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Corredor de Humanidade: "uma gota" das Taipas chegou à Ucrânia

Bruno José Ferreira
Sociedade \ quinta-feira, abril 28, 2022
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A Escola do Pinheiral recebeu três crianças oriundas da Ucrânia. Pessoas e instituições uniram esforços e a vila foi das primeiras a organizar-se para ajudar as vítimas do flagelo da guerra

O conflito ainda estava numa fase embrionária; eclodiam as primeiras bombas na Ucrânia quando nas Taipas também soaram as sirenes de alerta. Era necessário ajudar e a Junta de Freguesia de Caldelas pôs mãos à obra, contando com uma peça determinante para reagir à guerra no país do leste europeu após a invasão russa. Volodymyr Bezuglyy está radicado nas Taipas há doze anos e, mesmo a uma distância de mais de quatro mil quilómetros, assumiu como pôde a linha da frente.

O imigrante pediu férias e tem sido incansável a reunir bens essenciais para depois os transportar para a Ucrânia. Já se deslocou por duas vezes à fronteira com o seu país, à Polónia, para transportar esses mesmos bens e depois trazer refugiados para o nosso país, mais concretamente para Guimarães e para as Taipas. Com o precioso auxílio de Volodymyr a Junta de Freguesia de Caldelas embarcou nesta missão solidária e contribuiu com a sua “pequena gota”, conforme dá conta Patrícia Correia, membro do executivo da junta responsável pelo pelouro da Ação Social.

“Mobilizámo-nos rapidamente. Talvez o facto de termos connosco pessoas da comunidade ucraniana, de estarmos tão próximos e de percebermos o drama que estava a viver, não podíamos ficar indiferentes nem ficar parados. Tínhamos de fazer alguma coisa. A nossa mobilização deu frutos e pudemos ajudar. Sei que é uma ajuda pequena, uma gota no oceano, mas é uma gota que faz falta. Todas as gotas é que fazem o oceano. É um pouco isto”, refere Patrícia Correia ao Reflexo.

Mesmo antes de o município ter desenvolvido a campanha de recolha de bens em articulação com as juntas de freguesia de todo o concelho, já no caso das Taipas se davam passos no sentido de garantir que a população angariava bens como alimentos, medicamentos ou vestuário. “No último dia de fevereiro já tínhamos organizado o espaço e já tínhamos articulado a possibilidade de enviar através de um camião os bens para a Ucrânia. Foi nesse dia que iniciámos a recolha. Obviamente que a partir do momento em que a Câmara Municipal também se mostra empenhada nesta causa, que não deixa de ser uma causa humanitária, nós associámo-nos de imediato à Câmara Municipal de Guimarães”, recorda.

“É o meu país. Queria logo ir lutar, mas percebi que aqui podia ajudar mais”

Volodymyr não precisa de registos. Está na cabeça o número de quilómetros percorridos na epopeia entre as Taipas e Varsóvia: 7150 quilómetros. “Não tenho uma ideia do número de quilómetros, sei ao certo”, atira o ucraniano de 44 anos que é motorista de transporte de automóveis. Talvez por isso não olhou a meios nem colocou qualquer entrave em fazer-se à estrada. Mas, em conversa com o Reflexo explica que os valores em causa são outros. Como se decide embarcar numa aventura destas? “É o meu país, o nosso país”, refere com uma pausa logo de seguida quase não percebendo a questão. “Mal vimos a situação ligámos para os pais, amigos, irmãs... tenho amigos por toda a Ucrânia. No início queria ir para lá lutar, mas a minha esposa convenceu-me a não ir. Com calma percebi que os meus amigos estavam todos em casa na minha cidade, a fazer barricadas na rua, mas ainda tudo tranquilo. Percebi que aqui podia ajudar mais”, explica Volodymyr.

À chegada à Polónia deparam-se com seis graus negativos. Dormida num hotel aqui, pernoita com maior dificuldade ali. Refeição grátis na Alemanha num espaço criado por voluntários, generosidade já em Espanha. Uma história que emociona. “Em França, no hotel, um senhor da Roménia deu-nos logo 100 euros para ajudar; negociámos para tentar baixar o preço do hotel. O gesto do senhor foi espetacular, a comida foi de graça, em França deram-nos pequeno-almoço e no terceiro dia arranjámos pessoas que nos pagaram hotel em Espanha para dezoito pessoas, jantar e pequeno-almoço”, conta. Numa das idas, juntamente com o colega revezaram-se para fazer quase trinta horas seguidas de trilho na estrada.

Já se fez, então, por duas vezes à estrada, da primeira vez numa de duas carrinhas fretadas pelo município, na outra para ser mais um motorista juntamente com um amigo. Para além das carrinhas apinhadas de bens na ida, o regresso trouxe quinze refugiados da primeira vez e sete na segunda. “Todos estão  contentes por estar cá, os filhos já andam na escola e alguns começaram a trabalhar. As primeiras quinze pessoas que vieram já têm tudo direito, já estão registados”, sublinha com alegria. Tem sido também esse o seu papel. Ajuda a articular as burocracias, vai à câmara, transporta compatriotas, por vezes quase se esquecendo da sua própria vida. Ainda assim, não poupa nos agradecimentos. A Junta de Freguesia das Taipas ajudou logo, o Luís Soares ajudou-nos. Tenho a minha vida aqui, infelizmente não posso ir lá mais nenhuma vez: pedi férias, já estou há três semanas em casa e a minha patroa já fez milagres, porque tinha as minhas férias marcadas para agosto. Deu-me logo férias”, relata Volodymyr.

Braços da Escola Secundária prontos a ajudar: “Alinharam logo com uma motivação muito grande”

Para que fosse possível empreender à vontade de ajudar a celeridade necessária a junta de freguesia contou com o precioso auxílio de jovens da Escola Secundária de Caldas das Taipas. Através do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família, nomeadamente o clube Ubuntu da secundária taipense, foi possível passar para o terreno aquilo que estava no papel, operacionalizando o processo de recolha, identificação e acondicionamento dos bens recebidos.

“No clube Ubuntu trabalhamos juntamente com os alunos questões como a resiliência e a empatia, depois estes jovens têm de dar con- tinuidade através de atividades de cariz social com impacto na comunidade. Percebendo que a junta de freguesia estava com esta campanha de solidariedade, o clube Ubuntu, estes jovens decidiram agarrar esta campanha, dinamizando-a, sempre com o apoio do GAAF. Organizaram a campanha de recolha de bens, em regime de voluntariado, fizeram escalas para estar disponíveis no local. Alinharam logo nisto com uma motivação muito grande”, dá conta Raquel Pereira, Técnica de Serviço Social do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família da Escola Secundária de Caldas das Taipas.

A vontade de ajudar foi quase que “uma onda crescente”, não só da comunidade escolar como da população, deixa escapar Patrícia Correia. À junta, nomeadamente ao Espaço Convívio Sénior, epicentro desta operação, chegava ajuda e mais braços voluntários. “Começaram-se a associar a nós pessoas da comunidade que iam entregar bens e voluntariavam-se para ficar lá e ajudar a fazer connosco a triagem do material que ia chegando, a distribuição e embalagem dos materiais. Foi giro porque as pessoas vinham ter connosco e depois pediam para ajudar. Foi um movimento solidário muito interessante, uma onda que foi crescendo”, acrescenta a responsável pela associação social da junta.

Uma onda crescente que não deixou ninguém indiferente. No próprio grupo que se mobilizou na secundária, a vontade de fazer mais permaneceu. Para além de auxiliar a autarquia, o grupo de jovens do clube Ubuntu fez a sua própria recolha na escola, reproduziu o símbolo da paz na escola e querem fazer mais. “Foi tão gratificante que estão sempre a questionar como podem ajudar mais e em mais situações”, destaca Raquel Pereira. “Foi conseguido um resultado muito positivo num curto período de tempo graças a um papel muito interventivo de todos, não só dos alunos como do corpo docente e os encarregados de educação”, diz a Técnica de Serviço Social do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família da ESCT, que diz que a meias com a vontade de ajudar nota-se também a preocupação com o conflito. “Temos notado por parte dos jovens a preocupação, é a primeira vez que têm contacto com uma guerra, o que trouxe muitas preocupações e incertezas. Os alunos do clube Ubuntu deram o passo para ajudar; foram para a linha da frente e com as suas ações tiveram capacidade para motivar outros jovens, outros alunos, para esta causa, que é uma causa que toca a todos”, conclui.

Pinheiral acolhe três crianças: “Mais do que acolher, temos de integrar com respeito pela cultura e pela língua materna das crianças”

Neste processo de ajuda aos refugiados, para além de estarem já duas famílias instaladas nas Taipas, a Escola Básica do Pinheiral, do Agrupamento de Escolas das Taipas, é desde a última segunda-feira, 28 de março, a escola de três crianças que chegaram a Portugal provenientes da Ucrânia, com estatuto de refugiadas. A missão não passa apenas por acolher as crianças. Mais do que isso, enquanto instituição a escola está a desenvolver um trabalho de integração das referidas crianças no nosso país, mas ao mesmo tempo sem esquecer a sua cultura e as suas origens.

“Desenvolvemos um trabalho em que foi criada e está a ser trabalhada toda a retaguarda necessária para lhes oferecer todas as condições para o acolhimento. Num segundo nível, a integração de forma fácil e simplificada, e, sobretudo, de forma confortável para todos, para as crianças e para as famílias, porque sabemos as circunstâncias em que chegaram aqui ao nosso país”, explica João Montes, diretor do Agrupamento de Escolas das Taipas, ao Reflexo.

Num curto espaço de tempo foi necessário agilizar respostas e soluções a vários níveis num processo que exige a articulação de várias entidades para que seja necessário integrar as três crianças, duas na educação pré-escolar e uma no segundo ano. “Esta integração resultou de uma responsabilidade tripartida, com responsabilidades diferentes entre família de acolhimento, que acolhe e faculta as condições de habitabilidade e para o dia a dia, a Junta de Freguesia de Caldelas, que estabelece com o agrupamento uma proximidade funcional e comunicacional determinante, e até apoio logístico e social, e o Agrupamento de Escolas das Taipas, que teve de gerar condições para o acolhimento”, aponta João Montes.

Admitindo que há vários fatores que dificultam o procedimento de integração destas crianças, nomeadamente constrangimentos legais, que atrasam o processo, o Agrupamento de Escolas das Taipas adaptou a sua equipa multidisciplinar, direcionando-a para corresponder às necessidades dos refugiados. Esta equipa disciplinar é composta por educadores, professores, a psicóloga escolar, a terapeuta do agrupamento e um elemento da direção.

“Esta equipa multidisciplinar tem como objetivo avaliar a situação, analisar a problemática e propor as estratégias adequadas à situação. Estas crianças foram integradas nas turmas mais apropriadas, com menos alunos, ajustadas à sua faixa etária. Vamos ter medidas extraordinárias em termos de apoio, contratando um professor para que possa fazer o reforço da aprendizagem da língua portuguesa, porque será a língua que irá veicular o conhecimento noutras disciplinas e até interações sociais da criança”, vinca o diretor, que explica igualmente que as crianças foram integradas na Escola Básica do Pinheiral de forma a aproveitarem a existência de outros alunos ucranianos para facilitar a integração: “No Pinheiral temos alunos do país nativo, com quem as crianças podem interagir socialmente, o que é fundamental. Se queremos acolher e, sobretudo integrar, tem de haver respeito pela língua materna e pela cultura das crianças”.

Ajuda não fica por aqui: “Preocupa-nos o que aí vem, porque a questão da guerra vai agudizar as situações de vulnerabilidade”

Para já a recolha de bens está suspensa, até porque no armazém central do município já não há espaço para mais até que nova remessa parta para a Ucrânia. Nas Taipas, ainda assim, é possível fazer doações. Roupa e edredons já há em número suficiente, para já, porque as preocupações vão para lá do imediato.

“Neste momento preocupa-nos enviar aquilo que é necessário para lá, mas também nos preocupa acautelar alguns bens para disponibilizar a quem vem para cá, para além das pessoas que já ajudávamos. Preocupa-nos o que aí vem, porque a questão da guerra vai agudizar as situações de vulnerabilidade. Estamos atentos a isso e temos consciência de que vão ser tempos exigentes e temos de estar prepara- dos para ajudar quem precisa. Quem vem e os que cá estão”, destaca Patrícia Correia.

Para trás fica já a satisfação pela rápida e eficaz resposta dada nas Taipas. “Foi muito satisfatório ver um vídeo do Volodymyr a entregar o que tínhamos recolhido, sabendo que vai fazer a diferença, ainda que não seja muita”, reconhece com agrado. Num ápice “criou-se uma rede de apoio”, porque “ninguém fica indiferente a este drama que a Ucrânia está a viver e o mundo acaba por viver também, não de forma tão direta, mas de forma indireta, deixando todos sensibilizados”