O último debate Prós e Contras, transmitido pela RTP, embora centrado na situação actual da autarquia lisboeta, permitiu que se discutissem aspectos importantes da sociedade portuguesa.
A ideia com que se partiu foi de que não só o país está mergulhado numa crise económica e social, como o próprio regime apresenta sintomas de falência. Portugal encontra-se enfraquecido na sua essência, ou seja, nos portugueses, na sua capacidade de exercer a cidadania e na sua capacidade de se afirmar como povo.
Lisboa não é exemplo para o resto de Portugal, muito menos Portugal poderá ser exemplo para a Europa. Lisboa, apesar da sua importância e estatuto caiu, como está a cair o resto do país, por problemas muito idênticos. De resto, como dizia o jurista Carlos Abreu Amorim, Lisboa é o reflexo do seu país e Lisboa tem sido uma má capital de Portugal.
A cidadania é uma faculdade da liberdade e se nunca, em mais trinta anos, aprendemos a usar a liberdade, muito menos teremos aprendido a exercer cidadania. O Estado Novo afundou Portugal durante 40 anos, diz a História. Passaram-se mais 30 desde a revolução e continuamos sem saber que rumo querem os portugueses para Portugal. Este regime não pode ser melhor só porque somos livres tem de haver mais que isso.
Com acutilância o historiador Paulo Varela Gomes pôs o dedo na ferida: o actual regime está em crise, como esteve o anterior. Problemas de corrupção na gestão do território e o urbanismo são os mais comuns que atravessam os vários níveis de governação. Recorde-se que foi o caso da BragaParques e as permutas de terrenos do Parque Mayer que ajudaram a despoletar toda esta crise na capital. Teve a repercussão que teve por ser na capital, embora casos destes abundem em todo o país.
Portugal auto consome-se. Mais de metade daquilo que produz serve para sustentar o funcionamento da máquina do Estado. Projecta-se, estuda-se, anunciam-se planos inócuos do ponto de vista estratégico e quase todos os dias são apresentados estudos disto e daquilo. Vamos assistindo impávidos, com placidez e sem qualquer sentido crítico, controlados pelo individualismo em prejuízo do colectivo razão de ser primordial das cidades.
Mais uma vez, Lisboa é o reflexo do país a cidade está a auto destruir-se. Lisboa é uma cidade gorda feita de betão dizia o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que insiste e bem em explicar que a cidade deve funcionar como um organismo vivo de cuja sanidade depende de equilíbrios. Continua o arquitecto dizendo que não há noção dos limites da cidade. Embora falando de Lisboa, sabemos que esta prática se distribui um pouco por todo o país. Basta, por exemplo, ir das Taipas até Guimarães sem que se perceba claramente quando entramos e saímos das localidades. Ou subir ao Bom Jesus e olhar para a cidade de Braga.
Como nos mostrou de forma brilhante António Barreto na série documental Portugal Um Retrato Social, somos hoje um país muito diferente do que éramos há 60 anos. Vivemos mais tempo, temos melhor qualidade de vida, temos mais saúde e melhor acesso à educação. Somos inclusive os melhores do mundo em muitos aspectos. Continua contudo a faltar algo de muito importante: ainda não aprendemos a gostar de Portugal, continuamos a gostar demasiado e em primeiro lugar de nós próprios como indivíduos. Não encontramos ainda outros motivos de orgulho para além do futebol, capazes de encher janelas com a bandeira nacional. Não aproveitamos o melhor que nos ficou do antigo regime (um Portugal por desenvolver, cheio de potencialidades) e das vitórias do 25 de Abril de 1974. Passados mais de trinta anos, falta aprender a tirar pleno uso da liberdade que conquistamos. Portugal passou de um país orgulhosamente só, para um país de sós orgulhosos.