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“Tenho procurado levar os Bombeiros das Taipas para a frente”

Bruno José Ferreira
Sociedade \ quinta-feira, outubro 14, 2021
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Ernesto Soares, 63 anos, é o 2.ª Comandante dos Bombeiros Voluntários das Taipas. Natural de Vieira do Minho, está pela terceira vez interinamente no comando da corporação.

Em entrevista ao Reflexo aborda o seu percurso enquanto bombeiro, e o passado recente da instituição, nomeadamente a saída de José nas Neves Machado da presidência da direção. Termina a comissão de serviço em fevereiro, pondo aí um ponto final na carreira. Legalmente não pode assumir o comando, mas também não era essa a sua intenção.

 

Como é que se deu o seu ingresso nos bombeiros?

O meu pai, acabada a vida militar, ingressou na GNR. Esteve na Póvoa de Lanhoso e depois veio comandar o posto de Vizela. Já naquela altura, com os meus seis a sete anos, o posto era relativamente perto do antigo quartel dos Bombeiros de Vizela, e eu ia para lá. Gostava de ver o simulacro e o pessoal a fazer os exercícios. Quando vim para as Taipas, em maio de 1967, comecei a andar pelo quartel dos bombeiros. Na altura o quarteleiro era o Isaías, e eu ajudava nas tarefas que se podia. As mangueiras eram em linho e tinham de ser todas lavadas. Eu gostava disso, gostava da fanfarra, e andava por ali. O tempo foi passado, e eu no dia 4 de agosto de 1973, tocou a sirene a meio da tarde, o meu pai não estava que tinha ido para um serviço qualquer. Eu vim para o quartel. O Isaías chegou com outro bombeiro e naquele tempo os bombeiros o que usavam era um fato de macaco, umas galochas e um capacete. Os primeiros chegassem tinham o resto, era conforma calhava. Eu fui por trás do quartel velho, peguei num fato de macaco, num capacete, eles chegaram com o Jipe Hilux e levaram-me com eles. Fui todo contente. Foi em Santa Leocádia. Entretanto, no local o meu pai viu-me e o Isaías, antes que o meu pai dissesse alguma coisa, disse logo: Cabo Soares, fui eu que o trouxe comigo. As exigências não eram tantas, se calhar, era por isso que havia mais voluntários. Andei até 20 de março de 1975, quando me inscrevi oficialmente, e aí começa a minha carreira, como bombeiro de 3.ª. a partir daí fui progredindo na carreira, até chegar a chefe em 1992. Em 1996 sai o Comandante Costa e Silva, passa ao Quadro de Honra, e em novembro tomou posse o Comandante Teixeira. Em fevereiro convidou-me para fazer parte do comando, como ajudante. Disse que ia falar com a minha mulher e com o meu patrão. Este não é o meu trabalho, passei a ter mais responsabilidade, mais canseira e menos tempo livre. Falei com a minha esposa, e com o meu patrão, que não puseram problemas. Nesse aspeto tenho muito a agradecer à Cutipol. Se não me desses a facilidades que deu e u não teria chegado onde cheguei, ao Comando, e até mesmo como chefe.

Quando começou esperava fazer esta carreira, ou nunca pensou nisso?

Nunca pensei chegar ao comando. O comando é por nomeações, não é carreira. Lutei para chegar a chefe, e aí gostei. É o ponto máximo de uma carreira, chegar a chefe. O comando não havia nomeações. Quando entrei não havia prazos, hoje é por comissões de serviço de cinco anos. Podem ser renovados ou não.

Como tem sido, então, gerir os bombeiros e o seu trabalho?

Neste momento não é complicado, porque já estou reformado. Reformei-me em janeiro de 2020, pensaria ter mais tempo livre, mas devido às circunstâncias de ter que assumir o comando estou mais limitado na minha vida pessoal. Mas, costuma-se dizer que quem corre por gosto não cansa e nós enquanto andarmos neste mundo entendo que deve ser para fazer alguma coisa pelos outros e não apenas pensar em nós. Há gente que diz que não tem tempo, porque só diz que não tem tempo quem não faz nada.

Ao longo deste percurso, recorda-se de algum momento de maior dificuldade e aflição?

São tantos momentos, infelizmente. Para mim o mais aflitivo passou-se num carro que veio da Holanda, de abastecimento que leva 3 mil litros de água. Ligaram-me para ir para Terras de Bouro. Fui eu, já era chefe, e mais dois bombeiros, saí a conduzir às duas da manhã. Estávamos a almoçar, para desmobilizar, e o comandante de Terras de Bouro liga-nos para ir para a Abadia, que estávamos perto. Demos a água aos veículos que estavam a precisar, mas, entretanto, rebenta um incêndio aqui em Longos. Disseram-nos que quando quiséssemos podíamos ir embora, no local estava calmo, e podíamos fazer falta em Longos. Dissera-nos que podíamos ir que estava tudo resolvido e não havia problema. O que é certo é que de um momento para o outro ficámos ali com o fumo e as lavaredas a passar-nos de um lado para o outro e eu com um carro nas mãos em que mal passava um ligeiro ao meu lado. Estivemos bem aflitos. Só me lembro de me benzer e de me virar para os meus colegas e dizer: rapazes, seja o que Deus quiser. Felizmente ao chamarmos ao rádio vieram logo os meios aéreos, atirámos um bocado de água e aquilo acalmou. Foi uma situação das muitas que passei, mas pensei que não saía dali para fora.

Nos dias de hoje ainda é assim? Cada vez que toca a sirene ainda pensa que seja o que Deus quiser?

Se calhar não pensamos nisso, porque se fossemos a pensar não saímos de casa. Nós sabemos que saímos de casa, mas não sabemos se entramos. Se fossemos a pensar nisso víamos que podemos morrer pelo caminho. Vemos tanta coisa, vamos para os incêndios e hoje as condições são muito diferentes, quer meteorológicas quer em termos de terreno, ventos e tudo mais. Os fenómenos da natureza são imprevisíveis.   

 

“Não concordo com a decisão de sair do Pe. Machado, mas respeito”

 

Neste momento ocupa o cargo mais alto da hierarquia, é o 2.º Comandante, mas está de forma interina no comando. Como encara isso? Esperava chegar a este posto?

Pela lei, hierarquicamente é sempre o imediato a assumir o comando. Se não for o 2.º é o adjunto, se não houver adjunto é um chefe. Com esta já são três vezes que comandei interinamente esta casa. Olhando às circunstâncias, tenha de assumir e assumi estas funções.

Assume o comando até quando?

Termino a minha comissão de serviço em fins de fevereiro do próximo ano. Esperemos que daqui até lá a direção pense em alguém para o comando. Tem de pensar. Até lá procurarei gerir esta casa dentro da normalidade.

E se essa pessoa, pensada pela direção, for Ernesto Soares?

Não. Ernesto Soares, não. Primeiro porque nunca esteve nas minhas perspetivas ser comandante; se o quisesse tinha sido em 2009 quando o Pe. Machado, presidente da direção na altura, me convidou para ser comandante e eu disse que não. Na altura disse ao Pe. Machado que estava um homem à minha beira, o Hermenegildo, que podia abraçar essas funções. O Hermenegildo aceitou com a condição de eu ficar como 2.º. Neste momento não quero, dei lugar ao Rafael na altura, e além disso não posso pela própria lei, porque aos 65 anos tenho de deixar. Nem que não tivesse, como disse, não queria. Nunca esteve na minha nente ser comandante dos bombeiros.

Os Bombeiros das Taipas passaram por alguns momentos mais atribulados recentemente. Conseguiu manter o corpo ativo unido?

Estas coisas deixam sempre alguma pedra no sapato. Não tem sido fácil, mas também não tem sido difícil. Tenho procurado dentro das minhas possibilidades levar isto para a frente, junto com o corpo de bombeiros, até ao final do mandato e até vir um novo comandante.

Já está cá há vários anos, tendo acompanhado o crescimento da instituição. Como é que olha para isso, para o crescimento, essencialmente com Pe. Machado?

Os Bombeiros das Taipas sempre cresceram, com todas as direções e com o corpo de bombeiros. Todos sabemos que a direção até pode ser boa, ter um bom líder, mas sem o corpo de bombeiros não vai a lado nenhum. O que temos hoje devemos muito à direção, principalmente ao Pe. Machado, pela sua liderança, quer como homem quer como padre, que tem, uma visão diferente da sociedade, e tinha bastantes conhecimentos. Isso, os conhecimentos, contam bastante. Foi uma pessoa excecional desta casa, foi pena ter ido embora nas circunstâncias que foi. Foi uma decisão dele, a qual respeito; posso não concordar, mas respeito.

Merecia sair de outra forma?

Ninguém de nós estava à espera que isto acontecesse, mas o Pe. Machado chegou à altura em que entendeu que deveria abandonar. É como digo, não concordo com essa decisão, as é a decisão dele e temos de a respeitar. 

 

“A vila das Taipas podia ser melhor se fosse menos politiqueira”

 

Já está há vários anos nas Taipas, conhece a vila e as suas gentes, como é que olha para a sua evolução?

Podia ser melhor um bocadinho se fosse menos politiqueira. Embora more em Sande há quase quarenta anos, o meu tempo é passado aqui. Nas Taipas, às vezes as pessoas podiam por de lado as quezílias políticas e ajudar-se todos uns aos outros. Temos muitas situações iguais a essas por aí fora. até ao dia das eleições, o que penso é que cada um defende a sua camisola, a partir do dia das eleições deve vestir a camisola da vila, da cidade ou da aldeia. Infelizmente esquecem-se disso, os nossos políticos olham mais para a parte partidária do que para os seus concidadãos.

Pretende terminar a carreira em fevereiro, pelo que ainda é cedo. Mas, olhando para trás, como vê o seu percurso? A sua vida teria sido diferente sem os bombeiros…

Se não fosse os bombeiros, se calhar, seria outra coisa. Também estou inserido na igreja, sou acólito, sou reitor, e já estive noutros movimentos, incluindo uma que ainda existe no concelho, a Escola de Pais Nacional. Estaria noutras coisas. Optei pelos bombeiros, quer na minha vida particular, quer profissional, acredito que até estaria melhor se não estivesse nos bombeiros. Tinha um patrão, na Mafil, que dizia um dia a um senhor: o Soares é uma joia de homem, mas tem um defeito: os bombeiros. Claro, a sirene agora toca poucas vezes, mas sou do tempo em que nos púnhamos a pé três ou quatro vezes para o toque de sirene. Perdia-se muitas horas. Hoje com a organização, com pessoal permanente, é diferente.

Quando era mais jovem, a começar, quando ouvia a sirene, acredito que seria uma adrenalina. Hoje continua a ser igual?

É igual. Estou em casa, às vezes ligam e nós lá vamos. Se for por telefone lá nos levantamos e vamos. Mas, se for pela sirene nem vemos que horas são, vimos logo por aí abaixo. Quando toca a sirene não sabemos o que é. Quando é pelo telefone já sabemos ao que vimos. Dá aquela adrenalina. Alguma coisa nos diz que é diferente de um telefonema.

Aproveito esta oportunidade para fazer alguns agradecimentos. Tudo o que sou hoje como bombeiro agradeço aos comandantes que, sem exceção, por cá passaram. Comandante Castelar, Comandante José Vilas, Comandante Costa e Silva, Comandante Teixeira, Comandante Francisco Pereira, Comandante Hermenegildo e Comandante Rafael. Agradeço às chefias e a todos os bombeiros. Sem exceção, desde o maior até ao mais pequeno. Todos somos bombeiros e esta casa é feita de gente de trabalho, que venham para cá com vontade de ser vir e não de se servir das casas. Para terminar, tenho de agradecer à minha família o apoio que me tem dado, quer aos meus pais, quer à minha esposa e às minhas filhas. A família é muito importante. Atualmente com os telemóveis facilmente contactamos, mas antigamente andávamos muito tempo fora.

[ndr] entrevista previamente na edição de setembro do Jornal Reflexo.