CART faz 50 anos: “Estamos cá enquanto houver gente que queira cá estar”
Em plena convulsão social do pós 25 de Abril, também nas Taipas a irreverência da juventude queria mais. Mais dinamismo, mais atividade, mais desporto, mais eventos culturais. É nessa senda que, entre ajuntamentos comuns de jovens de onde emergiam grupos informais, surge o CAJAS. Domingo, 22 de dezembro de 1974, é a data na qual ocorreu primeira reunião do CAJAS, que funcionou de forma informal até 1979, altura em que foi formalmente registado em escritura pública como Centro de Atividades Recreativas Taipense – CART. Os primeiros anos não foram propriamente pacíficos, entre a voracidade da juventude de uma geração que estava a absorver os conceitos da liberdade.
António Joaquim Oliveira foi o primeiro presidente deste conjunto informal, que nos primeiros anos juntava turbulência com o romper constante de novas ideias e novas iniciativas para dinamizar. Entre 1974 e 1976 o CAJAS teve quatro presidentes e uma comissão provisória, por exemplo, mas ainda assim participava em torneios de futebol de salão e organizava eventos que ajudaram a cimentar as raízes taipenses, como é elucidativo disso mesmo as afamadas provas de perícias de automóveis.
A realidade é que num cenário de desassossego constante nos primeiros anos, o CART perduraria, contrariamente a outros grupos que surgiram, completando este ano meio século de existência. Chega a esta data redonda num “momento de revés”, admite António Lima Pereira, presidente do clube. Ex-jogador de hóquei em patins, ex-seccionista e na presidência pela terceira vez, Lima Pereira preconiza um pouco o que é o espírito da coletividade: “O CART sobrevive devido a pessoas que gostam do clube, que aprenderam a gostar porque praticaram cá desporto ou porque foram cá seccionistas”, descreve. “Fazer o que é feito no CART é de louvar, porque deve-se à carolice de muita gente, que sente o CART, sente as Taipas e sente o que é ser taipense. Já tivemos gente de fora – pais de atletas – mas não é a mesma coisa. Sente-se o CART”, enfatiza Lima Pereira.
“A minha família é isto, o CART”
Com casa na Charneca, onde foi inaugurado em fevereiro de 2005 o Pavilhão do CART, diariamente há tarefas a cumprir. Limpar as carrinhas, zelar pela sua manutenção, limpar o pavilhão, prender as redes, soldar uma baliza, colocar redes de voleibol, patins para arranjar, uma tabela que se parte. Tarefas múltiplas que exigem a dedicação de uma vasta equipa composta por um elemento: o senhor António do CART, como é conhecido. “Os rapazes do hóquei chamam-me o tio Tónio”. Sócio do clube há mais de quarenta anos, António Matos tem nos últimos 35 uma vida dedicada ao CART. Solteiro, quando diz que “a minha família é isto, o CART” não deixa escapar mais um chavão, mas assim atesta uma realidade.
Fez-se sócio na juventude para poder participar nos “torneios intersócios de futebol de salão no antigo ringue do parque”. Logo aí foi convidado, pelo senhor Júlio Ferreira, para fazer parte do CART. “Aceitei”, recorda, lembrando que nessa altura apenas havia hóquei. “Era mecânico, massagista, às vezes fazia de treinador, fazia tudo o que fosse preciso e mais alguma coisa”, aponta, lembrando que os fins-de-semana eram dedicados quase que exclusivamente ao CART. “Na altura do frio as bolas têm de se colocar em água quente, para não ficarem duras e poderem partir. Na altura do verão têm que se pôr em água fria para não ficarem muito moles”, vai explicando ao Reflexo. “Quando entrei não sabia nada disto, fui aprendendo com o tempo”, acrescenta.
“O que faço é feito com gosto e quando vir que estou a mais vou-me embora, não estou aqui para me servir do clube, mas sim para o servir. Sempre estive aqui, e continuo a estar, de alma e coração”.
António Matos, seccionista do CART
Os tempos mudaram, o CART também. “Agora só temos equipa sénior de hóquei, mas apareceram muitas miúdas para o vólei”. Depois de uma jornada diária no Pavilhão do CART ruma ao final do dia ao Pavilhão Polidesportivo da Escola Básica das Taipas, para dar apoio aos treinos de voleibol. “Vou lá abaixo às cinco e meia, mas depois à noite ainda volto cá acima para o treino dos séniores, do hóquei”. Tem na cabeça os horários e os locais de treino de cada modalidade e de cada escalão. “Agora estou aposentado, gosto muito disto e ajuda-me a passar o tempo”, diz o seccionista de 64 anos da Lameira. “Estive aqui de manhã, ainda não eram oito horas já aqui andava. Foi preciso soldar uma baliza, pedi a um conhecido, mas depois tive de pintar. Fui almoçar, e ainda não eram três horas já estava cá outra vez. Há sempre alguma coisa para se fazer”, diz ao Reflexo.
Se há, portanto, alguém que personifica o que é o CART, o senhor António segue na linha da frente com esse estatuto. “Nunca peguei num stique para jogar hóquei, apenas para cuidar deles. Nunca calcei uns patins, nem nunca dei um toque numa bola de voleibol. Não sei; mas, sei ver quando estão a jogar bem ou mal”, diz enquanto sorri, focando-se novamente naquilo que são as suas lides: “Mesmo quando estou em casa penso muito nisto, quando está a chover penso se por aqui estará tudo bem”, desabafa. “O meu carro também anda sempre para trás e para a frente, é o que é preciso”, vai complementando.
“Temos feito muitos sacrifícios para segurar o hóquei”
Para além de ser seccionista, António Matos tem também integrado os órgãos sociais ao longo dos anos. Vivencia de perto os “altos e baixos” que vão fazendo a história do clube. “O pior momento? Não tenho! Às vezes ficamos desgostosos com as derrotas, mas não me prendo a isso. No outro dia os miúdos andam aí de novo e o CART é isto”, assegura, baixando a face ao dizer que “o CART já passou por vários grandes momentos, mas atualmente está numa má fase financeira”.
Atestando, de alguma forma, aquilo que diz o presidente Lima Pereira, também o senhor António assume que “o CART vive de uns carolas que cá andam e nada mais”, sustentando as dificuldades do dia-a-dia. “Temos feito muitos sacrifícios nestes anos todos para suportar as equipas de hóquei; é um orçamento louco, os jogadores não recebem nada a não ser umas ajuda de custo, mas o clube tem de dar equipamento e só para equipar um guarda-redes são necessários mil euros”, solta mais um desabafo, concretizando que “a Câmara de Guimarães não olha para nós como deveria olhar, somos o único representante concelhio no hóquei, mas as verbas não chegam para nada”, complementa, acrescentando, enquanto pega num par de patins, que este instrumento essencial “custa uns 300 euros e já não estamos a ir aos melhores”.
Aqui entre outra das missões do CART, também ela corporizada por António Matos. “Ao longo dos anos já passou por aqui gente mais necessitada, mas não foi por isso que deixou de jogar. Desenrasca-se sempre um stique, umas luvas mais velhas. Nem no voleibol; arranja-se sempre mais um equipamento”, realça. “O que faço é feito com gosto e quando vir que estou a mais vou-me embora, não estou aqui para me servir do clube, mas sim para o servir. Sempre estive aqui, e continuo a estar, de alma e coração”, remata.
Entre o “amadorismo” e a vontade de ver “mais organização”: “É preciso gente”
No caderno de associados do CART – que atualmente conta com um universo de sensivelmente uma centena de associados – o topo da lista é encabeçado por Abel Marques, um dos fundadores. Fez parte, com dezasseis anos, do tal grupo que formou o CAJAS há meio século. “É uma honra e um orgulho enorme ser o sócio número um do CART, não escondo isso”, dá conta. Conhecido como Bélita, recorda que é o primeiro sócio por uma questão de ordem alfabética.
“De entre o grupo de fundadores numa reunião definiu-se que a inscrição dos primeiros associados seria por ordem alfabética. Eu sendo Abel, acabei por ficar com o número um”, recorda. De pronto puxa do cartão, dizendo que em casa está o primeiro, em cartão, com fita cola nos cantos para não perder consistência. Também no seu perfil estão os traços que caracterizam a família do CART: foi atleta do clube, seccionista e presidente.
“Vou acompanhando pelas redes sociais, de vez em quando passo por lá e tento ajudar naquilo que posso quando me é pedido”, vai dizendo. Respira fundo e olha em retrospetiva, para analisar cinquenta anos de clube. A ideia chave sai sem grandes pensamentos: “É preciso gente”. No entender do sócio número um, e um dos fundadores, o CART não é abraçado pela vila na proporção daquilo que proporciona às pessoas, não só das Taipas, como dos arredores.
E passa a explicar. “Olhando para o CART, penso que atingiu uma grande projeção. Vive do amadorismo, mas para se sustentar é preciso maior organização dentro do clube, a nível de secretaria, o ideal até como uma pessoa profissional para isso. Mas, não há pessoas para colaborar, vemos sempre os mesmos por lá. Toda a gente apoia, mas poucos ajudam efetivamente”, vaticina. “Por um lado, é óbvio que penso que o CART podia estar melhor, mas é complicado neste contexto de amadorismo e sem gente. Atendendo a isso, já se faz muito”, reconhece. Entre apelos para que “mais gente ajude a direção”, Bélita lembra que o contexto atual é diferente do passado também na oferta existente. “Olhamos em redor e vemos uma enormidade de clubes de futebol, com campos, que absorvem os miúdos e os apoios”, analisa, referindo que também “a nível de instalações o CART esta limitado” a nível de condições para os atletas e também de crescimento.
“O sentido inicial foi invertido, e bem”
Lembrando que o CART nasceu da fusão de dois grupos existentes na altura, “um grupo teatral que já existia e outro grupo de meia dúzia de indivíduos que jogavam futebol de salão”, António Joaquim Oliveira assumiu o cargo de primeiro presidente. “Decidiu-se que deveria ser eu a presidente, com o Vergílio Mendes a secretário, porque era dos mais velhos, mesmo tendo vinte anos”, recorda.
O primeiro presidente lembra que quando se pensou na criação da coletividade “essencialmente era para fazer teatro e praticar desporto, mais precisamente futebol de salão”, mas “com 25 de abril ficou tudo mais dinâmico, começou-se a praticar atletismo, hóquei em campo, voleibol, para nos divertirmos”. O curso da história e a evolução dos tempos levou a que este propósito fosse “totalmente invertidos, e bem”. “Começou a haver a preocupação e dar formação, os diretores não estão lá para fazer teatro ou para correr, mas sim para proporcionar à juventude atividades”, destaca.
Acabou por ser uma “evolução natural da vertente mais lúdica para uma vertente mais competitiva de prática de desporto”, analisa, “uma boa evolução” que leva a que o CART “continue a ser uma peça essencial para a comunidade taipense, como é o CC Taipas e todas as associações temos” destaca António Joaquim Oliveira, não deixando de ressalvar que “ao longo dos tempos o CART teve algumas dificuldades, houve fases muito conturbadas, pessoas que lá estiveram fizeram coisas más ao CART”.
“Situação é frágil, mas vai conseguir-se estabilizar o clube”
Do primeiro presidente voltamos ao atual, António Lima Pereira, que está então, pela terceira vez no cargo. “Não contava cá estar, mas o gosto pelo clube e a necessidade de um rumo de estabilidade levou-me a sentir que tinha de voltar”, admite. Atualmente o CART tem quatro modalidades, hóquei, voleibol, patinagem e judo. Modalidades que levam a que dê gosto comemorar o aniversário. “São, de facto, 50 anos que dá gosto comemorar, porque manter um clube como o com as modalidades e dinamismo que tem é de louvar. Não somos um clube de futebol, é de notar isso, onde estamos inseridos tem imensos clubes à volta, manter um clube de hóquei – que, apesar de tudo não começou por ser um clube de hóquei, mas começou a ser a maior referência – com esta tradição é algo de realçar”, defende.
“Estamos cá, a trabalhar no dia a dia, para que para que daqui a 50 anos quem cá estiver continue a ter CART e lembre o que se fez pela comunidade”.
António Lima Pereira, presidente do CART
Para o dia 22 de dezembro – domingo – em que se assinalam os 50 anos do CART, está prevista a celebração com a organização do Dia das Modalidades. “Teremos uma coisa não pensada com muito tempo, poderiam ser diferentes, mas seguramente teremos uma celebração digna, à imagem do CART, um clube simples, humilde, mas constantemente a trabalhar”. O dirigente mostra-se convicto, após três anos na liderança do CART, que será possível estabilizar o clube. “O CART está numa situação financeira frágil, mas tenho confiança que se vai conseguir estabilizar o clube. Estamos a regularizar as contas, pelas conversas que já tive há condições para que conseguia restabelecer o necessário”, atesta.
“Estamos cá, a trabalhar no dia a dia, para que para que daqui a 50 anos quem cá estiver continue a ter CART e lembre o que se fez pela comunidade. A parte desportiva acaba por ser secundária, queremos é ter condições dignas para albergar os atletas, não só da vila como das freguesiazitas vizinhas. Estaremos cá enquanto houver gente que queira cá estar, atira, a finalizar, Lima Pereira.
Obras no pavilhão, o “projeto fundamental para o CART” Aos 50 anos o principal desafio que o CART tem em mãos é a realização de obras no pavilhão, nomeadamente a criação de novos balneários. “É um projeto fundamental para o CART”, defende Lima Pereira. Recorde-se que o CART tem um subsídio de 200 mil euros atribuído pelo município, atribuído em 2022, mas por questões burocráticas a obra ainda não está no terreno. “A questão das obras iniciou-se comigo. Lamento que ao fim de oito anos ainda não tenhamos nada”, diz. O presidente do clube recorda que “O CART já teve o projeto aprovado, mas a Câmara pediu 55 mil euros – que obviamente o CART não tinha – para uma licença”. O que se seguiu foi um “caos”, considera, proposto pelo Município. “A solução apresentada, pela Câmara, foi uma solução que a direção que cá estava achou que era viável, mas que se revelou um caos”, atira o dirigente. “De lá para cá o processo nunca mais sofreu avanções e recordo, o projeto esteve aprovado e pronto para se começar a obra, mas como não tínhamos 55 mil euros para a licença, o que foi proposto pelo município encravou o projeto, até à data”, explica, adiantando que a solução passaria por dividir a obra por fases. Pese embora esta realidade, António Lima Pereira é perentório a dizer que Estamos no processo para fazer a obra”, considerando-a preponderante para a atividade do clube. “é fundamental para o CART: as entidades, a nossa Câmara, a nossa vila, têm de pensar que o CART precisa desta obra coo de pão para a boca. Vamos fazer os possíveis para que esta obra seja uma realidade e estou convencido que, dada a importância deste projeto, as ajudas vão surgir”, dá conta, explicando que o que está em causa diz respeito à viabilidade da oferta que o CART tem hoje em dia. “Temos muitas atletas femininas e os balneários não têm condições para trabalharmos. É fundamental e estou convencido que vamos trabalhar para isso”, conclui. As pretensões do CART passam por complementar as suas instalações, o pavilhão, com uma ligação à Escola da Charneca, possibilitando que o pavilhão seja utilizado durante o dia nas atividades letivas. Essa ligação, um edifício, contempla várias valências essenciais para o clube, como balneários e outras salas de apoio para que o CART possa desenvolver nas melhores condições as atividades das quatro modalidades que dispõe atualmente, o hóquei em patins, o voleibol, a patinagem, e o judo. |
[ndr] artigo originalmente publicado na edição de dezembro do Jornal Reflexo.