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Banhistas voltam em força ao rio Ave:“Antigamente a água era mais limpinha”

Bruno José Ferreira
Sociedade \ terça-feira, agosto 30, 2022
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Onda de calor fez aumentar os banhistas no rio Ave. Sem qualquer água balnear no concelho, nas Taipas estão a ser dados passos nesse sentido com análises na Praia Seca no parque de lazer.

“Antigamente a água era mais limpinha”. A frase é senso comum entre aqueles que vão a banhos ao longo do curso do rio Ave. Mudam-se os tempos e a morfologia das margens, mas a aproximação da população à água vai permanecendo, ora com fases de maior cumplicidade, ora com fases de maior alheamento. A história diz que sempre foi assim, com relatos de autênticas romarias em direção ao rio, quer nas Taipas, quer nas freguesias circunvizinhas banhadas pelo Ave.

Das décadas de 70 e de 80, chegam relatos de enchentes nas margens que, pelas suas características – essencialmente pelo areal –, se constituíam como autênticas praias fluviais. A industrialização, e a consequente poluição do rio, levou a um certo afastamento. A vegetação ganhou terreno, vários moinhos foram desativados e estão em ruínas. A despoluição gradual do rio, de há uns anos a esta parte, tem proporcionado uma reaproximação da população ao maior curso de água vimaranense.
A Ecovia do Ave, projeto da Câmara Municipal de Guimarães com as freguesias e com a colaboração do Laboratório da Paisagem, abriu e está a abrir, literalmente, caminhos à beira-rio, que estão, em sentido figurado, a abrir caminhos para o rio. No caso das Taipas, a zona predileta para banhos deslocalizou-se: da zona do Parque de Lazer das Taipas foi passando, paulatinamente, para a Praia Seca, hoje Parque de Lazer da Praia Seca.

Remoinhos, o penedo da prancha e “barquinhos de aluguer”

“Quando se abriu a avenida do parque – a Alameda Rosas Guimarães –, nos anos 20, a Comissão de Iniciativa já tinha objetivo de criar ali uma praia fluvial. Depois fizeram-se os courts de ténis, o rinque de patinagem e o parque de campismo. Era ali a praia fluvial das Taipas, onde tinha os barquinhos de aluguer e barracas. Recentemente foi dada muita importância à Praia Seca, sendo que nos anos 70 já era falada, mas de forma oral e sem documentação. Em todos os documentos que já analisei nunca encontrei referências à Praia Seca”, diz o historiador António José Oliveira ao Reflexo.

De gerações passadas, chegam histórias míticas de remoinhos ou da prancha instalada junto à levada no Parque da Ínsua, já no lado de Ponte, que dizem os antigos estava apenas ao alcance dos mais destemidos. No penedo, é ainda possível ver a estrutura que segurava a tábua de madeira que servia, então, de trampolim para os mergulhos.
Uns metros atrás, de acordo com a corrente do rio, há também nas Taipas o Penedo da Prancha, assim batizado pelos utilizadores no Parque de Lazer das Taipas. Também ainda hoje é possível ver os ferros, cortados, a despontar do penedo. “As pessoas que vinham de fora, nomeadamente do Porto, por exemplo, para os nossos hotéis, banhavam-se no parque, naquela que era a praia fluvial das Taipas. Havia uma ponte para uma ínsua pequena e os barcos a remos, que eram alugados no fundo da alameda do parque às meias horas”, recorda António José Oliveira.

“Aos fins de semana tem sido uma invasão na Praia Seca”

Agora é no Parque de Lazer da Praia Seca que é possível ver o aglomerar de pessoas no extenso parque verde com o areal a fazer união com a água. É lá que encontramos Maria do Céu, de Ponte, numa destas tardes de calor abrasador. “Costumamos vir aqui muitas vezes. Sempre me lembro de vir aqui, desde pequenas. É bom para passar este tempo de Verão, de muito calor. É fresco e sossegado. Podia estar mais arranjado nas margens, mas não é mau”, refere.

Usa a primeira pessoa do plural porque está acompanhada de duas amigas no areal, à fresca da vegetação. Numa alusão ao passado, faz referência à água, que no seu entender já foi mais transparente. “Isto está diferente, comparativamente com antigamente. A água era mais limpinha. Hoje nota-se que está muito mais poluída. Junto à levada, ali em cima, é mais limpo, mas quanto mais afastado fica, pior. A nível do arvoredo acho que está bem, faz parte”, aponta.

À boleia dos dias de calor intenso, a utilização da Praia Seca tem sido enorme. “Até é difícil arranjar lugar para estacionar o carro”, atira Maria do Céu, explicando depois que, se à semana já há muita gente a frequentar o espaço, ao fim de semana a utilização é ainda maior. “Ao fim de semana tem sido muito gente mesmo; ao sábado e ao domingo tem sido aqui uma invasão, que até é difícil arranjar lugar. Tem de se pôr o carro por aí acima”, desabafa.

Alberto Silva é também utilizador da Praia Seca. Atesta o que diz Maria do Céu no que diz respeito à forte utilização do espaço. Costuma usufruir da água do Rio Ave durante a tarde, num pequeno desvio do trabalho para casa, em Briteiros. “Tem estado muita gente por cá. Em maio já vinha cá de tarde e tinha bastante gente, mas mais recentemente com esta onda de calor é que se notou muito povo”, pontua ao Reflexo o homem de 58 anos, que, por norma, consegue identificar espanhóis e brasileiros a banhos: “Vêm passar o dia com arcas e guarda-sóis”. Conta que, com oito anos, já era utilizador da Praia Seca, experiência que o leva a dizer que “está diferente”. “O rio está mais ou menos igual, nas margens nota-se algumas diferenças. Acho que antigamente tinha mais povo. O rio era mais limpo, muito mais limpo, e acho que tinha mais arvoredo”, destaca enquanto vai contemplando a paisagem.

 

Junta “muito satisfeita”. No bar “nota-se a presença de pessoas a aumentar”

Esta utilização do Parque de Lazer da Praia Seca tem exigido da Junta de Freguesia de Caldelas uma maior dose de logística na manutenção do espaço. “Os nossos recursos humanos vão diariamente fazer a limpeza”, refere José Fonseca, membro do executivo responsável por esta área. Há a preocupação com o lixo, com a manutenção do espaço verde, o prado e também com a areia; uma preocupação positiva, uma vez que resulta da utilização por parte das pessoas deste espaço.

“Ficamos muito satisfeitos por esta utilização do Parque de Lazer da Praia Seca, até porque criámos as condições para que as pessoas usufruam daquele espaço que há muitos anos estava desativado. O criar de uma zona – um parque de lazer – de raiz que tem instalações sanitárias, um bar de apoio, ecopontos de reciclagem, intervenção da Agência Portuguesa do Ambiente na ribeira da Agrela é o criar das condições para que as pessoas possam usufruir deste espaço natural que é tão próximo dos taipenses”, aponta José Fonseca.

A perceção do crescendo de utilização da Praia Seca é sentida também por Luís Anjo, que pelo segundo ano consecutivo tem a concessão do bar instalado no parque. “A presença de pessoas tem aumentado de ano para ano, sente-se isso”, assume.

Explica, contudo, que o negócio faz-se em pouco mais de dois meses. “Em julho é quando começa o boom, chegam os emigrantes, já começam também as pessoas a ficar de férias, há a juventude de férias da escola e mesmo pessoas de Guimarães e daqui das redondezas a virem para a Praia Seca. Mesmo estando tempo bom, chegando ao fim de agosto ou início de setembro, as pessoas deixam de vir ao começar novamente o trabalho”.

O aumento de pessoas que se sente nota-se “principalmente ao fim de semana” com “muitas famílias a fazerem churrascos de manhã à noite” e “mais juventude durante a semana”. A intenção é ter o espaço a funcionar à noite, algo que tem sido conseguido na opinião de Luís Anjo. “Todos os fins de semana temos feito eventos às sextas-feiras e sábados; mesmo às quartas-feiras temos música ao vivo, e penso que as pessoas têm aderido bastante. Temos conseguido as pessoas à noite”, expõe.

Luís Silva vai a banhos todos os dias em Barco: “Isto é muito bom”. Junta pensa em alargar o parque

Contrariando a corrente, a apenas 1,7 quilómetros há mais um parque de lazer voltado para o rio que há vários anos serve de praia fluvial. A ponte que liga Barco a Santa Eufémia de Prazins é um miradouro de vista privilegiada para o Parque de Lazer de Barco, onde Gonçalo Silva, de 16 anos, diariamente salta do penedo para a água do Rio Ave.

“Moro aqui perto, e estou aqui todos os dias”, atira sem qualquer pergunta. “Porquê? Aqui tem boa água, não tem poluição, podemos estar tranquilos e deitados na toalha sem sermos incomodados, não há fábricas perto para poluir, não se vê lixo na água. Isto é muito bom”, aponta de forma rápida antes de mais um mergulho. Em nova correria entre a água e o acesso ao penedo dos mergulhos, revela que sempre foi frequentador de um espaço que, nos últimos tempos, “tem ficado melhor”: “Temos parque, temos um bar, podemos jogar à bola no campo, é um parque que dá para todas as idades. A água está sempre boa, não há lixo, uma garrafa, nada”.

 

São também estes os motivos que levam Armindo Portela, do centro de Guimarães, a fazer o trajeto até Barco. Enquanto os netos brincam com uma boia, a esposa está sentada em pleno curso do rio numa cadeira. “Este sítio é muito agradável, posso trazer os meus netos e vir com a família. É sossegado e tem várias atividades: o parque de lazer, o campo de jogos, este ano puseram um bar, e como disse, tem várias atividades que os miúdos podem fazer, dá para todos nos entretermos. Eu sento-me ao pé da água, à vontade, e eles andam na brincadeira. Não é perigoso, e tudo junto leva-me a vir para aqui já há vários anos”, sustenta.

Luís Pereira, presidente da Junta de Freguesia de Barco, não tem dúvidas de que o Parque de Lazer, conhecido como praia fluvial, “é um foco de atração à freguesia”. “A maior parte das pessoas que vêm para o Parque de Lazer, e acabam por utilizar o rio, são pessoas que não são de Barco: são quase todos de outras freguesias e até de outros concelhos”, revela.

Nesse sentido, um dos objetivos do executivo eleito há quase um ano passa por ampliar o Parque de Lazer de Barco. “O objetivo é criar parques de estacionamento na parte superior e, na restante, aumentar o parque e o acesso ao rio, colocando também mais equipamentos para quem usa o nosso parque”, sustenta, enquanto diz que dinamizar este espaço com eventos como o Rock in Barco é também ambição, apontando ao sunset que se vai realizar no dia 20 de agosto.

 

Em Brito há “um Gerês em ponto pequeno” por explorar

Se há locais que os tempos foram transformando para melhor, outros há em que se nota o inverso. Em Brito, há “um pequeno Gerês” por explorar, “só que o Gerês está estimado”, atira Cesário Silva. Há trinta anos costumava descer ao rio com regularidade. O hábito mantém-se, mas apenas para caminhar e notar as diferenças do passado. “Isto foi a Póvoa de muita gente”, compara, ao dizer que muitas pessoas usavam este espaço no verão antes do período de férias na Póvoa de Varzim.

“Há uns trinta anos havia aqui gente a pontapés, famílias que vinham com o merendeiro”, recorda, enquanto aponta de cima do açude para uma zona mais baixa em que a água começa a escassear: “É o poço da morte”, diz com um misto de alegria e saudosismo. “Só três indivíduos é que saltavam de cá de cima, do açude, lá para baixo. Era preciso dar impulso e cair no sítio certo”. Mais ao lado há a raiz baixa e a raiz alta, um local mais acessível ao mergulho de todos.

Enquanto vai calcorreando a margem, não consegue esconder a mágoa por ver o local com a vegetação quase a engolir o rio, praticamente não havendo acesso. “Antigamente vínhamos pelo lado de Brito, ou de Vila Nova, mas com a instalação de uma fábrica em Vila Nova cortaram o acesso cá para baixo”, sinaliza, fazendo uma vez mais a ponte entre o presente e o passado: “Com a água a correr, os penedos faziam autênticas piscinas para a canalha”.

O misto entre o baú das memórias, um baú de coisas boas, vai-se cruzando de forma constante com a realidade atual. Nesse limbo, Cesário Silva solta mais uma tirada, desta vez em relação à água. “Antigamente a água andava sempre por cima do açude, agora não passa o açude. Há menos água. E antigamente vinha limpinha, podia beber-se que não fazia mal nenhum”, diz com gosto. “Quem me dera ainda dar uns mergulhos neste rio”, desabafa.

 

Laboratório da Paisagem testa a água em vários pontos do concelho: “Em Guimarães, não há nenhuma água balnear”

De há uns anos a esta parte, a atenção política tem no Rio Ave uma preocupação vincada: exemplo disso é a Ecovia do Ave, projetada para construir 29 quilómetros à beira-rio, assim como a aposta em vários parques de lazer nas várias freguesias do norte do concelho. O Laboratório da Paisagem de Guimarães tem realizado “testes físico-químicos ao longo do Rio Ave em vários pontos do concelho”.

O diretor executivo, Carlos Ribeiro, atesta que “Guimarães não tem nenhuma área classificada com água balnear” e apenas num local há essa intenção, na Praia Seca, tal como é do conhecimento público; daí constar, na sinalética do Parque de Lazer da Praia Seca, a indicação de “banho desaconselhado”. O responsável admite que “há outros sítios que poderão vir a ter potencial de classificação”.

Mas, os critérios são apertados e, apesar de “satisfatórios”, os resultados das análises na Praia Seca não são ainda suficientes. “Ainda não temos informação dos resultados deste ano. Dos anos anteriores, o histórico é bom, tendo por vezes um ou outro episódio de água razoável, que não é passível de interdição a banhos. Mas também tem de se reforçar que qualquer água não é aconselhável a banhos, a não ser as águas balneares. Em termos de qualidade de água, está boa”, refere José Fonseca.

Com a legislação “apertada”, a intenção passa por dar passos seguros para reabilitar o Rio Ave. “Entendemos que neste momento o foco deve ser reabilitar e melhorar as margens, dotar o rio de melhores condições para depois, sim, à posteriori, fazer esse tipo de classificação”. Esse caminho está a ser seguido em vários pontos do concelho. Das recolhas feitas este ano na Praia Seca, ainda não há dados do histórico, sendo que pela primeira vez estão a ser feitas análises à água na zona do Parque de Lazer das Taipas.

Em Barco, o tema está ainda de fora da ordem do dia, mas “poderá ser um caminho a seguir no futuro”, de forma a valorizar o parque. “Faz sentido pensar nisso mais lá para a frente”, diz Luís Pereira.