do bacalhau aqui. Um bom bacalhau é caro!”, brinca.

Já no outro lado do oceano, segundo Paloma e Cátia, há uma ideia formada de que Portugal é como “um sonho” e que tudo é mais fácil. “A gente imagina isto igual ao Natal: um mundo cheio de luzes, bonito, como se aqui fosse andar nas nuvens, sem problemas, sem fome, sem gente feia (risos). Depois chegamos e pensamos: ‘Ui não tenho a mãe, nem pai, nada, tenho de trabalhar para encher o buchinho’”, partilha uma das brasileiras.

Para todos os efeitos, o facto da língua ser idêntica chama imensos brasileiros a Portugal e torna parte da sua adaptação mais fácil do que noutro país estrangeiro. Para Carol, entrosar-se neste meio foi relativamente fácil, já que sente que são países muito próximos. “Não sinto saudades porque Brasil e Portugal é tão próximo, há aqui tudo. Liga-se a televisão e há TV Globo, vai no supermercado e tem tapioca, há restaurantes, rodízio, também se consome música brasileira, há tudo. Não sinto que o Brasil seja algo tão longínquo assim”, comenta.

Se há coisa que Cátia adora é a familiaridade existente na Vila, em que facilmente vai a um café ou talho, e que pelo facto de já a conhecerem, caso não tenho dinheiro suficiente, paga noutra altura. Conta que lá no Brasil isso é impensável, que aquilo é tão grande, que sabem que nunca mais vêm a pessoa. Ainda assim, por mais “gostoso” que o envolvente da zona seja, só há um aspeto a que o sangue brasileiro não se adapta: o frio. “A gente nunca acostuma, vocês nascem com estrutura para o frio, a gente não nasce, nos nossos ossos parece que dói.”.

Só que, nos primeiros tempos por cá, o frio era a menor das preocupações. A dificuldade inicial de gerir o dinheiro fez quer Cátia, quer Paloma absterem-se de visitar o Brasil nos três primeiros anos. Depois disso, nunca se inibiram. Até à pandemia, quando Cátia teve o cruzar da felicidade do nascimento do seu segundo filho com a perda do seu pai. “Tive um bebé antes da pandemia e queria ir lá para dar a conhecer o menino aos meus pais. Entretanto o meu pai faleceu em março e eu não o vi porque estava tudo fechado. Dois anos que não vou por causa da pandemia. Isso foi o que mais me custou. Sempre deixei dinheiro de lado no caso de alguma fatalidade e isto aconteceu. Por isso é que digo que o dinheiro não é nada. Nunca fui apegada e agora muito menos. De que me valeu? Perdi um dos meus bens mais preciosos. Desses anos todos foi o que de mais triste me aconteceu”.

Paloma veio sozinha mas não se resignou e fez com que a sua filha viesse ter com ela. Até aí, não se sentia verdadeiramente em casa. “Eu pensava: ou eu volto ou ela vem, sem ela eu não fico. Chorava muito. Ela veio e a coisa piorou porque sozinha com uma criança e ter de conseguir gerir horários, pagar ATL e tudo foi muito difícil. Mas não me arrependo de nada, se eu soubesse que teria de passar por tudo isso para ter a vida de hoje, se era o preço a pagar, faria. Posso dar educação, segurança e qualidade de vida que não conseguiria lá em Porto Velho”, afirma Paloma Vargas.

Tudo acabou por ir ao sítio. Cátia tem vários membros da sua família por cá, Paloma tem também marido e a filha e por mais apertadas que as coisas possam ter ficado, há algo de que se orgulham: “Como eu consegui esta estabilidade? Corri atrás. Não paguei casamento e não me deram dinheiro. Existe isso e eu não quis. A vida é uma aventura”.

O destino acabou por juntar Paloma e Cátia, que agora são grandes amigas. Conheceram-se cá, na cabeleireira, e desde então que têm de ter um momento do dia para ambas. Juntas, lembram as festas anuais de churrasco, a que se costumavam juntar com outros brasileiros da zona, antes da pandemia, com muita comida e dança à mistura.

Carol não conhece outros brasileiros, anda mais pela estrada, de cidade em cidade, enquanto comercial. Diz que para já está bem por aqui, gosta da comunidade, mas não tem planos. Não é do Brasil, ou das Taipas, é “uma pessoa de vários lugares”, assim como todos os que se adaptam.

[ndr] artigo originalmente publicado na edição de dezembro do Jornal Reflexo.