Agregador na primeira semana, GUIdance vê dança como “arte revolucionária”
Sábado à noite, relógio a bater nas 23h00, e um foyer do Centro Cultural Vila Flor (CCVF) atulhado de gente: os espetadores circulavam aos pares, em grupos, trocando impressões aqui, acenando a uma cara conhecida acolá. Juntos, lotaram o Grande Auditório Francisca Abreu para “UniVerse: A Dark Crystal Odyssey”, uma peça da companhia de Wayne McGregor, pela terceira vez no GUIdance, que retratava um planeta doente e um povo dividido, a precisar de cura, com 10 bailarinos num palco repleto de artefactos tecnológicos.
Findo o espetáculo, várias dezenas ali permaneceram para ouvirem a experiência dos intérpretes; Rebecca Bassett-Graham e Jordan James Bridge foram especialmente interventivos na conversa moderada pela jornalista Cláudia Galhós, realçando que aquela coreografia se interroga sobre os “demónios” dos seres humanos na contemporaneidade e questiona o que é ou não natural, partindo de diferentes influências, nas imagens e no som. Um dos apontamentos que sobressaiu na conversa é o de que os bailarinos nunca veem o esquema do projeto antes de começarem a ensaiar um espetáculo com Wayne McGregor.
Aquela não foi a primeira conversa pós-espetáculo do 13.º GUIdance; o mesmo acontecera com “Bantu”, peça do vimaranense Victor Hugo Pontes que abriu a edição na quinta-feira, mas em português. O diretor artístico da Oficina para as artes performativas vê nesses momentos uma das provas do “envolvimento do público com o festival” e enaltece “as salas muito cheias” da primeira semana.
“Isso é provado pelas conversas onde o público fica para ouvir os artistas, conversar com eles, mas também nas participações nas atividades paralelas. O impacto nas escolas é muito forte. As masterclasses também são uma oportunidade muito grande de formação. O festival contribui para vários aspetos do desenvolvimento da dança, que não só a afluência do público”, descreve Rui Torrinha, descrevendo como “inacreditável” o impacto das visitas às escolas de Victor Hugo Pontes e de Panaibra Gabriel Canda, o autor de “Tempo e Espaço: Os solos de Marrabenta”, a outra peça que espelha as relações entre Portugal e Moçambique inscritas no cartaz deste ano, apresentada na sexta-feira, no Jordão.
Este GUIdance tem assim “o cuidado de aproximar o longínquo”, mas também de perceber a intervenção a fazer numa cidade, num concelho e numa região que se transforma, daí o seu peso político, além de poético. “Temos conseguido passar a mensagem de que a dança é uma arte revolucionária nos tempos atuais. É uma interpretação das matérias que preocupam a sociedade. O festival tem um lado poético e político muito forte, que cada vez mais desperta a atenção das pessoas”, acrescenta o responsável.
Numa cidade com mais de 100 nacionalidades distintas, a viver um “efeito cosmopolita” em curso, o festival apresenta-se como “uma espécie de ponta de lança de uma série de mudanças” e como espelho da “capacidade de Guimarães pensar o mundo e as suas transformações”. Ao assumir esse papel, o festival pode ser também “proposta de solução para a saída de conflitos” que hoje são globais, enfrentando “as coisas para depois as conseguir dialogar e resolver”. “A diversidade do festival reflete a abertura da cidade, do concelho e da região às transformações do mundo. Ou seja, cada vez mais há a ideia de que os problemas globais são comuns”, diz.
Um “processo de cura” da Lisboa plural a Taiwan
O corpo humano e os seus movimentos regressam aos principais palcos de Guimarães na quarta-feira à noite, com “.G Rito”, de Piny, coreógrafa de Lisboa com descendência angolana. Essa é uma obra que propõe uma viagem pelas memórias inscritas nos corpos – por exemplo, dos seus antepassados -, sem esquecer que os corpos têm várias dimensões, do trabalho ao prazer. O selo lisboeta está presente no dia seguinte, com Gaya de Medeiros, coreógrafa brasileira radicada na capital portuguesa, que propõe “Atlas da Boca”.
Na sexta-feira e no sábado, o epicentro do GUIdance muda-se para Taiwan, com duas peças intercaladas por “Anda, Diana”, de Diana Niepce; “Beings”, de Yeu-Kwn Wang sobe ao palco do Teatro Jordão no dia 09 e é uma peça mais poética, enquanto “Bulabulay Mun?”, da Tijmur Dance Theatre, explora as implicações da invasão de Taiwan pelo Japão em 1874. “Teremos duas peças oriundas de Taiwan: uma muito poética e outra mais política, porque assenta na invasão do Japão por Taiwan e de que como a cultura foi um processo de cura desses conflitos”, sintetiza Rui Torrinha.