Sessão do 25 de Abril lembrou Santos Simões e “perigos” para a democracia
Em mais um aniversário da Revolução dos Cravos, o 49.º, o Teatro Jordão encheu-se para a sessão solene comemorativa da Assembleia Municipal de Guimarães (AM), tendo cabido ao presidente desse órgão o último discurso da manhã. Na sua intervenção, José João Torrinha lembrou uma vaga memória de criança, em que Santos Simões “reciclava graciosamente os conhecimentos de matemática” de um conjunto de professoras da escola primária, entre elas a sua mãe, para enaltecer o antigo combatente pela liberdade durante o Estado Novo, através do movimento Democratas de Braga, mas também dirigente associativo que impulsionou o Cineclube de Guimarães e o Círculo de Arte e Recreio ou renovou a Sociedade Martins Sarmento.
A seu ver, o homem que faria 100 anos a 12 de agosto de 2023, caso fosse vivo, é o exemplo de que há várias formas de se “participar politicamente” ao dispor do cidadão. “Evoco Santos Simões, pois ele é o mote adequado para o tema que vos quero trazer. O seu exemplo de vida deve ser um exemplo de participação política de um cidadão na sua comunidade, tendo a consciência de que vai muito além das sedes dos partidos políticos”, acrescentou. “Santos Simões fê-lo, com várias associações, dando-lhes vida. Mas também teve participação política no sentido mais clássico do termo, na luta contra o fascismo e estando filiado num partido [MDP-CDE]. Tudo isto é política”, prosseguiu.
O presidente da Assembleia Municipal realçou, por isso, que os partidos políticos são alicerces do regime democrático cujas portas foram abertas pelo 25 de Abril, mesmo com as ameaças que enfrentam hoje, quer por ataques “exógenos”, em que “se confunde o escrutínio necessário à transparência das democracias com voyeurismo”, mas também por “descredibilização” proveniente do seu seio.
José João Torrinha criticou três “ismos”, a seu ver “um perigo para o sistema democrático que tanto custou a erigir”: o “individualismo” de membros que “pensam mais em si próprios” e “no caminho mais curto de A para B”, em vez de pensarem no outro em primeiro lugar, o “taticismo”, em que “tudo sucumbe à prática e à estratégia”, com alianças que se “tornam jogadas de xadrez”, e o “contorcionismo” daqueles que “se adaptam perpetuamente”, citando Groucho Marx. “Estes são os meus princípios. Se não gostam, tenho outros”, citou.
Desigualdade, habitação e falta de autonomia dos jovens vincadas pelos partidos
A falta de habitação, com especial impacto na população mais jovem, o estado da educação e da saúde ou a desigualdade salarial entre homens e mulheres foram alguns dos temas que sobressaíram nas intervenções das forças políticas representadas na Assembleia Municipal, entre louvores à Revolução dos Cravos e as impressões de que, em parte, “Abril está ainda por se cumprir”, num país “imperfeito”. O Jornal de Guimarães deixa abaixo um excerto dos discursos de cada uma das sete forças políticas representadas no órgão:
Gabriela Nunes, PS
“Abril é reconhecer igualdade entre homens e mulheres, formas políticas e sociais em que todos possamos viver, de estudarmos na escola pública, de sermos tratados no SNS independentemente da nossa condição, de termos um setor de proteção social que nos dá confiança no desemprego e no fim da nossa vida, de termos um sistema que nos permite viver em segurança e paz”
André Ferreira, PSD
“Apesar de termos progredido, enfrentamos desafios políticos significativos, de lutar pelos direitos humanos de todos os cidadãos, independentemente da origem ou condição social. Temos jovens que não podem sair de casa dos pais antes dos 30 anos e constituírem família. Temos jovens sem possibilidade de ficarem na terra natal, por não haver empresas de serviços para os fixar. Na mobilidade, vemos o comboio passar”
Maria João Almeida, CDS-PP
“Formamos e qualificamos, mas não respeitamos os jovens, não lhes dando condições para entrar no mercado de trabalho, não lhes permitindo autonomia nem formas ativas de construção participativa na sociedade. Celebramos Abril, mas quanto das nossas canções revolucionárias dos nossos poetas e cantores não seriam encaradas hoje como um fado. Mesmo com liberdade, Portugal não constrói o futuro que todos merecemos”
Mariana Silva, CDU
“As mulheres continuam mais mal pagas do que os homens. Estão mais mal protegidas do que os homens nas condições de trabalho. A diferença salarial entre homens e mulheres em Portugal é de 13%, o que corresponde a cerca de 48 dias sem remuneração. Como disse Zeca Afonso, mulher na democracia não é biombo de sala. (…) A revolução de Abril é património do povo. Nada do que foi conseguido foi dado. Foi conquistado. Assim foi ontem e assim é hoje”
Mónica Teixeira, Chega
“O 25 de Abril trouxe mais direitos às mulheres, embora estejam hoje mais carenciadas. (…) O processo de descolonização continua uma ferida aberta. Os ex-combatentes, os retornados e os nativos desses territórios que vieram para Portugal veem o esforço na defesa desses territórios esquecido, mas o Chega não os esquece”
Afonso Maia, Bloco de Esquerda
“Não nos devemos conformar com o rumo do regime que Abril erigiu. Devemos criticar uma elite política tecnocrata, infelizmente conspurcada por décadas de corrupção, compadrio e nepotismo (…) Torna-se cada mais difícil para jovens como eu arrendarem casa nos centros urbanos. Temos casos de pessoas subjugadas a partilharem casa com desconhecidos ou até ex-parceiros de relação”
Pedro Teixeira Santos, Iniciativa Liberal
“Em 2023, cabe-nos lutar por uma cidade e por um país onde nos possamos sentir realizados, onde sejamos como queiramos ser, quando queiramos ser. Abril não é de esquerda, nem de direita. É de todos nós. Que nunca tomemos por garantida a separação de poderes e a garantia das liberdades individuais”