Gado, laranjada e cântaros de barro: o que há em comum? Santa Marta
José Costa Gonçalves, mais conhecido por José do Passal, tem um histórico de 78 anos e viveu-os todos por Santa Cristina de Longos. Nasceu na Quinta do Carvalhal, mudando-se aos 12 anos para a do Passal, onde reside desde então. Com apenas seis anos, já madrugava e calcorreava a estrada de Santa Marta, fazendo companhia aos pais até à feira gado de Braga, todas as terças-feiras.
Na altura, década de 50, o caminho de Santa Marta era o único que existia para quem quisesse ir ao Santuário ou à cidade de Braga. Um típico caminho de carro de bois, onde José se relembra de ter sido trapaceado pela terra batida, que fazia o caminho. Isto porque, em pequeno, o residente da freguesia de Longos, tinha a responsabilidade de ir com o seu irmão mais velho comprar cântaros de barro. Um dia, numa dessas missões, um simples escorregão fê-los partir os jarrões que seguravam. Se esses tipos de peripécias aconteceram muitas vezes, ou se chegou a receber punições da parte dos seus pais, José não se lembra (talvez simplesmente não se queira recordar). Hoje faz apenas a ponte para essa memória com um sorriso no rosto e algumas gargalhadas.
Além das duas horas de trajeto a pé, subia-se aquele caminho com a responsabilidade e a lentidão de guiar cerca de 40 animais. Até à feira, os caminhos eram preenchidos por pessoas, muitas pessoas, que iam com o mesmo objetivo de negócio, juntamente com gado e rebanho amarrados e os seus cestos de hortaliças para vender. Vendia-se o pouco que se possuía. Na altura, a fome era plural. “Aquilo era uma crise! Eu ia com a minha mãe à feira e nós, para comermos um arroz ao meio-dia, ao domingo, levávamos um quarto de milho. Um quarto porque aquilo não era ao kilo antigamente, era por medidas antigas como a rasa, meia rasa, um quarto e meio quarto. Então ela arranjava meio quarto e trocávamos por arroz para comermos.
Durante a semana era uma miséria, uma sopita, arroz raramente, massa nunca se via. Era só arroz, sopa, batatas cozidas. Nem penca,
nem esta fartura de agora. Nós criávamos bezerros e vendíamos já grandes. Era como se ganhava os tostões, porque os meus pais tinham de gerir a quinta e pagar o aluguer.”, relembra José.
Se era duro para um adulto, o que seria para os pés de uma criança. Mas José do Passal também recorda bons momentos e as partes que mais gostava nessas jornadas. Conta que, ao longo da caminhada, ao chegar a Fraião, encontrava uma Tasca, a Tasca da Candidinha da fonte seca, onde se parava e se juntava o útil ao agradável: ora se vendia pipas de vinho tinto, ora se bebia. E essa era a melhor parte. À vinda da feira, já cansados e de boca seca, habitualmente paravam lá e, num regalo, “toca a beber aquilo que havia na altura. Não havia cerveja, mas havia laranjada, feito com sumo de laranja.”
A rotina de José centrou-se durante muitos anos naquele caminho e nas ajudas que dava aos pais no mercado. Foi assim andando, sem grande tempo para lazer, até aos 14 anos, altura em que se tornou operário da Somelos, fábrica de fiação e onde apreendeu 30 anos de experiência. Aos 17 decidiu casar e mudar de casa para a propriedade da esposa. Teve pouco tempo longe da casa que o acolheu aos 12 anos.
Atualmente vive aí, na Quinta do Passal, onde deu uma volta à sua vida e é dono de uma confeção. Já lá vai o tempo em que partia cântaros.