Barco: Depois de tanta pedrada, o “Macaco do Couto” lá continua, firme
Era São Cláudio de Arguçaes até um barqueiro que transitava a população de um lado do rio para o outro, pois ainda não existia ponte, dar sentido ao atual nome da freguesia São Cláudio de Barco. Não se vai falar de embarcações nesta rúbrica, mas ainda na ordem de “ir com a maré”, quase todas as casas desta freguesia já pertenceram à fanfarra, logo, pisaram a Casa de Maria Zé, também conhecida como Casa da Hortinha, no lugar de São Martinho. Pelo menos é o que José Miranda, o presidente da Associação da Fanfarra de São Cláudio de Barco faz já 46 anos, conta. “Não havia uma casa na freguesia onde não tivesse um elemento da fanfarra. Antigamente não havia discotecas ou cafés, como há agora com fartura, então o pretexto para sair de casa e fugir da alçada dos nossos pais era ir tocar para a fanfarra. Era o único espaço de lazer que os nossos pais nos permitiam usufruir. Às vezes não havia ensaio nem reunião, mas dizíamos que tínhamos só para sair de casa.”, conta.
Emília Machado é filha do dono dos poucos cafés que existiam na altura – o Café Machado, que agora não passa de uma habitação, no lugar do Couto. Se agora existem cafés em cada esquina que se passa, há uns 60 anos atrás isso era uma raridade, bebia-se em circunstâncias de festa como no Natal. Emília Machado, com facilidade podia desfrutar do ambiente animado que existia no estabelecimento do pai e por isso pouco saía da sua rua, até porque por várias vezes teve de ajudar os seus pais, mas isso não fez com que também não entrasse no ritmo do toque da fanfarra. “O Zé Miranda animava toda a gente para ir para a fanfarra e lá me convenceu e ainda andei durante dois anos e adorei. Saí por causa de ajudar os meus pais e porque comecei a namorar”. Parecia fácil convencer quem quer que fosse a andar naquela espécie de clube ao qual José Miranda chama de “família”, porque lá “acontecia de tudo”. “Nós tínhamos bons serões, conversávamos, saíamos pela freguesia fora a tocar, tínhamos festas, era mesmo muito bom e por causa desse contacto fizeram-se muitos casamentos lá.”, relembra o presidente da associação.
Ou seja, havia espaço para música, diversão, enamorados, casados e até amores não correspondidos, mas com uma alegada correspondência. “Eu tive um moço lá da fanfarra que me queria, mas eu não o queria a ele e então o que é que ele chegou a fazer? Um dia mandou a si mesmo uma carta de amor e assinou-a com o meu nome. Andou a mostrar e o meu irmão, que também lá andava, chegou a perguntar se tinha sido eu. Eu disse para comparar a letra, aquilo não era a minha letra. Estive capaz de bater no rapaz”, desabafa Emília Machado. Confiança, Emília não gostava de dar, mas havia um tanto de Robin dos Bosques dentro de si que a fazia dar, por exemplo, sucos a umas amigas com as quais se encontrava num muro, às escondidas do pai. Eram guloseimas que o pai vendia avulso na sua loja e a filha tirava emprestado, mas sem que ele soubesse. “Eu era mais abastada do que aquelas meninas, era tudo filhas de lavradores que viviam no lugar do Couto, havia muita pobreza e como tínhamos o mercado tínhamos mais fartura, então eu dava”, relembra.
O Lugar do Couto não era só conhecido pelo Café Machado. Entre gargalhadas e saudosismo, José Silva e António Freitas, na altura miúdos nos seus 10 anos, revelam o outro ponto de referência que toda a freguesia conhecia e onde se marcava presença para encontrar os amigos. “Chamava-se Macaco do Couto. Estava lá em cima da ramada, para espantar pássaros, porque não passava de um cata vento. Nós atirávamos pedras para competir e ver quem lhe conseguia acertar. O coitado levou com tanta pedra, mas ainda lá está (risos). Mas, as pedras não iam só lá para o alto, algumas atirávamos uns aos outros (risos)”, diz António Freitas. Recordam-se risos e brincadeiras, mas a pobreza que se viveu nesses tempos vem sempre à tona dos desabafos e, por esse fator, a saudade torna-se um sentimento misto. “Não temos muita saudade, eu ia para a escola descalço, com uma saca de linhagens e uma saca de pão. Eu tive muita sorte e ainda hoje me lembro muito do Carlos Jorge, filho do Rosas de Guimarães. Ele tinha de levar sempre alguém a almoçar na casa dele e eu tinha a sorte de ir muitas vezes com ele, porque em minha casa era o arroz à Salazar como nós chamávamos, que é arroz com arroz, ou uma sandes de broa, mas depois chegava ali e era uma sopinha e peixe ou carne, que contrariava muito a minha realidade e mostrava a bondade deles. O Rosa Guimarães era o pai dos pobres e fez muito por esta freguesia. A sua bondade merece ser homenageada.”, rememoram.