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Caminhos que contam história. Aqueles que calcaram o Danço

Carolina Pereira
Sociedade \ quinta-feira, abril 22, 2021
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É por caminhos velhos que descobrimos um bocadinho da história de cada pessoa e freguesia. Tempos antigos em que se ia a pé para a escola, chovesse ou raiasse.

É por caminhos velhos que descobrimos um bocadinho da história de cada pessoa e freguesia. Tempos antigos em que se ia a pé para a escola, chovesse ou raiasse. Existiam brincadeiras que, de certo modo, encurtavam o tempo, mas só em ilusão. Não havia autocarros. Ir a pé era a única forma. Levava-se na mochila (que tinha de durar, no mínimo, todo o ano) os livros, os cadernos e talvez um pão para lanche, para comer no intervalo. Não havia cantina na escola. O horário das aulas era das 8 horas da manhã até às 13 horas. A partir dessa hora, “vinham outros”.

Domingos Freitas, tem 63 anos, já reformado, foi até ao 4º ano lá nos anos 60, na antiga escola primária de Real, em Santo Estêvão de Briteiros, freguesia onde reside. Por essa altura, a escola recebia não só crianças de Santo Estêvão como de São Cláudio de Barco.

“A escola de São Cláudio era muito pequena, existiam já muitos alunos. Eu acho que a escola de São Cláudio era à beira da Revenda, numa casinha pequenina. As escolas eram pequeninas e como a freguesia de São Cláudio era grande, não cabiam lá todos e tinham de vir alguns alunos para cá”, recorda.

Cada sala era preenchida com cerca de 15 alunos, por vezes mais do que um ano em cada sala. Os professores tinham de se dividir e, na mesma sala de aula, no mesmo momento, ensinar duas turmas. “Hoje se calhar já não é compatível, nem se usa fazer isso, mas na altura os professores tinham de parar com uns alunos, de um ano, para dar aulas aos outros. Davam-lhes deveres para os entreter e iam para os outros”, relembra.

Crianças pelos seus 7 ou 8 anos trilhavam em grupo até à escola, os pais assim o permitiam porque os tempos eram outros e, como Domingos Freitas diz, “que remédio tinham, mas também normalmente usavam-se mais os caminhos. E depois as famílias eram grandes e se tinham 10 filhos, mas depois só aparecesse 9, nem davam por ela. Para aquele tempo era seguro. Agora com mais carros é mais perigoso. A gente juntava-se sempre em grupos, já havia o combinado de que um fulano não arrancava sem que o outro chegasse. Éramos amigos. Na altura, o receio que havia de ir para a rua nem era de ser roubado, era por medo que aparecesse cães. As crianças tinham medo, e em grupo defendíamo-nos dos cães”.

No caso, era o caminho do Danço, ainda hoje aberto, que os levava até Real. Ao longo daquela meia hora, os amigos tinham de arranjar alternativas de entretenimento, além das conversas, para passar o tempo mais rápido. “A meio do caminho, arranjávamos formas de passar tempo pelo caminho, porque às vezes era longo. Então arranjávamos entretenimento, brinquedos. O que arranjávamos? Uma coisa que se arranjava quase diariamente eram os paus de Alianto, e a gente cortava um pau e depois aqueles canos que têm, um era a bandeira outro que se cortava mais curtinho era o apito e lá íamos nós a dar gás naquilo para a escola. Para chegar mais rápido à escola. Depois havia aqueles alunos, já mais avançados no tempo, que já faziam carrinhos de arame, já com volante em cima, isso já era top. Havia quem tivesse acesso a um aro de bicicleta e tiravam-lhe o pneu e iam o caminho todo a rodá-lo com um pau de uma árvore. Como tínhamos de correr, chegávamos mais rápido”.

Existem boas memórias, mas quando Domingos recorda esses tempos diz não sentir nostalgia e não se sente apologista do “antigamente”, já que relembra momentos não saudosos, como quando foi descalço, por caminhos com neve até à escola. “Eram tempos e já passaram”.