Casa do Povo de Briteiros: três quartos de século a fazer a diferença
Na véspera notava-se a natural azáfama, enquanto se ultimavam os preparativos para a festa. As previsões meteorológicas para o dia seguinte apontavam para um dia de chuva persistente e houve necessidade de, à última hora, montar umas tendas para servir de abrigo à chuva.
A Casa do Povo de Briteiros celebrou 75 anos precisos desde a data da sua fundação, no dia 19 de janeiro de 1944. O programa do aniversário foi singelo mas carregado de significado. No final de contas são três quartos de século, uma data única na vida de qualquer instituição. Um dos pontos mais marcantes do dia foi o assentamento simbólico da primeira pedra daquelas que serão as futuras instalações do centro de dia, uma ambição antiga da Casa do Povo de Briteiros.
Instalado bem no centro da freguesia de Briteiros (S. Salvador), que agora administrativamente faz parte da união de freguesias com Briteiros (Sta. Leocádia), a Casa do Povo de Briteiros assume-se não só pela volumetria do seu edifício sede. Esta presença física pode ser uma metáfora para o papel central que a instituição tem para a população da freguesia e da região envolvente.
A Casa do Povo de Briteiros é uma instituição de utilidade pública e tem ainda, desde 2004, o estatuto de Instituição Privada de Solidariedade Social (IPSS), pelas valências de índole social que garante à população. A creche da instituição tem condições para receber crianças desde os três meses e meio, até aos três anos. Atualmente são cerca de meia centena de miúdos que por ali passam os seus dias. Ao final do dia outros passam 30 para o ATL.
Além destas duas valências, existe também o serviço de apoio domiciliário e a cantina social e ainda o Centro de Convívio. Além destes serviços, funcionam na Casa do Povo de Briteiros serviços dos CTT e do Espaço do Cidadão.
Todos os dias, ao início da tarde, cerca de duas dezenas de idosos escolhem reunir-se à volta da mesa corrida que ocupa o centro da sala. Nos dias em que visitamos a Casa do Povo, as mulheres estavam em larga maioria mas, ao fim de semana, juntam-se ali alguns homens para bater umas cartas. À cabeceira da mesa está Margarida, uma das funcionárias mais antigas da instituição, a quem se junta a Dulce na coordenação das atividades na sala de convívio. Nos compartimentos ao lado vai sendo atendido quem aparece, para os serviços dos CTT ou do Espaço do Cidadão ou ainda com uma ou outra dúvida.
Para estas mulheres e homens as três ou quatro horas que ali passam são uma forma de se afastarem de várias preocupações que lhe ocupam a mente. O Centro de Convívio é a melhor alternativa que estas mulheres têm de passar os dias sozinhos em casa “a pensar na morte da bezerra”. Para isso, nada melhor do que afinarem as vozes, para interpretar alguns cânticos de raiz popular.
Em novembro, o grupo das Cantadeiras da Casa do Povo de Briteiros foi ao programa “Praça da Alegria” das manhãs da RTP1 e tiveram a companhia do conhecido cantor Zé Amaro. Foi um momento que todas recordam com alegria. Este grupo das cantadeiras, participam em vários encontros, um dos últimos foi o Encontro de Reis de Guimarães. No almoço comemorativo dos 75 anos da Casa do Povo lá tiveram o seu número para animação da festa.
Além das cantadeiras, a Casa do Povo tem ainda a secção do rancho folclórico. Neste caso, trata-se de um grupo que, carregando o nome da coletividade, é totalmente independente, tendo uma direção e um orçamento próprios.
Uma instituição com raízes profundas na comunidade
A Casa do Povo de Briteiros começou como tantas outras do género em todo o país, a partir dos anos trinta do século passado. Começou por ser um local que as pessoas valorizavam muito, porque era uma espécie de caixa de previdência das populações rurais, que viviam no campo e viviam do trabalho da terra.
As Casas do Povo eram as únicas que devam alguma assistência social à população rural. A Casa do Povo de Briteiros surgiu em 1944. Uma das características que de alguma forma a diferenciou das restantes foi o facto de ter contratado um médico, que foi o doutor Augusto Dias de Castro, que ia à Casa do Povo de Briteiros duas vezes por semana. Os sócios da Casa do Povo não pagavam nada pelas consultas médicas.
Vasco Marques é o presidente da Direção da Casa do Povo desde 2011, estando nesta altura a cumprir o seu terceiro mandato. É com ele que desfiamos um pouco da história da Casa do Povo de Briteiros.
O dirigente explica que as consultas médicas eram um serviço muito importante porque na altura não existiam outros serviços de saúde disponíveis. Só o hospital de Guimarães. Foi também o primeiro local nas redondezas que teve um televisor, tendo sido colocado num espaço público, para que as pessoas pudessem assistir. Havia também um biblioteca disponível. Sempre foi uma instituição muito virada para servir a população.
A existência um posto médico nas instalações da Casa do Povo deu origem à criação de um centro de saúde em Briteiros, na altura do aparecimento do Serviço Nacional de Saúde. Esse equipamento ainda hoje existe, como extensão do das Taipas, muito pelo facto de sempre ter existido esse apoio na freguesia, prestado pela Casa do Povo.
Outras das facilidades prestadas pela instituição era ao nível formativo e escolar. Havia aulas para adultos na Casa do Povo, em horário pós laboral, o que posteriormente deu origem à instalação da Tele Escola na freguesia. O professor da escola primária era Felix Fernandes Marques, que ministrava as aulas de instrução para adultos na instituição de forma gratuita.
Na década de 1970 as Casas do Povo perdem alguma função de retaguarda, porque os agricultores passam a poder fazer descontos para a Segurança Social e a poder ter acesso a apoios sociais. Na década seguinte as Casas do Povo esvaziam-se das suas funções originais e a maior parte delas acabam por desaparecer.
A ambição do centro de dia em fase de concretização
Diariamente passam cerca de 200 pessoas pela casa do povo para procurar alguns dos seus serviços, no conjunto de todas as valências. Este serviços servem a população não só de Briteiros (S. Salvador) e Briteiros (Sta. Leocádia), mas chegam a freguesias vizinhas, como Briteiros (Sto. Estêvão) e Donim, Barco, Caldelas, Longos, Souto e Gondomar.
Nesta dinâmica do apoio social a Casa do Povo iniciou há dez anos um processo para a construção de um centro de dia. A obra do Centro de Dia ficou parada durante alguns anos até ter sido retomado o processo em 2011. Foram reiniciadas as conversações com a Segurança Social e o estudo no sentido de se perceber quais os requisitos necessários para a recuperação daquele projeto, nomeadamente ao nível do licenciamento da obra, do pedido de pareceres externos e da reprogramação do financiamento. Decorridos todos os processos burocráticos, só em 2018 a instituição volta a ter condições para avançar com a construção das instalações do centro de dia.
O Centro de Dia será uma ampliação ao atual edifício que por sua vez começou a ser construído já na segunda metade da década de 1970 e onde funciona a sede da instituição, tendo sido construídos o espaço polivalente, a creche e a cozinha, que serve várias valências da casa do povo.
A primeira pedra foi lançada no sábado de aniversário e as obras deverão iniciar-se durante o mês de fevereiro. É esperado que o próximo aniversário, em 2020, o centro de dia já esteja pronto a entrar em funcionamento. A obra tem um orçamento global de 308 mil euros, sendo que a comparticipação pública da Segurança Social apenas concorre em 63%, sobre o orçamento inicial de 197 mil euros, apresentado ao PARES em 2009 - ou seja 124 mil euros.
A cobertura do orçamento da obra deverá ter o apoio da Câmara Municipal de Guimarães, conforme a promessa firmada pelo presidente da autarquia Domingos Bragança, que também marcou presença no dia de aniversário e ajudou a colocar a primeira pedra no futuro edifício do centro de dia. Nessa altura, o presidente da autarquia vimaranense comprometeu-se com a ajuda necessário. Para o autarca, equipamentos deste género são fundamentais como “espaços de encontro para viver em comunidade”, referiu Domingos Bragança, acrescentando ainda que espaços são uma forma de garantir o bem estar físico e psicológico. “Da Câmara Municipal de Guimarães haverá o complemento necessário para que a obra se concretize. Este apoio da autarquia é uma resposta merecida ao trabalho que se desenvolve na Casa do Povo” - disse o edil antes de se levantar uma onda de aplausos na sala.
Mas, mesmo com o apoio do município, ficam a faltar meios financeiros para satisfazer o desiderato da Casa do Povo. Nesse sentido, a instituição a realização de um programa de eventos solidários para que se consiga reunir a verba que falta.
A este propósito, as instalações da associação têm recebido algumas festas, que incluem almoços ou jantares, que contribuem para a arrecadação dos fundos necessários. Um exemplo disso foi a realização no salão da festa Rock e Rojões, no passado mês de novembro. Vasco Marques diz que a atual Direção necessita de algum engenho para conseguir reunir a verba necessária. “Esta será uma das nossas grandes lutas”, garante.
De futuro, o centro de dia permitirá à instituição receber algumas pessoas que ainda tenham algum grau de autonomia mas que têm dificuldades durante o dia. Ali poderão ter o acompanhamento necessário, nomeadamente as refeições, a administração programas de medicação, higiene pessoal ou outro tipo de apoio que o utente necessite.
“Um pedaço de céu”
A carrinha do apoio domiciliário parte da Casa do Povo de manhã cedo. Todos os dias há uma rota diferente num planeamento que é feito numa base semanal. São diversas as situações que as funcionárias do centro encontram, em função das necessidades de cada pessoa que vão visitar. Por isso, a cada dia há uma preparação diferente a fazer.
A distribuição das refeições da cantina social são articuladas com a rota do apoio domiciliário. O beneficiários deste apoio recebem um combinação sobre o local onde podem levantar as refeições. Quem nos explica estes procedimentos é Sónia Carvalho, a diretora técnica da Casa do Povo de Briteiros.
Sónia está em Briteiros vai para 15 anos. Não os cumpriu de seguida, teve outros projetos pelo meio, mas assume na prática que é há este tempo que está nesta instituição desde que aqui chegou, vinda de Ribeira de Pena. Aqui, em Briteiros (S. Salvador), encontrou “um pedaço de céu”, confessa.
Leia a reportagem na íntegra na edição de fevereiro do jornal Reflexo, já nas bancas.