
Bonsaiteca: O atelier onde arte viva se molda entre o tempo e o equilíbrio
Em 2004, Ivo Santos recebeu o seu primeiro bonsai comercial. Na altura, a curiosidade em aprender a cuidar da pequena árvore foi tanta que, como tantos outros iniciantes, sentiu-se perdido. “Na altura foi muito a curiosidade de aprender a cuidar dele, pois não sabia o que fazer, como qualquer pessoa que recebe um Bonsai.”, revelou. A internet ainda não oferecia a riqueza de informação atual, e por isso Ivo recorreu a um clássico, o “Manual do Bonsai” de Davi Prescott, que o guiou pelos primeiros passos e o encantou com a filosofia por detrás da técnica.
Em entrevista ao Reflexo, Ivo explicou que a palavra “bonsai” significa “árvore” e “vaso”, numa arte que nasce na China, mas que depois segue para o Japão, onde “os japoneses criaram a arte do Bonsai com o objetivo de imitar árvores que viam na natureza.”
“A ideia é sempre que o projeto final, que está no vaso, transmita a imagem de uma árvore, ou vista, que poderias encontrar lá fora”, explicou.
Esta paixão rapidamente se enraizou na sua vida e, em 2021, Ivo fundou a Bonsaiteca, um espaço que une a tradição, o ensino e a preservação da arte do bonsai.
Criou a página “bonsaiteca” na mesma vertente que uma “biblioteca” ou “cinemateca”, com o objetivo de colecionar as suas peças e para se obrigar a registar os vários estágios das mesmas. Depois, o projeto começou a evoluir de forma orgânica: surgem as primeiras questões do público e as primeiras propostas de colecionadores e team building.
Atualmente, a Bonsaiteca é o primeiro atelier em Portugal dedicado ao design e criação
de Bonsai. Desde 2005, sob a mentoria artística de Ivo Santos, temos aprofundado o nosso conhecimento e estudo da arte em colaboração com artistas japoneses e europeus. Algumas das nossas criações já foram destacadas e premiadas em exposições de prestígio, como a Crespi Cup (Itália), Congresso EBA - European Bonsai Association ou Noelander’s Trophy (Bélgica).
“Não consegues aprender sozinho e isso acho que é transversal a qualquer arte.”
Desde cedo, Ivo percebeu que o bonsai é uma arte que exige orientação e partilha. “Ainda hoje digo que nós temos a nossa comunidade de alunos e eu digo-lhes que a formação é tudo em Bonsai. Não consegues aprender sozinho e isso acho que é transversal a qualquer arte.”, referiu. A sua formação passou por cursos e residências artísticas com mestres em Itália e Espanha, tendo sido no Japão a sua mais recente estadia. “Estive três meses com os maiores mestres atuais do Bonsai e tornei-me aluno dele. Agora a ideia é ir passar todos os anos um período ao Japão e ele acaba por ser o meu mestre japonês, onde todos os dias estou a trabalhar árvores centenárias com o feedback do mestre.”
No Japão, Ivo aprendeu a valorizar o tempo e a capacidade de saber quando intervir. “Uma das coisas que mais absorvi foi a capacidade de perceber que o tempo é precioso e a paciência necessária, ao contrário do que nós, ocidentais, estamos habituados.”, revelou Ivo Santos, que apontou ainda para a importância da “simbiose entre a intervenção do homem e a intervenção da natureza”, onde o humano deve entender quando deve ou não intervir. “Eu digo muitas vezes que o bonsai é quando o homem e a natureza se juntam para criar uma natureza um bocadinho melhor.”, revelou.
“Apesar da arte ter começado no Japão, na Bonsaiteca eu privilegio muito aquilo que é nosso, as árvores autóctones”
Na Bonsaiteca, o design dos bonsais é inspirado nas paisagens e espécies autóctones portuguesas. “Apesar da arte ter começado no Japão, na Bonsaiteca eu privilegio muito aquilo que é nosso, as árvores autóctones”, afirmou Ivo, que se inspira nos cenários naturais que o rodeiam. “Eu adoro fazer passeios em montanha e são esses cenários que me inspiram. Por isso é que fazemos muitas imitações da rocha e da falésia, por exemplo.”
O design dos bonsais é um processo minucioso que combina o uso de arame, poda e observação atenta das características de cada árvore. “Nada pode ser perfeito se não houver imperfeição. A assimetria é fundamental em Bonsai. Quando encontramos características que mostram a idade, provas de idade como madeira morta entre a madeira viva, isso mostra carácter e personalidade.”, explicou Ivo Santos.
O tempo como mestre e o wabi-sabi como filosofia, num balanço entre a eternidade e a imperfeição
O tempo é, para Ivo, o verdadeiro mestre do bonsai. “É um trabalho ano após ano onde o tempo é tudo.” Embora algumas espécies, como as oliveiras e os pinheiros, possam atingir uma forma madura em poucos anos, outras, como os áceres, exigem décadas. “Há projetos que eu tenho de planear e perceber que serão algo a apresentar daqui a 8 ou 10 anos, numa exposição, por exemplo.”
Mas o sonho de Ivo vai mais além do seu tempo. “Um dos grandes sonhos que eu tenho é futuramente ser criado um museu de bonsai e as nossas árvores ficarem lá. Eu morrer e elas ficarem e as árvores de outros também irem ficando. A ideia é sempre essa, e claro que estamos a lidar com seres vivos, e apesar de termos toda a técnica e cuidados do nosso lado, muitas vezes a árvore pode ter um problema, uma praga, o que seja.” Assim, o seu trabalho ultrapassa a mera criação artística, sendo uma tentativa de deixar um legado vivo para as futuras gerações continuarem a cuidar. “No Japão, o primeiro-ministro tem a sua coleção de bonsai no palácio imperial, então no jardim imperial existem árvores com 800 anos. São cuidados que passam de geração em geração. Por isso a ideia é o legado. Se o cultivo for adequado e os cuidados permanecerem, é muito normal a árvore durar muitas décadas.”, exemplificou.
“No Bonsai, a formação é tudo”
A Bonsaiteca atua em diversas frentes, com especial destaque para a educação (workshops e formações), o mercado empresarial (team building, workshop, eco-presente e bonsai rental) e o colecionismo.
“No Bonsai, a formação é tudo”, reforçou Ivo, que dinamiza workshops e cursos no seu atelier – com uma comunidade fixa de mais de 100 alunos -, em Lisboa e noutras regiões do país, para iniciados, intermediários e avançados. A vertente empresarial também é um dos grandes mercados de atuação da Bonsaiteca, com atividades de team building para empresas – com atividades que promovem o bem-estar, a melhoria da saúde mental e o contacto com a natureza -, como foi o caso das mais recentes atividades com a EDP, a Galp e a BMW. “Levamos às empresas a experiência de criar um bonsai do zero – onde num ambiente normal de empresa levamos tabuleiros, árvores, as pessoas mudam a terra, mexem nas raízes, criam o seu bonsai e levam o seu bonsai, feito por elas, para casa.”, revelou.
Já o mercado internacional é dominado pelo segmento de colecionadores. “Grande parte das peças que nós fazemos, mais importantes, são peças que não ficam cá por causa disso. Por uma questão de valor ou por uma questão do colecionador.”, explicou. A Bonsaiteca atua em mercados fortes como Espanha, Itália, Bélgica, França e Alemanha, mercados que impulsionaram a expansão europeia do bonsai a partir dos anos 80.
ndr: artigo publicado originalmente na edição de junho do jornal Reflexo